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Despedida de solteiro, parte 2

^ Eric no início da via “Despedida de Solteiro”, Pedra Paulista.

Sábado, seis e dez da manhã, o meu celular toca, no outro lado da linha, o Eric! Ainda sonolento penso: o que o Eric quer comigo a essa hora da manhã? Mas antes mesmo de atender lembro: putz, estou atrasado!

Saltei da cama, corri pela casa para me arrumar e fui ao encontro dele, pois tínhamos combinados, às 6h, que iríamos voltar à via “Despedida de Solteiro” na Pedra Paulista para mais uma investida.

É claro que a minha soneca custou uns 30 minutos de atraso e o Cosme que também nos aguardava em Santo Antônio de Canaã, acabou mofando um pouco no posto de gasolina.

Uma vez reunidos, tirando o fato de eu ter virado motivo de piada, tudo transcorreu tranquilamente até a chegada na base da pedra.

Dessa vez, por sorte, encontramos o encarregado do sítio que fica aos pés da montanha. Descobrimos o “beta” da porteira que estava fechada da última vez e conseguimos ir de carro a menos de 100m da base da via, o que nos poupou alguns minutos de caminhada. Como estávamos indo para passar dois dias na parede, com direito a um bivaque suspenso, esse esquema foi essencial para economizar aquele “porteio” insano.

Face norte da Pedra Paulista. Panorâmica na vertical.

Para o primeiro dia de trabalho, o objetivo era subir repetindo as 3 primeiras enfiadas e conquistar a 4ª para ganhar um platô, onde seria o bivaque. E ainda se desse tempo, tocar a próxima enfiada para deixa-la pronta para o dia seguinte.

Uma coisa é repetir 3 enfiadas só com material de conquista, outra é repetir levando material de conquista, material de bivaque e mais 18L de água. Como a face da pedra fica voltada para o norte, a via fica exposta ao sol praticamente o dia inteiro, por isso consideramos 3L de água por pessoa/dia razoável.

Preparando as mochilas para o ataque.

Chegamos na P3 por volta das 14h. Essa enfiada foi conquistada pelo Cosme na primeira investida até a chuva nos expulsar da parede. Por isso, a parada ficou num lugar muito desconfortável, praticamente no meio do nada, numa parede lisa, sem nenhuma saliência. Na verdade, ele bateu a parada ali porque as agarras acabaram. Bom para ele, ruim para mim que tive que abrir a próxima enfiada. Após uma leitura “Braile” optamos sair pela direita catando umas migalhas para vencer um trecho vertical para logo em seguida ganhar um terreno mais “fácil” e dominar o platô do bivaque.

Após alguns minutos de silencio sepulcral passei o crux e minutos depois estava ganhando o platô que, para nossa grata surpresa, se mostrou bastante confortável para acomodar 3 pessoas.

Chegamos no bivaque por volta das 16h30 e para “dar um adianto” iniciamos a conquista da próxima enfiada por uma longa e extensa chaminé a perder de vista. Esse era o início do grande totem suspenso que é possível ver de longe.

Eric na 1a enfiada mista da via.
Trabalho de peão, subir com o haul bag! 4a enfiada.
Cosme na 4a enfiada, ao fundo o carro.
Descanso no platô da P4.

A nossa esperança era de que a chaminé fosse “amigável” e que pudesse aceitar muita proteção móvel, assim pouparia tempo e material de conquista, mas a realidade se mostrou mais dura. A chaminé era até de boa, mas era mais vertical do que o esperado e as poucas fendas eram numa rocha muito pobre que se esfarelava ao toque, não permitindo o uso de proteção móvel.

O Eric e o Cosme conquistaram uns 15m de chaminé até serem sugados pela escuridão e deixaram os trabalhos para o dia seguinte, retornando ao platô para uma longa noite de sono.

A essa altura, o frio já imperava no platô. Aliando ao vento incessante, a sensação térmica girava na casa dos 10 graus. Todos nós esperávamos uma temperatura mais amena e acabamos levando pouca roupa. Eu tinha apenas uma fleece e um corta-venta, que para 90% das montanhas do Estado é mais do que o suficiente…

Jantamos batendo queixo e por volta das 20h todos nós estávamos entocados dentro do saco de dormir podre de cansado e frio.

Durante a noite, o vento continuou sem dar trégua e o frio aumentava cada vez mais. O meu saco de dormir de 8 graus não foi páreo e durante a madrugada tive que entrar no saco de bivaque para minimizar o frio, mas mesmo assim, a noite foi bastante desconfortável.

Eric no início da 5a enfiada, antes de entrar na chaminé.
Entardecer na região.
Nosso bivaque. Nada mal.

Acordamos no domingo por volta das 6h da manhã. Tomamos um belo “chá-fé” para nos aquecer um pouco e esperar o Sol despontar no horizonte e esquentar um pouco a pedra. Como estávamos na face norte da pedra, Sol não foi problema e em alguns minutos lá estava ele, nos abençoando com aquela energia “fritante”.

Café da manhã! Queijo com Nutella! Muito Nutella!

