Tentamos uma vez em 2014; Tentamos novamente uma semana depois; E o gosto amargo ficou!
O tempo passou, mas nunca nos esquecemos da pedra. Nunca nos esquecemos da pendência, da decepção de não ter batido no cume.
Num belo dia, o DuNada alterou a foto do perfil dele no Facebook. Colocou uma foto da Pedra do Pescoço Mole em Cuparaque – MG.
Aquilo foi um sinal! Um sinal de que deveríamos volta lá!
Trocamos uma ideia e ficou decidido que no feriado da Independência iríamos voltar a Cuparaque!
Como a gasolina está R$ 3,40, resolvemos colocar mais uma pessoa para rachar o combustível e carregar os pesados equipos móveis. Assim, convidamos o Dudu “Teto Preto” para a barca.
Pé na estrada
Saímos de Vitória no sábado às 6h da manhã, mas não adiantou… Início de feriado prolongado sempre é complicado. Acabamos pegando um trânsito já na PRF de Serra e assim fomos até Fundão. A viagem de 280km que seria feita em 5h acabou levando 6h.
Chegamos em Cuparaque (MG) ao meio-dia, sob um sol ardente. O choque entre o ar-condicionado do carro e o sol do sertão foi sufocante.
Cara de sofrimento.
Ainda gastamos um bom tempo procurando uma rota alternativa para chegar na base da pedra. No ano passado, quando tentamos subir a pedra, fomos pela face norte, pela via dos mineiros, mas dessa vez o plano seria diferente. Tentaríamos pela face sul, pela via do André Ilha e Miguel Freitas, aberta em 2007. Essa linha transcorre pela aresta sul por um belo sistema de fenda que leva diretamente ao cume. Na ocasião, a dupla abriu uma via e uma variante.
Nós optamos em escalar a pedra pela variante, por uma simples razão: 40m de fissura frontal de dedo de Vo grau!!!
Face sul da Pedra do Pescoço Mole em Cuparaque – MG.
Começamos a escalada pela via original, a Filezinho Mexicano. A primeira enfiada é uma fenda de meio corpo desconfortável porque você não consegue ficar dentro, nem escalar direito por fora. E para piorar, as proteções “não pegam bem” a não ser que você tenha uns 4 Camalot #6. O crux dessa enfiada fica logo na saída, num lance mais vertical, porém bem protegido, depois segue em meio-corpo até ganhar um pequeno platô num bloco entalado. Na foto abaixo o DuNada está neste ponto.
O Dudu é um cara que começou a escalar conosco há pouco tempo e ultimamente tem participado intensamente com o DuNada das conquistas na região de Estrela do Norte, em Castelo. No entanto, essa foi a sua primeira experiência em fenda de meio corpo. E quem já escalou em uma fenda de meio corpo sabe que a escalada é um trabalho corporal. É como ficar fazendo luta de chão no judo. Lá pelas tantas, em meio ao calor sufocante, adrenado pela exposição e rastejando parede acima, o Dudu começou a passar mal. A ponto de ter um teto preto e pedir para descer. Pra quê?! Não se fala uma coisa dessas na nossa frente. Por penas demos um pouco de água, mas não deixamos ele descer. Esperamos o teto preto subir e zoamos ele o resto da viagem. Acho que ele nunca mais vai ter um teto preto. E se tiver, nunca ficaremos sabendo.
Primeira enfiada: Fenda de meio-corpo para dar teto preto!
Depois do bloco entalado, você “tenta”proteger e sai da fenda pela face em busca de um grampo que fica ao lado da fissura frontal. A Filezinho Mexicano segue pela fenda de meio-corpo que logo vira um grande diedro desprotegido. Já a partir dessa travessia, seguindo pela fissura até o cume é a variante “O poema imperfeito” (Vo).
Sobre essa fissura preciso escrever que ela é uma daquelas fissuras perfeitas que você normalmente encontra lá nas gringas e mesmo lá são consideradas verdadeiras gemas. A fissura começa vertical, em ponta de dedo (Camalot #.3), por uns 15m até perder inclinação, depois segue por um terreno mais fácil até a base da “cereja do bolo”. Eu imagino que o nome “poema imperfeito” seja justamente por causa dessa “quebra de inclinação”, pois se a fissura continuasse mais a prumo seria muito interessante, mas mesmo assim a escalada é absolutamente incrível.
Na base da cereja do bolo tem um pequeno “boulder” (Vo) para fazer a dominada e depois seguir em aderência até o cume, onde há um livro de cume.
Dudu no final da 2a enfiada. 40m de fissura frontal! Lágrimas escorrem quando você escalada uma fenda perfeita como essa!
