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Pancas, lado B

Domingo, 22h30! Voltei já faz algumas horas de Pancas, onde passei o final de semana. As mochilas ainda seguem montadas. A preguiça não me permitiu desmontá-las. Ficará para amanhã.

Sábado

Conheci três pessoas em Pancas no sábado enquanto rodava pela região em busca de um projeto para o dia seguinte, domingo.

Logo que cheguei na cidade, fui para a localidade de Córrego Bananal do Roque, atrás de um totem que havia visto no Google. Dei mole e esqueci de baixar as imagens do Google Maps no cash e região não tem sinal de celular. Tive que procurar o melhor acesso à moda antiga, mas consegui chegar numa casa. Uma senhora magra de dentes brancos me recebeu na porta de casa. Usei a mesma fala de sempre para me apresentar e explicar o motivo de estar ali. Logo em seguida aparaceu um senhor numa moto com duas crianças na garupa, uma na frente e outra atrás. Presumi que fosse o marido da senhora e seus filhos. Apresentei me novamente e expliquei que estava querendo escalar aquele totem, apontando para pedra. Como de praxe, o senhor fez uma cara que já estou acostumado. Falei que queria levantar o drone para ver mais de perto a pedra. As crianças acharam o máximo. Convidei os moleques para ver a imagem na tela enquanto voava. O senhor tentava, em vão, procurar o drone no céu e a senhora ficava só olhando com a mão no queixo. Com certeza terão assunto para semana.

Fazendo a alegria das crianças.

A pedra não se mostrou promissora. Agradeci a atenção e fui embora.

Segui para um segundo ponto que havia marcado como pedra com potencial para conquista. A ideia era procurar algo no sábado e no domingo conquistar com o Iury, que viria de Colatina no dia seguinte.

Fui para o segundo alvo. Era um alvo secundário, baixo potencial. A primeira vista não pareceu promissora, mas a medida que fui chegando mais perto começou a ficar interessante. Era um clássico totem escorado numa montanha ao lado. Pela quantidade de boulders da base sabia que tinha potencial. Mais um voo de drone e bingo! A linha estava lá! Um sistema de fendas da base até o topo.

Fui atrás do dono das terras para explicar as intenções. Cheguei numa casa que presumi ser do dono. A casa estava vazia, mas parecia ter gente. De repente, chega uma moto com um senhor de boné com bornal. Cumprimentei e expliquei a situação. O senhor que se apresentou como Sr. Gilis. Quis saber mais sobre o exôtico esporte. Achou que eu era louco. Ficou preocupado com a segurança. Mostrei o meu rastreador satelital para passar alguma credibilidade. Mostrei uma chapeleta com chumbador e um Camalot para explicar que era tudo muito seguro. Com uma voz mansa, me convidou para tomar um café. No interior, não se nega café. Aceitei, mesmo sabendo que seria um café doce com muito açúcar. Em vez do café, foi me servido um suco. Acho que era de goiaba. E doce com força! Mas o dia estava muito quente, então não me importei muito. O senhor Gilis autorizou a passagem e prometi que voltaria no dia seguinte com um amigo de Colatina para tentar subir a pedra. Ele sorriu meio incrédulo e me despedi.

Pedra Gilis visto da propriedade.

O sol já estava querendo se por atrás das montanhas, já tinha um bom projeto para o dia seguinte, mas quis aproveitar o belo dia e fui checar uma terceira montanha. Mais uma vez fiquei sem sinal e tive que ir no tato até chegar a localidade de São Luis Alto. Em frente a pedra tinha uma casa com algumas pessoas no fundo. Achei melhor que identificar antes de levantar o drone. Mais uma vez, contei a mesma história. Logo me chamaram para entrar, ofereceram café (doce, claro), pão caseiro com manteiga caseira e queijo. É feio negar comida na roça, então me servi. Olhei para montanha e vi que o céu estava bonito. Subi o drone para ver melhor a pedra e fazer umas imagens. O Jonatan, um homem alto de meia-idade, ficou bem curioso em ver a região de cima, me acompanhou na exploração aérea. A pedra se mostrou interessante. Talvez volte no futuro para conquistar uma skyline conectando as duas montanhas pela crista da pedra, mas a escalada me pareceu bem fácil.

Pedra sem nome.

Engraçado como a escalada proporciona esse tipo de interação. Em uma tarde conheci três pessoas com histórias totalmente diferentes morando em regiões próximas. Sem dúvida é um dos privilégios que a escalada proporciona.

Entardecer clássico em Pancas.

