Em outubro de 2016, Zé Márcio, Eric Penedo e eu iniciamos a conquista de uma variante na Parede dos Sonho (Itarana) que tinha como objetivo buscar uma grande aresta que namorávamos desde a primeira vez que conhecemos a pedra em 2014.
Na ocasião escalamos a primeira enfiada da via “Sonho Molhando” e no meio da 2ª enfiada, o Eric saiu conquistando à direita em direção à aresta, buscando a base de um pequeno diedro. Quando ele estava quase chegando nesse diedro, acabou tomando um voo épico, registrado em Gopro, e tivemos que abortar a escalada para buscar apoio médico, devido à uma possível lesão no cotovelo esquerdo.
Foi preciso mais um ano e meio para que o Eric se sentisse confortável para voltar à via novamente para dar continuidade à conquista. Inclusive, a ideia de voltar a via nem foi minha, partiu dele a iniciativa, ou seja, não tenho culpa dessa furada do final de semana!
Combinamos a escalada para o domingo, dia de estréia do Brasil na Copa da Rússia. Digo isso, porque a primeira vez que fomos à Parede dos Sonhos também foi justamente na época da Copa do Mundo no Brasil. É incrível como o tempo passou voando. Lembro como se fosse ontem quando Sandro, Zé e eu estávamos na casa do Sr. Dal Col, ex-morador da base da pedra, assistindo o jogo do Brasil. Nem lembro que jogo foi, nem o placar, mas estávamos nós 4 numa pequena sala de olho na tela.
Partimos Eric, Rodrigo Guizardi e eu para dar continuidade à via. O Zé desistiu de última hora e foi velejar. Já o Rodrigo entrou na barca porque achou que estava indo para Indian Creek Capixaba.
Devido à chuva fora de época, o capim estava muito alto, inclusive foi bem difícil chegar de carro até o estacionamento. Pelo menos, dessa vez o pasto não estava infestado de carrapatos e consegui sair ileso. Nem acredito!
Repetimos as primeiras enfiadas, e o Eric afastou de vez o fantasma da travessia. A partir dali, a ideia era entrar na aresta até linkar na via “Vivendo o Sonho”. Assumi a ponta da corda e comecei a conquista por um belo diedro fendado em móvel até ganhar um platô. Dail para cima, a aresta se projetava de forma assustadora até onde a vista permitia. Bati a primeira chapa e quando tentei progredir para bater a segunda ficou claro que a verticalidade não permitiria bater as proteções do jeito habitual. Sem muita opção tive que partir para os temidos cliffs em agarra para ir ganhando terreno. E assim foi, até fechar a enfiada com 40m de extensão e quase linkar com a “Vivendo o Sonho”. Foram quase 3h de trabalho árduo para conquistar essa enfiada e após 13 proteções fixas, finalmente tínhamos conquistado a tão sonhada aresta.
O Eric e o Rodrigo vieram de top e puderam provar em primeira mão a “fritação” da aresta. Segundo eles, o grau sugerido é um 7a para enfiada, mas ainda carece de uma repetição guiada para consolidar o grau. Mas olhando de cima, pela choradeira e “gritedo” deu para notar que não ficou muito fácil mesmo…
Coube ao Rodrigo conquistar os últimos 3m que ligam a P2 da via com a “Vivendo o Sonho”. Assim que ele completou essa “mega-enfiada”, começamos a sentir algumas gotas d´água no rosto. Logo, as gotas começaram a ficar mais intensas e segundos depois fomos surpreendidos por uma chuva que veio por trás da montanha, sem aviso prévio.
Como não tínhamos intenção de ir até o cume devido ao avançar da hora, achamos que aquela chuva seria uma boa desculpa para dar meia-volta, encerrar o dia e assim bater em retirada da via para tomar um açaí na pracinha de Itarana!
Sou o cara mais suspeito para falar sobre essa variante, mas para mim essa é a enfiada mais bonita da Parede dos Sonhos e quem sabe uma das melhores do Estado, isso sem falar do seu “potencial fotográfico”, pois a aresta é muito fotogênica. Já estou imaginando o enquadramento: por-do-sol, escalador de camiseta vermelha e aquela aresta vertical! Quem se habilita?
Croqui
Linha Final (FFA)
Enquanto estávamos conquistando na Parede dos Sonhos, lá em Calogi, a Lu (Luciola Selia) estava fazendo história ao encadenar a via “Linha Final” (8b). Segundo me consta, essa é a primeira ascensão feminina dessa via e a primeira escaladora capixaba a escalar um 8b.
Embora eu não seja a treinadora dela, tenho a ajudado no muro desde o início do ano para mandar essa via. Trabalhamos especificamente com a meta de mandar a via em junho, no início da temporada quando as condições são melhores e ela estaria na forma ideal. Por isso, pude acompanhar todo processo na via, desde o começo e sei o quão suado foi essa conquista. A via por si só é bastante exigente, agarras pequenas e abrasivas, movimentação longa e um crux bem definido no final.
A percepção que eu tenho, acompanhando principalmente as meninas nos treinos durante a semanas no muro, é de que esse ano e, os próximos, serão delas na pedra. Hoje, as meninas estão muito mais focadas e dedicadas aos treinos do que os “machões” e logo logo teremos a época da colheita de cadenas duras!