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Castanha Aberta, uma via 100% em móvel

^ Pedra da Lajinha de Itaguaçu.

No início do mês, o escalador de Colatina, Cosme Manenti entrou em contato comigo perguntando se eu não poderia ensina-lo a escalar em móvel.

Quando eu comecei a escalar na década de noventa, não havia internet e as informações sobre técnicas de escalada eram bem escassas. Havia poucos livros e poucos escaladores. Por isso, fui um escalador auto-didata que aprendi lendo livros e contei com a ajuda de outros escaladores mais experientes. Com certeza, muita coisa que sei hoje devo eternamente a paciência dessas pessoas que perderam alguns minutos para passar dicas preciosas que são úteis até os dias de hoje.

Por isso, quando o Cosme pediu uma ajuda não tive nem escolha. Estava chegando a hora de eu passar adiante o que os outros me ensinaram no passado.

O Cosme é um dos poucos, senão o único, escalador ativo da cidade de Colatina que fica a 120km de Vitória. Eu sei como é difícil morar numa cidade rodeada de pedra com motivação à mil e não poder escalar por falta de parceria. Por sorte, quando comecei a escalar eu ainda tinha o Daiti (Hamanaka) e o Leandro (Feiten) para escalar, mas também éramos apenas nós três e mais ninguém em Ivoti (RS).

Para complicar mais um pouco, escalar em móvel no Espírito Santo é quase a mesma coisa que surfar em Brasília. A gente tem pedra “a dá com pau”, mas fenda que é bom nada… Eu conto nos dedos as vias com fendas (chaminé não é fenda) perfeitas. Se já não tem fenda, imagina uma fenda boa para quem está começando a escalar.

Mas o fato é que durante uma investida à região de Santa Joana com o Dunada no ano passado, vi uma pedra com um grande arco relativamente fácil que poderia ser um bom candidato à fenda-escola. Lembro que a gente olhou para ela e achou que seria muito fácil e resolvemos conquistar uma coisa mais espinhenta na Pedra da Andorinha, no outro lado do vale.

Então, quando o Cosme pediu essa mão, na hora lembrei dessa fendona e logo pensei que poderia ser um bom lugar para ele começar! Mas ainda tinha um problema: a fenda era virgem… Na época, vi a fenda de longe e não sabia se ela era escalável ou se a fenda era cega ou cabia uma moto dentro.

Amanhecer na estrada. Em algum lugar entre Cavalinhos e Colatina.

Combinei no último sábado com o Cosme de ensinar a arte de entalar peças. Passei na casa dele em Colatina e fomos para o tal arco na região de Santa Joana.

Como “mar calmo não faz o marinheiro”, expliquei para ele que, além de aprender a escalar em móvel, teria que fazer isso conquistando ao mesmo tempo.

Passamos na propriedade do Sr. Zé, pedimos autorização e fizemos a curta aproximação de uns 10 minutos até a base da pedra. Para ganhar tempo, tocamos em solo um costão com mochila e tudo até um platô confortável onde montamos a nossa P1.

Pedra da Lajinha de Itaguaçu e o grande arco por onde transcorre a via “Castanha Aberta”.

Ficamos ali quase uma hora explicando o que considerei importante sobre o uso de proteção móvel, assim como sobre equalização móvel. Feito isso, bebemos um gole d’água e passei a ponta da corda para ele colocar imediatamente em prática tudo que eu ensinei, conquistando!

Para eu ter maior controle da situação, fizemos enfiadas curtas a cada 30m. Assim, ele poderia praticar mais também as paradas em móvel.

Assim que ele chegou na primeira parada, fui recolhendo as peças e dando o diagnóstico das colocações. No primeiro trecho, o Cosme colocou a maioria das peças com as castanhas muito abertas, pois ele temia que pudesse prende-las. Dai, nasceu o nome da via “Castanha Aberta”.

A parada também tinha ficado um pouco expanada demais, pois isso tivemos que fazer um pequeno reforço para a gente não correr o risco de despencar com tudo…

Cosme negociando a colocação de uma peça na fenda.

Seguimos a escalada, fazendo enfiadas curtas de uns 30m até a P2 (oficial). E a medida que íamos progredindo na conquista, as colocações das peças do Cosme também iam melhorando. A via em si também ia melhorando a cada metro com belos trechos de fendas em uma rocha compacta e com muitas agarras.

Na P2 vislumbramos uma oposição perfeita cortando o teto para ganhar o arco e sair pelo costão até o cume. Como o trecho era um pouco mais complicado (VIo SUP), assumi o único trecho que conquistei de toda via e abri uma enfiada curta de 5m só para fazer a virada e depois passar novamente a ponta da corda para o aprendiz tocar a última enfiada até o cume.

Assim que fiz a virada, esperava encontrar um grande costão que nos levasse ao cume. Segundo o plano original, esse trecho final seria conquistado usando algumas chapeletas para proteção, mas assim que fiz a virada, vi uma incrível fissura de dedo apontando diretamente para o cume! Coisa rara por essas bandas. Com isso, não foi preciso bater nenhuma chapa nesse trecho final e o Cosme tocou a escalada pela fenda até um pequeno coqueiro onde fez a segurança (P5).

Parada em móvel montada pelo Cosme. À prova de bomba!

Chegamos no cume exatamente ao meio-dia, após 3h de escalada. Nada mal para quem estava aprendendo a escalar em móvel e a conquistar ao mesmo tempo pela primeira vez. De fato, a escalada é bem tranquila e agradável. E o melhor de tudo é que abrimos mais de 200m de via sem ter que bater uma única proteção fixa, o que ajudou bastante os trabalhos. Pensando agora, essa deve ser uma das poucas, senão a única, via tradicional do estado que não tem uma única proteção fixa.

Tradicional foto do cume. Ao fundo a Pedra da Andorinha.

Do cume, descemos voando daquele calor do meio-dia pela aresta oeste da pedra por um grande rampão de pedra até a base da via, onde pudemos descansar um pouco na sombra de uma grande árvore.

Visão panorâmica do cume. A pedra maior é a Pedra da Andorinha. Na aresta da direita transcorre a via “Gato Preto”.

Croqui

Sou muito suspeito para falar sobre a via, mas posso dizer que ela é uma das melhores vias em móvel que temos por essas bandas. E com certeza, uma boa pedida para quem está começando a escalar em móvel. O crux de VIo SUP pode ser artificializado ou contornado seguindo a fenda até o fim.

E por fim, preciso elogiar o Cosme que mandou muito bem na primeira guiada em móvel conquistando uma fenda virgem! Para quem escalou pela primeira vez em móvel, conseguiu imprimir um bom ritmos e fez as transições com bastante eficiência! Parabéns!

Pontões de granito da região de Santa Joana.

Comentários

2 respostas em “Castanha Aberta, uma via 100% em móvel”

Linda a via! Parabéns!
O boulder do crux ficou iradissimo! Com luva dá pra entalar a mão e ter mais segurança pra sacar as peças e proteger.
Repetimos (eu, Zé e Xerxes) domingo e recuperamos o material deixado na investida fracassada da semana passada.

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