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Pelo Empoçado

O mês de outubro marca o início das chuvas e o fim da temporada de escalada na região sudeste do Brasil, mas alguns escaladores, como eu, sempre acham que dá para dar uma esticadinha extra.

Passei a semana monitorando três sites para ver as condições para o final de semana: Windy, Cemadem, Incaper e as redes sociais. O Windy é um site (tem app também) que traz um monte de informação crua e ajuda a fazer um bom prognóstico, recomendo! Já o Cemadem, mostra as condições do tempo, principalmente chuva, em tempo real, baseado em diversos pluviômetros espalhados pelo país; O site de Incaper, que já foi melhor, ajuda a dar uma noção bem básica do tempo, mas nada muito preciso; Já as redes sociais são uma excelente ferramenta para ver o tempo, pois sempre tem alguém postando, chuva, sol, vento ou coisas assim.

Com base nessas informações conclui que o tempo estaria meia boca no sábado e domingo mais firme. E que a instabilidade viria do mar, de norte para o sul. Ou seja, se for para algum lugar teria que ser para dentro do Estado e de preferência na metade sul.

Assim, escolhi a cidade de Afonso Cláudio para dar um rolé nos dois dias. Como não tinha nada em mente fui preparado para tudo. Desde repetir uma via a conquistar uma parede em móvel.

Sábado

O sábado amanheceu bem chuvoso. De Vitória até Afonso Cláudio tudo estava molhado, indicando que a noite foi bem chuvosa. Cheguei em Afonso Cláudio com o tempo nublado e tudo ainda bastante molhado da noite anterior. Como a previsão era melhor para o domingo, resolvi gastar o dia para conhecer melhor a região do Empoçado em busca de novas oportunidades.

Amanhecer de sábado na região serrana. Fuji Xpro2.

Assim que cheguei à região notei que todas as pedras vertiam água, exceto uma, a Pedra do Empoçado. Imaginei que o fato de ter pouca vegetação tivesse contribuído para não estar escorrido e logo pensei: Se a pedra secar mais um pouco, rola entrar na via “Los Hermanos” (4o, IV SUP, E2, D2), uma via de aproximadamente 300m toda protegida com grampos que foi conquistada pelos escaladores locais em 2004.

A via “Hermanos” passa pela parte central da montanha, transcorrendo a maior extensão da parede. Fuji Xpro2.

Dei mais uma volta para passar o tempo e por volta das 10h fui até a base da pedra. Quando fui pedir passagem ao dono da propriedade, perguntei se tinha chovido muito na noite anterior e ele me respondeu:

– Ontem no final do dia, armou um temporal que saiu arrancando tudo, mas a chuva passou pelo lado e não choveu aqui. Só deu uma garoa e ficou nisso.

Agora eu tinha entendido porque aquela pedra em particular não estava molhada. Não estava molhada porque simplesmente não choveu ali. 

Entrar numa parede de 300m, em solitária, às 10h da manhã não era a melhor estratégia, mas como o tempo estava nublado e com bastante vento, conclui que daria tempo e não iria sofrer muito com o calor. 

Separei os equipos, fiz um Miojo para armazenar energia e por volta das 10h30 iniciei a escalada. Das 6 enfiadas da via, a primeira é a mais diversificada, com lances em chaminé e uma passada mais atlética em agarras. O restante, para cima, é bem parecido.

Preparando para entrar na parede. Gopro.

Regra número um: não caia!

Segundo o croqui, a 4a e a 5a enfiada são as mais difíceis, IV SUP e IV respectivamente. A 4a enfiada é, sem dúvida, uma das melhores da via, com  lances constantes numa rocha mais vertical. O problema, dessa e de toda via, são as lacas muito suspeitas. A via é basicamente em lacas e batentes, com alguns lances em agarrência. As placas são sempre bem  duvidosas, embora a maioria não tenha quebrado, mas sempre é preciso avaliar cada agarra, testar a integridade e decidir se vai ou não usá-la. Tudo isso consome bastante tempo e a escalada fica mais demorada. E quando se escala em solitária, cair, mesmo que a via seja bem protegida, não é uma opção. No manual do usuário do Silent Partner está escrito bem grande na primeira página:

Croqui da via.
Uma pausa na P2. Gopro.
Buscando coragem para encarar a 4a enfiada. Gopro.
Início da 4a enfiada. Gopro.

Às 15h30, após 5h de escalada, cheguei no final da via. Não fiz um tempo muito bom, mas como estava cansado e as lacas deram mais trabalho do que o esperado, tive que imprimir um ritmo mais lento.

