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Freira de Biquini!

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Face oeste dos Três Pontões de Afonso Cláudio.

Um bom título é sempre um bom chamariz para prender o leitor e convidá-lo para ler um texto. E se você está aqui é porque consegui fazer isso!

Para contar melhor essa história da tal “Freira de Biquini”, é preciso voltar no tempo, mais especificamente à 5a-feira da semana passada.

Na 5a feira, saiu um “alvará especial” de final de semana. Quem é casado e escala, sabe o que é essa tal “alvará especial”. Com a alforria em mãos, o seguinte passo foi encontrar outro escalador com o mesmo papel para o final de semana. E eis que o Gillan, meu amigo de roubada do final de semana passado, aparece para fechar a barca do final de semana! Nosso objetivo?! Escalar o Dedinho de Afonso Cláudio no sábado e no domingo conquistar uma nova via tradicional da região de Empoçado, também Afonso Cláudio.

Dedinho

Na sexta-feira saímos de Vitória no final do dia e nos acomodamos confortavelmente no Cantinho dos Três Pontões.

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Nosso Acampamento base no Cantinho dos Três Pontões. Gillan na cozinha!

No sábado, acordamos às 4h30, tomamos um café da manhã reforçado e partimos para a aproximação, via trilha das antenas, por volta das 6h. Às 6h40 chegamos na base da via Inferno na Torre que acessa o cume do Dedinho.

O tal Dedinho é um dos 4 picos que compõem os “Três Pontões de Afonso Cláudio”. Na verdade, o nome do pico deveria ser os “Quatro Pontões”…. Esse pessoal sempre erra essas contagens. A única via que faz cume no Dedinho é a via “Inferno na Torre” conquistada em 1996 pelos escaladores Roberto Tristão e Gilberto Azevedo.

A via é dividida em duas partes bem distintas. Uma parte inicial com 3 enfiadas bem tranquilas até a base do dedinho e uma segunda parte, dividida em 3 enfiadas, no Dedinho em si. (ver croqui abaixo)

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Aproximação pela trilha das antenas. A névoa escondendo o pico, mas o Dedinho está ali!

A primeira parte eu já tinha escalado em outra ocasião para subir o Pontão Maior e o Tubarão no ano passado, então não foi nenhuma novidade. Já o Dedinho, ai sim, o bicho ia pegar.

Aqui no ES, essa via é rodeada de muitas histórias e mitos. Desde que ouvi falar dela pela primeira vez, ouvi muitas histórias legais sobre ela. Assim como histórias épicas recheadas com muitas roubadas!

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Gillan na saída da segunda enfiada (pelo lado errado) e o cume do Pontão Maior ainda encoberto pelas nuvens.

Assim que chegamos na base do Dedinho peguei a 1a enfiada em “artificial”. No único croqui que tem na croquiteca da ACE diz que esse trecho é em A1 com grampo-sobre-grampo. Em 2009, o meu bruxo Caio Afeto liberou parte dessa sequência inicial mandando em livre e graduando o trecho em 7a. Então, comecei a escalada em livre indo até a base do teto para depois seguir em artificial até a P1. Nesse trecho inicial, o crux nem é a dificuldade técnica do lance (7a), mas sim a exposição repentina, uma vez que a enfiada começa no colo e toda vez que você precisa olhar para os pés, a sua visão periférica lembra que o chão está a uns 200m da base!!! Também ninguém me falou que esse A1 era um misto de livre com artificial e que o crux era exatamente uma virada num teto onde o caboclo tem que sair em livre para fazer a virada.

Se guiar foi ruim, pior para o Gillan que precisou subir jumareando o trecho. Depois da jumareada aérea nos juntamos na caverna que inspirou o nome “Inferno na Torre”. Diz a história que durante a conquista, em um dos bivaques nesse platô, a dupla passou por um belo de um aperto quando fogareiro explodiu e pegou fogo no platô.

Dali para cima são só mais duas enfiadas curtas até o cume, mas o fato de serem curtas não quer dizer que sejam fáceis. A enfiada seguinte, guiada pelo Gillan, é com certeza a mais exposta da via. Começa com um esticão em agarras ocas até chegar num grampo escondido para finalmente achar uma parada confortável num bloco que está prestes da cair.

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Gillan procurando, sem sucesso, o grampo escondido no trecho mais exposto da via.

A última enfiada segue contornando a pedra pela direita até chegar numa fenda/chaminé que graças a Deus tem bastante agarras para finalmente bater no cume.

Chegamos no cume por volta do meio-dia, tiramos as tradicionais fotos do cume, assinamos o livro e tratamos de sair logo daquele sol impiedoso, pois tínhamos ainda um longo caminho de volta até o carro.

Segundo o livro de cume, a última repetição foi do Afeto, Robinho e Júlia (RJ) em fevereiro de 2015, quando a Júlia saltou de B.A.S.E do Dedinho! E antes disso foi só em 2009 quando o Afeto e o DuNada bateram no cume.

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Livro de cume original.

