Give me adventure!

Existe uma coisa melhor do que um bom dia de escalada tradicional: dois dias de escalada!

Bem-vindo ao paraíso

Sábado! Aquela rotina de sempre: acordar cedo, pegar estrada, ver o nascer do sol e curtir as infinitas curvas que te levam a Pancas. Ou melhor, nesse caso a Colatina!

Uma pausa na estrada para ver o sol nascer.

Durante a semana vi que a previsão estava marcando a chegada de uma bela frente fria. Aquela janela perfeita para ir a Pancas. Passei a semana acompanhando a previsão e estudando o Google Maps a procura de alguma oportunidade para o sábado.

Após algumas vasculhadas, cheguei numa pedra que fica na porção meridional da cadeia de montanhas que compõe os Pontões Capixabas. É tipo a primeira montanha de todo complexo que se estende até Nova Venécia.

Complexo sul dos Pontões Capixabas.

Identifiquei uma anomalia bem interessante na face sul dessa pedra e resolvi arriscar as fichas para uma conquista em solitária.

Cheguei numa casa que já tinha mapeado para pedir passagem e o proprietário foi bastante solicito.

Fiz um sobrevoo de drone para confirmar a possibilidade e logo de cara fiquei maravilhado com a longa fenda que vi na parte superior. Já a parte inferior parecia fácil, então nem me preocupei. Queria saber da fenda!

A aproximação foi sofrida como sempre. Duas cordas, dois jogos de móvel, furadeira e 24 chapeletas.

Abre parenteses:

Comprei uma furadeira nova. Uma furadeira da marca Kress de 20V com 1,7J de força de impacto, sem escova de carvão, e funciona com uma bateria de 2 amperes. Modelo KUC 50. Ultimamente andei pesquisando mais sobre marteletes mais leves para investidas desta natureza. Quando se vai sozinho, qualquer quilo a menos faz toda diferença. A outra furadeira é incrível, uma Bosch 18V sem escova de carvão. Sem dúvida uma grande furadeira, pois tenho a mais de 10 anos e segue firme sem titubiar. Mas queria uma furadeira mais leve. Essa pesa 1,6kg enquanto a da Bosch o dobro, com a mesma potência. O único ponto de dúvida era essa marca Kress, mas logo descobri que é uma marca alemã com alguma tradição na área, então resolvi arriscar e a levei para essa conquista.

O martelete fez um furo em 19 segundos no gnaisse usando uma broca SDS de quatro canal, nova. Achei a pedra um pouco macia, mas 19 segundo é um bom tempo. A Bosch também leva esse mesmo tempo. Com uma única carga fez 18 furos, mas acho que faria mais 2. No entanto, troquei de bateria no meio da conquista para não ficar empenhado. No geral, fiquei bem satisfeito. Só espero que dure uns 10 anos como a outra Bosch.

Fecha.

Mais uma vez esqueci o facão no carro e sofri para abrir a trilha no meio dos espinhos…

Olhando de baixo, a pedra parecia muito fácil. Por um momento achei que pudesse escalar a pedra toda em solo. Cheguei a procurar uma linha mais difícil, mas achei melhor seguir o caminho mais natural, sem forçar a amizade.

Comecei subindo com tudo e de tênis. Parecia muito fácil, mas 30m acima, achei melhor ser mais prudente, até porque estava sozinho naquele lugar. Bati uma chapa num platô de gravatá e resolvi me encordar.

A primeira enfiada ficou com 60m e uma proteção. Nunca havia visto uma pedra tão cravejada de agarras em Pancas!

Logo acima, a pedra ganhou inclinação e resolvi fugir pela direita, mas vi que a pedra seguia no mesmo estilo. Lembrei que eu tinha apenas 24 chapeletas para essa investida, então resolvi seguir pela direita buscando umas fendas e algumas árvores.

Saída da 3a enfiada.
Terceira enfiada.

Estabeleci a P3 numa árvore e dali resolvi seguir pela direita, pegando uma parede mais vertical e buscando um diedro mais acima, até de ganhar um grande platô.

Início da 4a enfiada.

O platô da P4 foi uma benção, pois cheguei um pouco cansando. Olhei para o relógio e ainda eram 10h30 da manhã. Olhei para cima e não gostei do que vi. Então resolvi esfriar a cabeça um pouco, comer alguma coisa e me hidratar.

Pensei em abandonar a linha e procurar uma continuação mais fácil; pensei em vencer o trecho com furo de cliff, mas no fim resolvi me arriscar em livre. Assim que tirei os pés do chão, a pedra se mostrou outra pedra e as agarras começaram a brotar do nada. O que antes parecia lisa se mostrou uma parede cheia de agarras. Progredi bem nesse trecho e logo estabeleci a P5 na base da cereja do bolo.

Saída da 5a enfiada.

Estava feliz! Havia chegado na base da grande fenda frontal. Sabia que dali para cima seria só curtição. A paranoia de poupar chapeleta havia acabado.

A 6a enfiada foi um deleite. Desejei muito que a pedra fosse um pouco mais inclinada, mas estava bom. Estava feliz! Estiquei a corda até o talo e estabeleci a P6. O cume estava logo ali.

Fenda da 6a enfiada.