Continuei a conquista do dia anterior por dentro da chaminé até encontrar uma obstrução à frente. Entre varar o mato e contornar por fora, optei pela última. Ao tentar sair pela face da pedra fui testar uma moita de mato para me apoiar e, ao toque, ela acabou se deslocando, soltando muita sujeira e pedra que desceu em direção aos meninos. Gritos e corre-corre interromperam a manhã calma de domingo na região. Saldo da brincadeira, um “kick” na corda a uns 45m. Não chegou a cortar a corda, mas ela ficou com a alma danificada… A corda já era para guiar, mas ainda rolava rapelar com segurança. Assim decidimos continuar a escalada conquistando enfiadas mais curtas para não ter que usar o trecho danificado.

Cheguei na P5 e o Cosme assumiu a corda para iniciar a sexta enfiada por uma chaminé estreita que se inspirasse o cara ficaria preso pelo tórax e se expirasse, cairia… Como o Cosme estava sofrendo de “arritmia respiratória”, acabou não se entendendo com a chaminé e eu peguei a ponta da corda. Fui me espremendo pedra à cima até ganhar outro platô confortável, onde bati a P6.

A próxima enfiada seria a continuação da ralação anterior, mas na versão mais light, por uma chaminé mais aberta. Os meninos se entre olharam e “gentilmente” me cederam a ponta da corda para mais 40m de ralação.

Menos claustrofóbica, mas mais exposta, assim poderia definir a sétima enfiada. Após um longo trecho de chaminé aberta, aos poucos ela foi se estreitando e finalmente aceitando algumas peças grandes. Quando finalmente consegui olhar para o final da chaminé, vi que ela seguia por um misto de chaminé-diedro-oposição sem fim, algo suficiente para me deixar desmotivado com tanta ralação que viria à frente.

Nessa hora, me lembrei que de longe, a essa altura, tínhamos visto algo que poderia ser um sistema de fendas frontais por fora da chaminé. Mais uma pescoçada para fora e bingo! Lá estava a fenda. Não pensei duas vezes e fui à procura de uma saída que levasse à fenda frontal por fora da chaminé. Achei uma pequena saída no meio da chaminé, fiz a virada para bater a P7 e deixar a próxima enfiada para o Eric “na cara do gol” (para não falarem que eu só deixo carne de pescoço para ele).

Cosme após uma sessão de rala costa.
Eric na 6a enfiada da via, o trecho mais estreito da escalada.
Essa jumareada tirou o Cosmo do jogo.

De fato, a 7ª enfiada começou ao melhor estilo Yosemite, mas alegria de pobre dura pouco e logo a fenda sumiu para dar lugar a um mar sem fim de granito salpicado. Sabíamos que a partir deste ponto até o cume seriam mais uns 200m desse granito.

O Eric tocou a fenda, entrou na face, bateu a primeira chapa e quando foi continuar, no meio do movimento, uma agarra de pé quebrou. Foi só um susto, mas o suficiente para acabar com a moral dele. Quem já escalou nesse tipo de terreno sabe do efeito devastador de uma agarra não-suspeita quebrar. Para ele aquilo foi o suficiente para bater mais uma chapa e pedir para descer.

7a enfiada. Mucho granito arriba!

No jogo de “responde ou passa” (só os antigos entenderão), o Cosme “repassou” e lá fui eu encarar o mar de granito. Segui a linha do Eric passando por um terreno fácil tentando achar uma passagem lateral para fugir de um headwall liso à frente, mas logo descobri que não tinha como escapar pelos lados e que o único jeito seria encarar a muralha de frente. O problema desse tipo de parede não é a escalada, mas sim, parar para bater proteção, já que não tem onde colocar cliff, é preciso se estabilizar nos pés, por vezes bem suspeitos, e bater uma chapa.

Bati uma chapa, bati mais uma e logo vi que elas estavam muito perto entre si. Era um claro sinal de que estava cansado e pouco corajoso. Forcei uma esticada, mas à medida que avançava a parede ficava mais inclinada e com menos agarras. Bati uma última chapa achei por bem voltar ao lance com a cabeça mais fria e descansada. E assim resolvemos aproveitar o resto das horas de luz para descer ainda de dia. A final contas, ainda tínhamos pela frente 7 rapéis com quilos de material de conquista para baixar.

Mais um entardecer. Ao fundo, os Cinco Pontões.

Por volta das 17h, ainda com a luz do dia, conseguimos baixar com segurança até a base da montanha e às 21h já estávamos no conforto do lar para um banho quente e uma merecida noite de sono.

Sobre a via, posso garantir que ela está ficando do jeito que almejei, uma via constante, sem enfiadas “promos”, com escalada bem variada. Com certeza quando estiver pronta será um clássico da escalada Capixaba. Por hora, acho que essa conquista vai dar uma pausa, pois para os próximos finais de semana, as nossas agendas não irão se conciliar, mas com certeza voltaremos lá o mais breve possível. A final de contas, é na montanha que nós gostamos de passar os dias.

Traçado da via.

Comentários

Uma resposta em “Despedida de solteiro, parte 2”

E aquela nuvem de abelhas migrando que passou do nosso lado!? Que medo!
Vamos ver se casado eu volto mais corajoso! Quem sabe consigo uma enfiada inteira? Kkkk
Valeu demais mano! Essa via vai ficar top!
Abs

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