Segundo o croqui, dali para cima seria uma escalaminhada fácil até o cume, mas como vi que não seria uma desescalada fácil para sair em solo, abortei a missão. Além disso, estava muito preocupado com a descida. Descer 300m por uma via cheia de lacas que agarram a corda com facilidade, por uma via onde vários grampos estavam mal batidos e que facilmente poderiam capturar uma corda me deixou bem preocupado. Sem contar que o vento estava muito forte, jogando constantemente a corda para fora da linha da via.

Cume! Ou melhor, final da escalada! Gopro.

Como desço com uma retinida de 6mm emendada na corda de escalada, eu sempre preciso puxar a corda fina e caso a corda fique presa na hora de puxar, ficaria só com a fina para resolver um problema sem solução. 

Fiz dois rapeis de 60m nas enfiadas que considerei seguras e depois fiz uma série de rapéis de 30m nos trechos que poderiam prender a corda. Como a via está com paradas intermediárias a cada 30m, essa parte foi bem tranquila, mas demandou mais tempo. Faltando 60m para o chão, fiz um último rapel de corda cheia, já que se acontecesse algum problema, pelo menos, já estaria no chão.

Cheguei no chão por volta das 16h30 e fui direito para um mirante natural que tem ali perto para ver o por do Sol.

Assim que cheguei no mirante fiquei impressionado com a sujeira do local. Não é comum encontrar tanta sujeira nesses locais, mas ali estava demais. Algumas pessoas vão ali para curtir a vista e aproveitaram para deixar o lixo produzido por ali mesmo, pois deve ser muito longe caminhar 50m até o carro com a sua garrafa de cerveja ou o salgadinho. Preciso admitir que fiquei muito triste com a falta de conscientização das pessoas que ali frequentam… 

Por do Sol visto do mirante. Fuji Xpro2.

A noite, como de praxe, fui pedir janta e pouso no Cantinho dos Três Pontões. Sempre é muito bom rever o Itamar e família para conversar um pouco. Para quem não conhece, o Cantinho dos Três Pontões é um empreendimento de turismo rural que oferece chalés, uma área de camping, janta, café da manhã e chuveiro quente. Para quem deseja fazer uma imersão rural ou escalar os Três Pontões é a melhor opção da região.

Fui dormir vendo o céu estrelado e fui acordado de madrugada com o som da chuva. De início, não acreditei que fosse chuva, pois a previsão que eu tinha era que de o tempo iria se firmar no domingo…

Domingo

O dia amanheceu com chuva e todas as montanhas do entorno estavam mais molhadas do que no sábado, mas eu sabia que até o meio-dia o tempo iria melhorar e que tudo estaria seco. Assim, às 6h levantei acampamento e voltei novamente até o Empoçado para checar uma montanha que tinha visto do mirante.

Amanhecer na região dos Três Pontões. À direita, a Pedra do Tubarão. Fuji Xpro2.
Três Pontões. Fuji Xpro2.

Ao lado da Pedra da Broa, onde em 2015, Gillan, Robinho, Roberto e eu abrimos a via “Freira de Biquini” uma pedra sem nome chamou a atenção na paisagem. Na época da conquista, o Robinho já tinha me falado que o cume não era virgem e já tinham subido lá, provavelmente pela aresta Sul que tem uma longa crista de quase 1km. Não sabia por onde os conquistadores subiram, mas essa aresta parecia ser o caminho mais natural, exceto por um lance mais inclinado que talvez fosse acessível apenas com corda.

Como estava cansado de lacas suspeitas, resolvi tirar o dia para subir por essa aresta e descobrir se de fato seria escalável sem corda. Além disso, a vista do cume parecia incrível.

Dei uma estudada no Google Maps e fui de carro até o início da aresta. Como não sabia se o lance seria solável, resolvi levar o material de escalada mais o de conquista. Além disso, a montanha ainda estava molhada e o tempo ruim. Eu imaginava que o tempo iria melhorar com o passar da manhã, mas eu não tinha certeza. E como estava sozinho, achei prudente subir um pouco mais pesado por precaução.

Montanha fumegando enquanto espero ela secar um pouco mais para subir. Fuji Xpro2.

Na primeira subidona do pasto tive vontade de jogar fora a furadeira, a corda e as chapeletas. No trecho do costão, a rocha ainda estava úmida e bastante escorregadia. Na região de Afonso Cláudio, tem um tipo de líquen que quando molha, nem que seja pouco, a pedra fica super escorregadia. Nem o meu Guide que segura tudo consegue grip nesse líquen. No ano passado, durante uma conquista nesta região, fiquei preso num costão desses porque choveu 5 minutos e a pedra ficou tão escorregadia que precisei ficar parada até a pedra secar para sair dali.

