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Do próprio veneno

No início do mês, conquistei em estilo solitária uma via chamada “Bem-vindo ao Paraiso” na Pedra do Portal em Colatina. Na ocasião, durante o voo de reconhecimento da linha, observei numa face protegida do sol, um grande totem de cabo a rabo na face sul da parede. Aquilo parecia algo bem promissor, mas não para entrar em solitária. Por isso, acabei optando por uma linha mais conservadora pela face sudeste.

Face sul da Pedra do Portal.

Durante a semana, o Chuck veio me perguntar se tinha planos para o final semana. Olhei para cara dele e logo lembrei daquele totem enorme! O Chuck tem uma cara de quem gosta de roubada! 

Ainda tentei convidar o Iury, já que a conquista seria na juridição dele, mas acho que ele percebeu a cilada e inventou uma desculpa e declinou o convite.

No domingo, saímos às 4h30 de Vitória e às 7h já estávamos fazendo a caminhada matutina. Parte da caminhada foi pela trilha da via Bem Vindo ao Paraíso e o resto foi num vara-mato de espinho com direito a encontro cara-a-cara com uma jararaca.

Graças às imagens do drone achamos sem dificuldades a base do grande diedro. 

Durante a semana, o Chuck já tinha me dito que queria puxar a corda no final de semana, então olhei para aquele rampão de gravatás e nem pensei duas vezes, passei a ponta para começar os trabalhos.

Um rampão de 30m levou à base do grande diedro e pelas imagens iríamos tocar uns 150m até o fim do diedro e depois uma travessia à esquerda nos levaria a um segundo diedro que levaria diretamente até o cume da pedra.

Com certo custo e alguns cagaços, o Chuck esticou uma corda inteira, estabelecendo uma parada confortável num pequeno platô. Na verdade, ele me deixou na cara de um diedro limpo de uns 20m. 

Saída da 2a enfiada.

Agradeci o convite e toquei o diedro de Camalot #4 até chegar num ponto onde a quantidade de vegetação começou a aumentar progressivamente. No fim, estiquei mais 60m de corda até chegar num outro platô confortável onde estabeleci a P2 da via.

Na P2 olhando a bronca do Chuck, a 3a enfiada.

Por sorte, amanheceu com algumas nuvens e a temperatura estava bem agradável. O fato de estarmos na face sul da montanha também nos garantiu uma boa sombra, o que nos ajudou a poupar um pouco de água.

A enfiada seguinte parecia ser a continuação da 2a enfiada. Diedro grande com trechos tomado pela vegetação. Da parada já dava para ver o final do diedro, indicando que estávamos chegando na metade da parede.

Chuck separando o material.

Como Chuck queria revezar, ele teve que encarar o jungle fight! Ele chegou a fazer uma cara de cachorro sem dono, mas nem me abalei e passei o rack para ele.

Pelas minhas contas, ele escalou essa enfiada a 1m por minuto, pois levou aproximadamente 1h para vencer o diedro sujo até chegar numa espécie de pequeno cume no final do diedro.


Saída da 3a enfiada.

Subi jumareado e encontrei o que restou do Chuck no pequeno cume. Ali, ele não estava valendo nada. O esforço contínuo e o stress constante acabaram com o jovem bombeiro.

No cume do primeiro diedro. A via poderia ter acabado ali, sqn.

O cume do primeiro totem era gigante. Daria para umas 10 pessoas dormirem confortavelmente no platô. A vista para região era de tirar o fôlego, para onde olhasse havia uma pedra sem via.

O platô era mágico, mas tinha um problema: o sol. Naquela posição, o sol nos castigava com força e ficar ali estava desagradável. Tentei me agilizar o mais rápido que pude e segui para tocar a travessia à esquerda para pegar o outro diedro que era maior e muito mais assustador.

O link entre os dois diedros era muito mais vertical do que o esperado. Por sorte a parede era forrada de macambiras que foram um alento para bater as chapas.

Estiquei 40m batendo 6 chapas até chegar numa grande árvore bem convidativa para uma parada à sombra.

Chamei o Chuck, mas a pausa não foi suficiente para ele se recompor, então toquei mais uma enfiada. 

Chuck limpando a 4a enfiada, toda em chapa.

A 5a enfiada tinha um ar intimidador. O diedro era maior e parecia que iria nos engolir. Para piorar, tive que subir uns lances de terra seca e poeirenta.

Fiz uma virada de tetinho bem legal onde ficou o crux da enfiada e segui tocando por um diedro sujo e tomado de mato. Naquele ponto decidi que iriamos fazer cume, custe o que custar, pois não queríamos mais voltar aquele lugar duas vezes.

O Chuck subiu jumareando e concluiu que a ponta da corda era melhor do que subir jumareando com uma mochila pesada que teimava prender em todos os galhos. Então voltou novamente à ponta da corda e seguiu mato acima.

Como a linha da via meio que acompanhava a aresta da via do lado, eu sabia mais ou menos quanto faltava para o cume. E segundo meus cálculos estávamos bem perto do cume.

A essa altura do campeonato, já tínhamos decidido que a melhor opção de descida seria pela via do lado, pois a descida pela via nos traria muitos problemas na hora de puxar a corda.

Enquanto Chuck seguia conquistando a 6a enfiada notei que havia esquecido o headlamp em casa. Muito vacilo da minha parte. Olhei para o relógio e vi que ainda tínhamos duas horas de luz. Então não poderíamos perder muito tempo.

A sexta enfiada foi mais de boa, com a pedra cedendo inclinação. Depois, seguimos escalaminhando a francesa até o final da via Bem Vindo ao Paraíso. 

Chegamos na parada da via às 15h50. Fizemos uma pequena pausa para comer alguma coisa, beber um pouco de água e apreciar vista. 

Cume!

Dali descemos pela Bem-vindo ao paraíso e por volta das 17h estávamos novamente na base da montanha.

Batizamos a via de “Do próprio veneno” devido a roubada e a jararaca que encontramos na aproximação. 

Pressuponho que ninguém irá repetir essa via, principalmente por causa da segunda parte, mas posso dizer que a primeira parte é decente. Há bons lances em móvel com belos entalamentos. O platô da P3 é muito legal e vale o esforço. Já a continuação é para quem tem aquele espírito adventure correndo na veia.

Comentários

2 respostas em “Do próprio veneno”

Se vc e o chuck me levarem eu topo repetir japa ??. Parabéns pela conquista, mandaram bem demais!

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