Domingo

Domingo começou sem pressa. O Iury se encontrou comigo no camping do Fabinho, onde passei a noite. Dali voltamos até a segunda pedra que havia visto no dia anterior em seu carro novo, um Maverick!

A aproximação foi tranquila. Fiquei com medo dos carrapatos, mas agora, sentado aqui, não sinto nenhuma conceira suspeita. Acho que estou limpo!

A base se mostrou um pouco espinhenta, mas as fendas faziam esquecer os espinhos. Vimos três opções de saída, mas acabamos decidindo pela mais fácil. O simples sempre é o mais elegante.

O Iury olhou para fenda em diagonal e pediu para tocar essa. Ele não costuma pedir a “ponta quente”, mas como ele falou com convicção, nem questionei. Só entreguei o molho de móvel e ele foi à luta. A travessia em diagonal saiu de boa. Mesmo em móvel, ele mandou muito bem e estabeleceu a P1 numa árvore após esticar uns 20m de corda.

Iury na saída da via.

A próxima enfiada ficou comigo. Por um instante parecia estar escalando em Yosemite. Fenda frontal de mão, lisa, colocações fáceis e bons entalamentos, mas logo acima acordei do sonho e voltei à realidade quando encontrei um terreno mais choss com blocos soltos.

Seguindo a ordem, o Iury voltou à ponta da corda novamente para fazer uma pequena travessia para transferir a parada à esquerda. Logo que ele saiu tocou uma pedra do tamanho de um fogão que ao mínimo toque, balançou perigosamente. Em todos esses anos de escalada nunca havia visto uma pedra daquele tamanho balançar daquele jeito. Momentos de tensão, pois a pedra poderia cair a qualquer momento e cortar as cordas. Passado o susto, o Iury estabeleceu a P3 logo acima e quando subi de segundo botei a pedra para baixo.

A próxima enfiada parecia super tranquila. O Iury falou que era um II grau. Nunca vi um II grau com aquela verticalidade, mas o Iury achou que daria conta e pediu a ponta da corda. Só que logo descobriu que a banda não tocava do jeito que ele achou e passou a ponta para mim.

Iury na saída da 4a enfiada.

Sabia que essa enfiada seria por uma fenda até conectar numa chaminé e depois ganhar um platô, mas assim que virei uma laca, descobri que a fenda de cima era, na verdade, uma canaleta e não uma fenda. Considero me velho o suficiente para conseguir distinguir uma fenda de uma canaleta de longe, mas dessa vez a natureza me pregou uma peça. Por sorte, a parede tinha muitas agarras e deu para seguir pela face.

Mar de agarras da 4a enfiada.
Iury limpando a 4a enfiada.

O Iury conquistou outra enfiada curta para ganhar um platô confortável. A essa altura, as nossas energias já estavam da metade para abaixo. Nessa conquista resolvemos subir muito leve. Dois jogos de móvel, uma corda de 9,4mm, uma retinida de 6mm, furadeira, sem tênis, nem comida. Tudo isso numa única mochila, a da furadeira. 

Iury, orgulhosamente mostrando a P5 em móvel.

Mesmo leves e rápidos, o sol estava nos castigando mais do que o esperado. Poderíamos ter terminado a via ali, mas, logo acima, tinha um headwall que parecia ser muito interessante.

Assumi a ponta e fui para o headwall. Bati uma chapa, a terceira da via até então. Embrenhei num diedro estranho com proteções duvidosas até chegar na virada final. Bati a 4a chapa da via e fiz a montada final para ganhar o cume.

Chamei o Iury e conferimos o relógio: 12h45.

P6!
Iury chegando no final da via.

Como tínhamos subido fazendo paradas móveis, tivemos que abrir uma linha de rapel independendo para não descaracterizar a via.

Quatro rapéis depois, estávamos novamente no chão com o dever cumprido e a certeza de que havíamos conquistado mais uma das mais belas vias de Pancas.

Rapelando!

Batizamos a via de Maverick em homenagem ao carro novo do Iury. Estávamos bem criativos.

Sobre a via posso, posso dizer que é uma escalada muito variada com direito a fenda de mão, chaminé, agarrência, parada em árvore… Monotonia zero! Para quem gosta de escalar em móvel, com certeza será um prato cheio!

23h31, pronto! Vou dormir!

Comentários

Uma resposta em “Pancas, lado B”

Nuuu fiquei ansioso pra ler os relatos hehe, obrigado meu amigo foi um dia incrível na montanha, muito aprendizado.

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