Desci para limpar a enfiada e logo em seguida já toquei a enfiada seguinte até o cume. Descobri que ainda tinha um vara mato se eu quisesse chegar no cume da pedra, mas achei que não valesse a pena. A vista dali estava incrível e resolvi ficar ali brincando de identificar as montanhas do entorno.

Cume!

Batizei a pedra de Pedra do Portal pela posição geográfica e a via de “Bem vindo ao Paraiso” se referindo a todas as montanhas que ficam ao norte até onde a vista alcança.

Sobre a via posso dizer que é uma via ímpar, por mesclar escalada em agarra e lances em fenda. O rack para repetir a via é bem enxuto. Meio jogo de peças médias a grande é mais do que suficiente. O crux deve ser a travessia da 4a enfiada que, por sinal, é em aderência. Outra vantagem, a via fica na sombra à tarde! A vista não preciso nem falar…

Desci da via e cheguei no carro por volta das 15h30. Aproveitei que ainda tinha bastante luz e resolvi explorar a região em busca de mais linhas e curtir um pouco mais a paisagem da região que, por sinal, estava um verdadeiro espetáculo da natureza.

Sunset.
A lua!
Por do sol com a Pedra da Agulha.
Gavião carrapateiro.
Entardecer na Pedra do Camelo.

Inveja mata

A noite, como de praxe, passei no camping do Fabinho, junto com os geólogos gaúchos que estavam de passagem pela região e subindo para o Enegeo.

No dia seguinte, o Iury apareceu pontualmente às 7h para mais um dia de exploração pela região.

A ideia era checar uma pedra na região da Lajinha. Rodamos uns 40 minutos até achar a tal pedra. Mais uma vez passamos o drone e confirmamos que daria uma linda via. Tentamos procurar o dono das terras, mas aparentemente a região estava em festa e não encontramos ninguém na região. Achamos mais coerente deixar a conquista para outro dia. Não é legal entrar nas terras dos outros sem pedir permissão.

Seguimos procurando outras pedras pela região até voltar a Pancas perto das 10h30.

Rodando pela região

Quando estávamos quase desistindo, falei para o Iury de uma pedrinha que fica entre a Pedra da Agulha e a Pedra do Gorila. Pelo fato de estar cercada por dois monstros, essa pedra parece um nada, mas sabia que tinha pelo menos uns 100m de altura.

Pedra da Agulhinha com a Pedra do Gorila ao fundo.

O Iury topou a ideia e fomos em direção à pedra. Fizemos mais um sobrevoo de drone para confirmar a linha e partimos para aproximação.

Chegamos na última propriedade e solicitamos passagem. Explicamos as nossas intenções e perguntamos sobre o melhor caminho. O senhor simpático olhou pelo lado para o nosso carro e perguntou se era traçado. Falei que sim. E ele disse que o jeep dele passava, mas não sabia se o Maverick passaria pela ravina.

Agradecemos a autorização e nos despedimos.

Logo a frente, chegamos na tal ravina. A essa altura, o Iury já estava muito adrenado porque um pouco antes ficou com o carro em duas rodas no ar e horas antes tinha perdido parte da proteção do fundo num buraco.

Resolvemos deixar o carro por ali e seguir a pé. O cenário não era muito animador, mas não tinha muito que fazer.

Mochila nas costas e mais uma hora de trilha.

Chegamos na base da pedra por volta de meio-dia e trinta.

Dei uma olhada na linha e vi que a única opção seria pela fenda mais óbvio.

Estiquei 60m de corda conquistando uma enfiada digna de muita aventura e emoção. A primeira enfiada ficou um misto de escalada técnica, lances de comprometimento, alguns espinhos e uma pitada de trepa mato.

Saída da via.

Dali para cima a via parecia seguir no mesmo estilo. Havia a opção de sair pela placa lisa, mas teríamos que bater muitas chapas. Mais uma vez tínhamos poucas chapas e apenas uma bateria. Optamos pela linha adventure, um misto de rocha com mato. Estiquei mais 60m até chegar numa bela árvore que serviu de parada.

Iury chegando na P2.

O Iury pegou a última enfiada varando mato até chegar no cume da pedra de onde se tem uma visão privilegiada da Pedra da Agulha.

Aliás, batizamos a via de Inveja Mata justamente por causa dessa visão.

Cume!
Vista do cume.

Acho que essa via não será tão popular. Primeiro, porque as pessoas não gostam de escalada aventura. E segundo porque a via, embora fácil, requer uma boa base de escalada móvel. O lance da saída é bem exigente e não permite erro, por ser difícil de conseguir uma boa colocação. Inclusive a recomendação para repetir a via é levar dois jogos para usar a técnica do “ninho de peças”.

Por fim, meus agradecimentos ao Fabinho pelo apoio logístico de sempre; aos gaúchos geólogos pela janta de sábado; e ao Iury por colocar o carro para jogo e tocar para cima na agulhinha ao melhor estilo fast and light!

Entardecer em Pancas.

Comentários

4 respostas em “Give me adventure!”

Parabéns pelas conquistas, Japa!
Só me diz uma coisa, essas agarras que brotam são sólidas ou a escalada é num campo minado rsrss?

Final de semana incrível, pena que eu perdi o sábado, já querendo a proxima aventura, obrigado japa.

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