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Assinando o livro de cume.

A descida foi bem tranquila, sem nenhum problema. Na verdade, incrivelmente essa escalada foi sem nenhuma roubada. Tudo aconteceu nas conformidades e retornamos no carro por volta das 15h.

Croqui

ATENÇÃO: A P1, P2 e a P3 foram duplicadas! Para ver o croqui atualizado, clique aqui! O croqui abaixo está desatualizado!

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1a enfiada – A via começa numa grande calha d´ água, progredindo em chaminé. Depois segue em diagonal à esquerda até um grampo num platô. A parada é simples, por isso é altamente recomendável passar o lance, costurar a próxima proteção e descer novamente. Parada dupla. 35m

2a enfiada – Segue pela aderência, onde fica o crux da enfiada, depois segue pela canaleta com mato. É possível sair da canaleta pela esquerda e seguir pela face para evitar a vegetação. O próximo grampo fica num pequeno platô a uns 30m. O ideal é fazer a parada usando as árvores que ficam ao lado, em vez de usar o grampo simples como parada. Parada dupla.

3a enfiada – Esse trecho é uma longa escalaminhada no mato até chegar no colo entre o Dedinho e o Pontão Maior. 80m

4a enfiada – A enfiada começa bem na aresta do colo, seguindo o paliteiro de grampos até o platô. O trecho inicial pode ser feito em livre (7a), depois segue em A1 intercalando com trechos em livre. O crux fica bem na virada do teto, onde há uma chapeleta. A virada deve ser um lance de 6o grau. Se usar todos os grampos para proteção, requer aproximadamente 20 costuras. Vários grampos foram batidos com o olhal para o lado. Nunca usar costura normal nesses grampos, pois há a tendência de o mosquetão assentar o peso no olhal. Sempre usar uma boca de lobo no corpo do grampo. O segundo pode subir jumareando para ganhar tempo. Nesse caso é interessante levar uma corda estática, pois a borda do platô é bem afiada (usar proteção de borda). 35m

5a enfiada – A partir do platô/caverna a via segue pela direita. A primeira proteção está logo na borda (grampo com olhar de lado!). A via segue para cima pela face até um grampo escondido (trecho expo!). Depois há um piton caseiro sem muita serventia, mais um grampo e a parada sobre uma grande laca. 20m. Para facilitar a volta, o ideal é fixar a 2a corda da P5 até o grampo da borda da caverna. A corda fixa (6mm) que estava lá desde 1999 foi REMOVIDA.

6a enfiada – Acima da parada há um grampo e depois a via segue à direita até virar a aresta. A partir dali segue para cima pela fenda/chaminé protegendo em móvel. O piton velho com cordelete não está mais em condições de uso, mas logo ao lado há uma colocação perfeita para nut. Nesse trecho, há espaço para friends #.5 a #2 (BD). Depois da fenda há um piton Angle, mais dois grampos e cume. 25m

Descida – Da P6 (dupla) descer com uma corda (50m) até a P5. Como a parada do cume fica bem para dentro, é muito prudente fazer um teste para ver se é possível puxar a corda.

Da P5 até a P4. Usar a corda fixa para auxiliar na descida do primeiro. Nunca descer do cume até a P4!!!!

P4 até a base do colo. Usar a parada que fica na parede para rapelar e não a parada que está no chão. Lembrar de levar o nó da emenda até a borda para diminuir o atrito na hora de puxar a corda.

O trecho de escalaminhada pode ser descido usando um grampo simples duplo amarelo que fica no meio da descida (60m)

Da P2, a melhor opção é usar as árvores para rapelar até a P1. Não usar o grampo simples! Se estiver usando duas cordas de 70m, pode descer da P2 até a base.

Da P1 até a base, o rapel é em grampo simples. Grampo duplo.

Equipos para repetição

  • Duas cordas de 50m sendo 1 estática;
  • 15-20 costuras;
  • Nut médio e/ou friends (#.075 a #2 – BD)
  • Estribos;
  • Ascensores.

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Três Pontões visto de um outro ângulo.

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Esperado a janta no Cantinho dos Três Pontões. O Gillan foi deposto da cozinha na 2a noite!

A Freira de Biquini!

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Mais um dia nas montanhas. Objetivo do dia, Pedra da Freira, a montanha mais alta da foto.

No domingo, a alvorada foi mais cedo ainda, 4h! Tomamos um café da manhã preguiçoso, desmontamos o acampamento e nos despedimos do Itamar, proprietário do Cantinho, que sempre recebe os escaladores de braços abertos. Às 5h30, nos encontramos com o Robinho e o Roberto, escaladores locais, no centro de Afonso Cláudio. Agora a equipe seria de 4 escaladores para a conquista da Pedra da Freira em Empoçado.

Como os caras são locais, não tivemos muitos problemas para fazer a aproximação que segue por estradas vicinais e de café. Essa aproximação, de carro, tem uns 4km ( a partir do Empoçado) e um ganho de desnível de aproximadamente 500m.

