Eu não tinha um termômetro em mãos para atestar, mas, com certeza, a temperatura estava acima dos 30 graus. Eu estava deitado, desconfortavelmente, num pequeno platô de terra descaido, tentando me proteger do sol castigante do meio-dia de Pancas, atrás de um pequeno arbusto seco. Parecia que aquela frase, “tampando o sol com a peneira”, fazia todo sentido naquele momento.
Mais abaixo, uns 2m de mim, o Chuck estava, igualmente, sentando atrás de uma árvore seca, fazendo o mesmo.
– Japa, se você quiser descer, podemos, mas eu não vou pedir para descer porque você vai escrever no blog que eu pedi para descer!
– Eu acho que se a gente esperar aqui até às 16h, o sol vai baixar um pouco mais e poderemos seguir a escalada.
Virei para o lado e tentei dormir mais um pouco. Estava com sede, mas a água estava sendo racionada, então não tinha muito que fazer. O segredo era baixar o metabolismo e tentar abstrair a situação.
Mais cedo, naquela manhã, Chuck e eu estávamos batendo numa casa aos pés da Pedra da Agulha para solicitar passagem. Estávamos querendo checar algumas fendas na face sul daquele montanha.
Como é difícil conciliar a ciência da crença. Quando vi aquela face, estudei mais a fundo aquela feição geológica e concluir que ali não teria potencial por uma série de fatores, mas eu acreditava que eu poderia estar errado. Eu tinha a esperança, a fé, de que talvez, pudesse ter fendas boas. Então lá estávamos nós, com as mochilas carregadas de material de conquista, subindo uma estrada íngreme e abrindo trilha na mata com um facão cego. Não se esqueçam: quando vocês comprarem um facão na internet, ele vem sem fio por questão de segurança. Afiar fica por conta. E se não afiar direito, passará raiva.
De fato, a ciência estava certa e as fendas não se mostraram promissoras. Pelo menos encontramos o início da via dos gringos. No ano passado, o Fabinho havia me contado que uns gringos estiveram nessa face conquistando uma via, mas que depois de uma semana, tiveram que voltar e deixaram a via inacabada. Parecia uma história sem fundamento, mas agora que encontramos os vestígios, acredito na história. Não sabemos de onde eles são, mas posso dizer que foram bem ousados, ou no mínimo, sem noção por escolherem uma linha tão difícil.
Como nosso plano A deu errado, Chuck e eu resolvemos liberar uma via que abri com o Iury em 2021, a Gol de Placa, na Pedra Esticada.
Chegamos por volta das 11h30 na casa para pedir passagem. A paisagem era desoladora. Uma queimada havia lambido todo pasto e parte da pedra, deixando a paisagem seca e negra. Para deixar mais dramático ainda, o calor estava insuportável, parecia que o pasto ainda estava pegando fogo. No céu, não havia muitas nuvens que pudesse nos servir de sombra.
A aproximação foi cansativa, calor, mata seca, solo seco e muita pedra solta.
Refizemos a aproximação pelo costão e logo ficou claro que o costão não era de graça. Tinha que escolher bons caminhos para evitar trechos muito inclinados e/ou partes de terra e pedra solta.
Chegamos a na base e encontramos uma sombra bem meia-boca, já que o fogo havia chegado até aquele ponto, deixando todas as árvores desnudas.
A nossa estratégia era subir revezando e liberando as enfiadas. Meu foco estava na quarta enfiada, a enfiada crux, que havia conquistado, mas não liberado na ocasião.
O Chuck começou o trabalho escalando a primeira enfiada que segue toda em móvel por um grande diedro tendendo para direita.
Sob um sol castigante ele tocou a enfiada de corda cheia. Quando a corda esticou uns 40m ele gritou:
– Japa, estou desescalando!
Pensei comigo, que diabo…
Ele precisou desescalar porque a corda havia entrado numa fenda, causando um arraste insuportável que não o deixava mais seguir.
Naquela hora senti pena dele. Sei muito bem o que é arraste de corda. Por si só já é muito ruim, com o calor que estava fazendo devia ser algo mentalmente insano.
Desfeito o problema, subi rapidamente até a P1 e assumi a 2a enfiada.
Cheguei na P1 com a sola do pé pegando fogo. Tive que tirar a sapatilha por um momento para fazer a transição.
A segunda enfiada se mostrou mais dura do que o esperado. O esticão da saída parecia infinito e o crux da enfiada me fez ir e vir umas três vezes até acertar a sequência.
Chegamos na P2 por volta das 14h. Ali ficou claro para nós que não teríamos como seguir naquelas condições. O sol estava muito forte e sabia que não teríamos chances nas enfiadas seguintes naquelas condições.
Tivemos aquela conversa do início do post e assim ficamos, parados, por quase 2h até o sol dar uma trégua.
Às 15h30, voltamos a escalar. O sol parecia mais brando. O Chuck se equipou e tocou a 3a enfiada, mas logo acima, resolveu descer porque não achou a única proteção fixa da enfiada. De fato, essa enfiada não é difícil tecnicamente, mas exige muita navegação porque há apenas uma chapa e o resto é toda protegida em móvel.
Toquei a 3a enfiada e quando comecei a enfiada seguinte, a condição estava perfeita. O sol já estava querendo se por, a temperatura mais amena e o vento do final do dia assoprava com força. O único desconforto estava na boca seca. Tentei escalar de boca fechada, mas a escalada exigia respiração profunda e esforço contínuo.
Cheguei na P4 liberando a enfiada. A minha garganta estava seca. Por sorte, prevendo isso, havia levado uma garrafinha d’água na cadeirinha.
A enfiada crux estava vencida, mas ainda tinha a última enfiada. A última enfiada é bem tranquila, mas tem uma saída psicológica com lance delicado até chegar nas árvores.
O Chuck subiu rapidamente, pois o sol estava se pondo no horizonte.
Toquei a última e por volta das 17h estávamos no final da via vendo o sol terminando de se por atrás da Pedra da Agulha, num espetáculo incrível.
Depois disso, só nos restou rapelar a via no escuro, iluminado pela luz das lanternas e pegar a estrada de volta até Vitória.
Cheguei em casa às 23h30. Foi um dia bem longo e cansativo de 20h entre estrada e escalada, mas no fim acho que valeu a pena.
Segue o croqui atualizado da via.
Valeu demais Chuck por mais um dia pesado. Semana que vem está dispensado!
PS: minha Gopro deu pau novamente. Eu acho que está travando por causa do calor. Na especificação diz que a temperatura de operação é entre -15 e 35 graus Célsius.
2 respostas em “Gol de placa free”
Que incrivel até quem em fim a primeira repetição essa é uma linda via, parabéns pela resiliência escalar nesse calor não tá fácil não.
Se a Gopro não está te aguentando, imagina eu!!!
Mandou bem demais Japa!! Via durissima!