Com muito custo venci o primeiro contraforte até chegar na longa crista que leva até o cume da montanha. A vista desta crista é de tirar o fôlego. Sem dúvida, uma das mais incríveis da região. Segui pela crista até chegar no trecho que de longe parecia ser a mais inclinada, mas a medida que ia me aproximando vi que tinha várias agarras e que facilmente daria para passar em solo.

Pedra da Broa vista da trilha. iPhone.

Sobre as fotos. Esses dias troquei de celular e agora o meu iphone novo tira fotos em .dng, o mesmo formato das minhas câmeras. Fotografar em formato nativo tem muitas vantagens em relação aos formatos processados, como o .jpg. Por isso, sempre que posso, uso raw. Como uso Lightroom Moble no celular, posso fotografar e editar diretamente no app, o que garante maior fluidez no trabalho. Sem contar que as fotos são sincronizadas automaticamente com o meu notebook. Baita mão na roda!

Assim que venci o trecho, conclui que qualquer pessoa com vontade poderia chegar no cume, mas quando olhei para o headwall final, identifiquei um último lance mais inclinado que não tinha visto de longe. Ali sim, só com segurança para subir! Será o cume virgem?

Assim que cheguei nesse lance identifiquei um fio de arame vindo do cume até a base onde estava preso na rocha com cimento!!!!

“Ferrata” de arame que leva ao cume. iPhone.

Pronto, se eu tinha alguma dúvida que alguém tivesse subido, ela fora esclarecida quando vi aquele arame velho. Logo, conclui pelo improviso que foi algum morador da região. Mas nunca duvide da capacidade desses locais. Aliás, história do montanhismo no Brasil foi feita por pessoas simples que tinham mais determinação do que conhecimento técnico.

Como o arame estava muito velho e não sabia como estava preso no cume, achei mais prudente solar o lance que era relativamente fácil. Só não podia cair. Embora o lance seja bem exposto, a dificuldade não deveria ser mais do que um III grau.

Cheguei no cume e vi o arame preso a um vergalhão de ferro cimentado com a data 27/11/1997 e o nome das três pessoas que conquistaram a montanha: Elinho, Eugênio e Dreivison.

Ancoragem e placa do cume. iPhone.

Do cume, fiquei imaginando como eles fizeram para chegar aqui. Pensei: quem seria o corajoso que guiou aquele lance exposto para ganhar o cume e bater o vergalhão? Depois fiquei tentando entender como fizeram com o cimento. Não sei se todos sabem, mas o cimento leva um bom tempo para dar cura. Coisa de pelo menos 24h. Tipo, colocaram o cimento e fizeram o que? Ficaram esperando para poder descer? Desescalar o lance estava fora que estão, pois era mais difícil do que a subida.

Cume!!! Gopro.

Como estava com o material de conquista, e o arame estava em péssimas condições, bati uma chapa de inox ao lado do grampo cimentado para deixar o rapel mais seguro e na base do arame, onde está preso com cimento, bati outra chapa para proteger o lance da saída, assim caso o guia caia, pelo menos não vai levar o segue para o abismo. O esticão de III grau deixei exposto para preservar o lance de coragem do conquistador.

A essa altura, o céu já tinha limpado e o Sol imperava. A descida, já com a rocha bem mais seca, foi mais tranquila, mas também mais castigante. Mas no fim, mesmo não tendo conquistado a montanha e levado peso extra, achei a escalaminhada muito agradável. Para quem curte esse tipo de rolé é um prato cheio. Uma pessoa faz tranquilamente em 1h e 30 a subida, mais 30 a 45 minutos a descida. Vale lembrar que, por causa do arame fora de uso, faz se necessário levar o material básico de escalada para subir com maior segurança o último lance.

Panorâmica da cadeia de montanha vista do contraforte durante a descida quando o tempo já estava bem melhor. iPhone.

Fico imaginando que se essa montanha estivesse em qualquer lugar da Europa ou Estados Unidos, seria, sem sombra de dúvida, uma atração muito frequentada, mas por sorte, ou azar, no interior do Espírito Santo ela fica quase esquecida. Bom para mim que passei algumas horas na montanha sem ver uma alma.

Comentários

2 respostas em “Pelo Empoçado”

Que massa japa! Imagino a sensação de ter a charada parcialmente esclarecida após ver a gravação no cume. Q rolê disposição em! Abs

Irado demais a trip Japa e ainda fez a foto do ângulo que eu queria da freira de biquíni ?? valeu!!!

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