Batemos no cume por volta das 17h. Ficamos curtindo o pôr-do-sol, pensando em água e zoando o Teto Preto. Assinamos o livro de cume e tratamos de descer antes de anoitecer.
Deus sol nos retribuindo com este espetáculo no cume da pedra. Sempre é muito gratificante chegar ao cume de uma montanha ao entardecer.
Livro de cume, primeira repetição após 8 anos.
Foto no cume! 😎
Comendo alguma coisa e bebendo uma água no cume. Assim seria se tivéssemos água e comida…
Deixando a montanha ao anoitecer. Será que um dia retornarei novamente à esta montanha? Uma pergunta estranha…
Chegamos na base já à luz de headlamp e enquanto caminhávamos de volta para o carro ficamos pensando onde iríamos dormir, pois a ideia original era pedir pouso em um pequeno sítio que tínhamos visto no Google Maps, mas quando chegamos lá, antes da escalada, não tinha ninguém. Provavelmente os moradores aproveitaram o feriado prolongando e foram descansar em algum lugar mais fresco.
Dicas para repetição: clique aqui!
De quebra, uma passadinha em Pancas
Pensamos nas possibilidades e decidimos rodar até Pancas (80km) para acampar no camping “Cantinho do céu” e de quebra, no dia seguinte escalar alguma via na região.
No aconchego do camping.
Dentre as inúmeras possibilidades que Pancas tem a oferecer, lembrei da via que o Daniel Casas e CIA abriram no ano passado na região. Essa via, Paredão Lubrina, tem uma peculiaridade muito interessante. A linha da via transcorre por um grande veio de cristal (pegmatito) que corta a pedra de cabo a rabo.
Amanhecer no Paredão Lubrina. A linha transcorre pela face da esquerda, à esquerda do grande diedro visível na base.
No dia seguinte tratamos de acordar cedo, pois sabíamos da fama do sol de Pancas. Além disso teríamos 7 enfiadas pela frente, totalizando mais de 300m de escalada.
Acordamos às 6h e às 7h já estamos na base da via iniciando a escalada.
As primeiras enfiadas são bem tranquilas e agradáveis. Bom para o cabra ir acordando e se preparando para o que vem pela frente.
O croqui sugere algumas peças em móvel. Na 1a enfiada há uma colocação que pode ser “desconsiderada”. A 2a colocação, na 2a enfiada, também é passível, mas não tão quanto a 1a.
DuNada começando a escalada. Detalhe para o carro que fica “colado” na base da via.
Primeira chapa da via.
A 3a e a 4a enfiada são bem tranquilas e a 5a e a 6a são as mais interessantes. O lance de Vo na saída da 5a enfiada é provavelmente um lance de IVo bem agradável. Já o crux de VIo é mais atlético com uma virada em batente.
O interessante desse lance da 6a enfiada é que a parede fica bem vertical nesse ponto. Inclusive dá para ver desde a base da via que a pedra fica bem vertical nesse ponto. E você fica pensando, por onde se passa aquilo? E a resposta é que se passa pelo meio, bem no vertical. Por sorte, têm algumas agarras salvadoras que ajudam a aliviar a pressão. Além disso, as proteções estão bem posicionadas propiciando uma queda limpa.
DuNada e Dudu na 5a enfiada. Aqui a pedra começa a ficar mais vertical, mas graças aos megacristais sólidos, tudo fica mais fácil.
Dudu no trecho final da 6a enfiada. O veio de cristal ficou para trás, mas a aderência continua boa.
O livro de cume fica um pouco escondido para os desavisados. Ele fica logo acima da parada natural da P7, entre 2 blocos, dentro da fenda. Segundo o livro, a última repetição da via foi no início do ano por uma dupla do Rio.
Livro de cume escondido. Mais uma repetição após 1 ano da conquista!
Chegamos no cume por volta das 10h, após 3h de escalada. Bebemos o restante da água e iniciamos o longo caminho de volta até Vitória.
Valeu demais DuNada e Dudu! Grande parceria!! Aos bons tempos!
Obrigado ao André Ilha pelos betas preciosos da via de Cuparaque.
Parabéns ao Daniel Casas, Alexandre Langer e a Iza pela grande conquista. Acharam o veio de ouro de Pancas.
E mais uma vez, obrigado ao Fabinho e família pela hospitalidade.
Dicas para repetição:
- Para ver o croqui da via, clique aqui!
- Todas as paradas são duplas com chapeleta. Para rapelar, há uma malha de 8mm e um cordelete. O cordelete já está bem cansando. É recomendável que seja trocado!
- A pedra está voltada para a face leste, com sol o dia inteiro, levar bastante água!
- A proteção móvel é opcional, mas em contrapartida, o esticão fica bem maior, embora o lance não seja perigoso nem difícil.