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Aproximação. Mesmo com essa seca, essa nascente estava firme e forte!

Chegamos até onde as motos e o carro conseguiram chegar. Estudamos a linha da via e optamos pelo longa aresta noroeste para “garantir” a conquista. Com o peso do material de conquista dividido em 4 pessoas, a aproximação foi bem light. Solamos o costão inicial até um lugar confortável e estabelecemos ali a nossa P1.

Comecei a conquista por volta das 8h puxando 60m de corda até a P2. Para a nossa sorte a aresta não era tão inclinada quanto imaginávamos e a rocha era ótima com muitas, mas muitas, agarras boas! Pelo menos para mim, que estou acostumado com o granito liso e sem agarra, ver uma pedra crivada de agarras foi uma sensação muito especial. Em determinados trechos, havia tanto cristal bom que parecia que estava escalando em conglomerado!!!

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Gillan no começo da 3a enfiada.

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Parada! Organização é tudo! Ou quase…

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Roberto, Robinho e Gillan na P3.

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Chegando na P4.

Assim a conquista foi fluindo sem maiores problemas. Passamos o trecho mais inclinado, entre a P3 e a P4, sem dificuldades pela abundância de agarras até chegamos na P4. A essa altura, mesmo tentando escalar na sombra e  iniciando a conquista o mais cedo possível, não teve mais como escapar do sol que ia nos cozinhando lentamente sem perceber devido ao ventinho que ajudava a refrescar.

Para a nossa sorte, após a 4a enfiada a pedra perdeu mais inclinação e pudemos tocar bem a conquista ao estilo parada-a-parada, batendo somente as paradas até batermos no cume por voltado do meio-dia! Ficamos lá curtindo o visual, tentando reconhecer as montanhas em torno, assinamos o livro de cume e baixamos caminhando até a base.

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No cume com os Três Pontões ao fundo.

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Macaco solitário.

A via ficou muito tranquila e gostosa. Nada de perrengue nem roubada. Com certeza uma boa via para curtir a vida e apreciar a paisagem.

Ah, sobre o Biquini! O nome é uma mescla entre o nome da pedra (Pedra da Freira) e o solzinho que pegamos na parede ao longo da conquista. E um pouquinho de alucinação, é claro!

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As montanhas de Empoçado. A Pedra da Freira é a pedra do meio. A via transcorre bem pela aresta da montanha começando pelo lado direito.

Croqui

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1a enfiada – Costão bem tranquilo (até mesmo de tênis) até um pequeno platô antes do platô principal.

2a enfiada – Segue em direção ao platô e depois em direção a 1a proteção da via. A parada fica a 60m,

3a enfiada – Segue para cima até a segunda proteção e depois à esquerda em diagonal até a parada. Tem um pequeno esticão até a parada, mas nada de mais. 55m

4a enfiada – Enfiada saí à esquerda, depois volta à direita passando à direita da vegetação. Algumas proteções podem estar escondidas nesse trecho. A parada fica acima das lacas, à esquerda, visível da última proteção antes da parada.

5a enfiada – Segue reto para cima até a 1a proteção que está a uns 30m. Depois segue até a virada. A parada fica depois da virada, levemente à esquerda. 55m.

6a enfiada – A partir daqui é possível subir em simultâneo até o cume passado batido pela P8. Parada natural no cume.

Descida – Todas as paradas são com chapeletas sem argola. Caso precise descer pela via é preciso abandonar fitas. A melhor opção é descer caminhando pelo lado oposto da montanha. A trilha começa à direita de quem fica de frente para o cume. A descida é relativamente bem demarcada, mas há muitas áreas abertas que podem confundir, principalmente a noite. A descida tende a um pequeno precipício que pode ser vencido com um rapel de 30m (ancoragem em árvore) ou seguir contornando a mata (pior opção). A caminhada dura de 1h a 1h30 a depender de onde ficar o carro.

Equipo para repetição: 1 corda de 60m (2 se descer pela via); 6 costuras; parada.

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Lembranças e agradecimentos ao Itamar e família por nos abrigar e alimentar com aquela hospitalidade incrível de sempre; ao Gillan por dividir a cordada nos dois dias de escalada com muito empenho e dedicação; E a dupla Robinho e Roberto pela parceria na Pedra da Freira! Foram os guias e sherpas da vez!!!

Comentários

2 respostas em “Freira de Biquini!”

Você que é sinistro Japa, mandou demais no dedinho!!!
Valeu a parceria, o alto astral e os ensinamentos do fds!

Acho q a Freira de Biquini estará entre as conquistas mais tranquilas, rápidas e divertidas da minha vida. E só pra fazer uma propaganda a mais aos leitores: do cume dá pra avistar além dos Três Pontões e Cinco Pontões, a Pedra Azul, Pedra do Garrafão, montanhas de Venda Nova, de MG entre muitas outras.

Abraço

Duas vias por final de semana tá baum em Japonês, colecionar de cumes, hehehehehe…Parabéns pela conquista e por colocar essa galera pra escalar 😉 abração!!!

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