Depois de três semanas escalando direto, uma semana de trabalho puxado, tudo que eu queria era descansar um pouco. E nada como subir a serra e curtir as montanhas do ES para recarregar as energias, mas em terra de italiano, dia de descanso é dia de trabalho!
No sábado, o dia amanheceu chuvoso em Vitória. Às 6h da manhã, passo na casa do Afeto e pé na estrada para Castelo! Na estrada, tempo fechado, garoa, chuva… Mas como nós tínhamos muita conversa para colocar em dia, eu com a trip das férias e o Afeto com o rolê que deu pelo Nordeste, nem ligamos muito para isso.
Chegando em Apeninos, para a nossa surpresa, o tempo estava bom e não ia ter desculpa! Toda a região estava chovendo ou molhado, mas em Apeninos, São Pedro poupou os escaladores e resolveu nos presentear com um belo dia nublado.
Fui sem pretensões, queria descansar. Talvez provar as vias que abrimos da última vez que estivemos lá abrindo via, mas chegando lá, quando eu, Afeto, DuNada, Tafarel e Eduardo nos reunimos, a coisa começou a desandar! Alguém teve a maravilhosa ideia de reacender um antigo projeto de Apeninos: a via frontal do totem de Apeninos!
Essa era uma ideia bem antiga, que surgiu ainda na primeira vez que estivemos lá. Mas era um daqueles projetos que a gente ficava admirando e pensando: Um dia; Não hoje; Um dia; Talvez na próxima… Talvez, porque sabíamos que seria um projeto trabalhoso, grande, que ia consumir muita energia e esforço. Preguiça de sofrer, sabe?
Mas alguém jogou o fogo no palheiro e o palheiro deu liga… Eu olhei em volta e pensei: pô, têm 5 caboclos para trabalhar! Acho que vai dar certo. E o melhor, não vou precisar trabalhar muito, he he he….
Momento eureka! Não parece, mas tem 150m de altura esse totem!
Ai surgiu a primeira dúvida: conquistar ou equipar? Qual estilo? Na dúvida optamos por algo meio-a-meio. Equiparíamos uma parte e a outra iríamos conquistar.
Escalamos a via Castelo Cachoeiro, uma via tradicional que transcorre por uma chaminé de fora-a-fora para acessar o cume do totem e descemos pela frente do totem para ver a real situação. A primeira impressão que tive foi de que seria uma via bem fácil, um 5o grau cheio de agarras com um único trecho mais encardo de 7o grau.
Cheguei na base cantando vitória. Deixei o resto do trampo para o resto da galera que logo foi tratando de achar uma boa linha e ir equipando a via.
Nesse dia, o DuNada e o Tafarel equiparam o primeiro trecho da via, até a P2.
No dia seguinte, voltamos aos trabalhos logo cedo e terminamos de equipar até a P5. Após alguns contratempos, do tipo, as chapeletas acabarem e tê-las que mandar vir de Castelo porque alguém levou embora, resolvermos subir até a P5 para conquistar a última enfiada.
Em vez de subir jumareando os 120m até a P5, resolvemos já ir provando a via para ir curtindo o “5o grau de agarrões”. No entanto, já na saída da via descobri que o 5o grau não era bem um 5o e tive que fazer um pouco mais de força para não cair. Para ganhar tempo acabei emendando a 1a e a 2a enfiada e conclui que estava enganado com o 5o grau de agarrões…
A terceira enfiada seria o crux. Já de ante-mão sabia que seria um pouco encardido. Durante a equipagem li que seria preciso dar um dinâmico no negativo a 50m do chão para depois fazer uma séria de passadas técnicas em um vertical com agarras de pé bem ruins. Dito e feito! Um crux atlético com passadas técnicas! E para piorar, leitura difícil! Um 8a hard nas alturas!!!!
Na saída da 4a enfiada ainda rolou uma passada atlética em heel hook num negativo cheio de agarras para depois entrar num lance de placa. Depois tudo começou a ficar mais tranquilo. Ufa!
Chegamos na P5 por volta das 17h! Tínhamos mais 1h30 de luz para conquistar o último trecho até o cume do totem. Peguei a ponta da corda e fui à luta. Bati uma chapa e depois bati mais uma até um crux de fenda frontal. Nessa hora me lembrei dos móveis que ficam no carro. Droga! Eles iam ficar tão bem na fenda… Até sabia os números que iam caber nela, mas estavam no carro… Tentei uma vez, tentei duas, tentei três e nada. Estava tão cansando que não estava dando conta. Dai surge uma voz lá de baixo: Pô, se quiser posso subir ae! Naquela hora pensei: não!!! não pode! Passei 3 semanas escalando fenda e não vou conseguir passar esse mísero lance de 5.8?! Fui mais uma vez e num passo de mágica achei uma agarra chave, consegui vencer a fenda e passei para cima. Mais um esticão e já estava vendo o cume. Poderia esticar direto até o cume, mas estava tão cansado que achei melhor colocar mais uma chapa para garantir a última virada. No meio daquele trabalho para colocar a chapa, quando fui dar o aperto final, com o movimento de dar o torque com a chave um pedaço de galho acabou entrando bem no meu ouvido e furou o meu tímpano!!!! Era só o que estava faltando! Furar o tímpano conquistando!!!! Devo ter sido o primeiro escalador do mundo a conseguir uma façanha dessa!!! Se não bastasse ficar surdo, doeu para C!@#$!!!!
Mais um esticão e finalmente cume! E assim estava finalizado o projeto do totem! 150m de via; 6 enfiadas, uma mais incrível que a outra; e dificuldade máxima de 8a (bem protegido)!
Croqui da via.
Para quem estava querendo descansar foi mais um canso do que um descanso, mas pelo menos abrimos mais um clássico de Apeninos.
Agradecimento especial ao “Grau Dez” pelas chapas, ao DuNAda por ter botado pilha, ao Afeto por ter entrado na onda, ao Tafarel por nos deixar sem chapa… E ao Eduardo pela força e pelo lanche!
Ah, a via ainda está sem nome….