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Rolé pelo norte

^ Região de Pancas, ES.

A postagem será longa, então vou dividi-la em partes. Caso não queira ler tudo, pode ir nos tópicos que mais interessar. Se tiver tempo, pode ler tudo, mas garanto que ao final você não ficará mais rico, bonito nem forte.

Jimny Camper

No ano passado, enquanto estava pesquisando sobre a Islândia, cai num blog de um brasileiro que fez a “Ring Road” num Jimny alugado. Brasileiro que é, para poupar grana com hospedagem, resolveu dormir no carro mesmo. Ele apenas reclinou os bancos e dormiu atravessado.

Achei aquela ideia interessante, mas não daquele jeito. Fiz mais algumas pesquisas na internet e fui parar lá no outro lado do mundo, mais especificamente no Japão. Descobri que lá tem uma grande comunidade de fanáticos por Jimny e que algumas pessoas converteram o seu jipe em camper. Para um povo que está acostumado com limitação de espaço, um jipe pequeno não seria problema. Com uma boa dose de criatividade, eles conseguem transformar um jipe numa “casa”. Descobri que há uma dúzia de opções de customização, do mais sofisticado ao mais simples.

Com isso, resolvi também transformar o meu jipe num camper para poder dormir dentro nas trips. Eu gosto de dormir em barraca, mas quando é uma trip de escalada, uma barraca é mais uma coisa para levar, montar, desmontar, limpar…

Material e método

Comprei uma placa de compensado naval de 160cm x 220cm x 15mm e mandei corta-la em dois pedaços principais, uma placa com 120 x 90 e uma menor de 110 x 90.

Na placa maior, apenas arredondei as bordas e coloquei atravessada na parte traseira do jipe, apoiando a madeira no descanso de braço das laterais. Como essa placa é relativamente grande, ela não entra pelo porta-mala, é preciso coloca-la pela porta dianteira. Fica a dica! Já a chapa menor tive que fazer um chanfro para contornar o console central e a palanca do câmbio. Além disso, com o resto da chapa fiz três pilares de madeira para coloca-los ao longo do eixo central do carro. Um na parte traseira, um no meio do banco traseiro e um entre o câmbio e o freio de mão. Assim, a chapa fica mais estável e menos molenga.

Pronto! O protótipo estava montando. Agora era preciso fazer alguns “testes de campo” para ver sua performance in loco. Como não sabia se iria funcionar, resolvi deixar a parte do acabamento (forração) para depois do teste.

O teste

O final de semana por aqui seria prolongado por causa do feriado de Nossa Senhora da Penha, então resolvi dar um rolé pelo norte do estado para conhecer melhor aquela região e ver as potencialidades, até porque a previsão do tempo não era lá bem animadora para uma escalada. Estava mais para um rally do que escalada.

Sábado, Três Pontões

O sábado amanheceu num dilúvio com água até o joelho em várias ruas da capital. Resolvi esperar a chuva estiar um pouco e por volta das 6h da manhã peguei a estrada rumo ao norte do estado. Para não dizer que sai sem rumo fui até os Três Pontões de Águia Branca. Estava com plano de repetir a “Face Oeste” do Pontão Médio em solitária, mas era apenas um plano caso o tempo permitisse. Como estava chovendo fui sem pressa até a casa do senhor Ademiro Schrieber que fica aos pés da pedra. Passei mais um bom tempo conversando com ele e o seu filho sobre vários assuntos, desde questões ambientais até política. Boa prosa!

Face oeste dos Três Pontões de Águia Branca.

Como o tempo estava mais estável, planejei fazer uma aproximação à tarde para procurar a base da via e escalar duas enfiadas para deixa-la equipada para fazer um ataque no dia seguinte.

Por volta das 15h subi o longo costão sob um calor insano para procurar a base da via. A base da via fica num lugar bem intuitivo. É só pensar: se eu fosse abrir uma via aqui, onde começaria?

Descanso na base da via.

Cheguei na base, me equipei e quando calcei a sapatilha, chuva! Não era possível… Dei um tempo e a chuva se foi. Esperei mais um pouco e resolvi arriscar. Umas 5 passadas na via e logo descobri que o IV grau do André Ilha não é o mesmo IV grau capixaba. Fiz os cálculos e conclui que a via tem em média um grampo a cada 10m. Nada muito aminador. Para piorar, a parede tem muita vegetação o que complica a navegação para caçar os grampos. Basicamente fui seguindo exatamente o que o croqui mandava.

De olho no croqui para não se perder no mar de gravatás!

Quando a corda esticou fiz uma parada em grampo simples e chuva novamente! Fiquei alguns minutos vendo a chuva e pensando que ia parar logo, mas não parou. Assim como a chuva, a minha mente foi inundada por muitas dúvidas. Não sabia se ficava ali, deixava equipada a via ou sairia dali com tudo. A medida que o tempo passava a chuva apertava mais ainda, então resolvi bater em retirada. Desci da via e fiquei na base esperando a chuva dar uma trégua para descer o longo trecho de costão. Como eu já estava craque com esse tipo de situação, abri uma manta de emergência, enrolei todo equipamento para não molhar, vesti o meu anorak e fiquei acocorado com a cabeça entre as pernas pensando em qualquer coisa que não fosse a chuva (exercício difícil). Mas a medida que o tempo passava a chuva ia apertando cada vez mais, logo, descobri que o platô onde estava era uma grande calha d´água e em poucos minutos se formou uma grande cachoeira atrás de mim. Já vi isso em outros Carnavais… O tempo ia passando e nada da chuva parar. Agora estava tendo outro problema. Em pouco tempo iria escurecer e não teria como descer aquele rampão na chuva e no escuro. Entre descer sem chuva no escuro e na chuva com luz, optei pela segunda opção e encarei o costão ensopado.

O tempo virando na montanha.

A descida não foi tão ruim quanto esperava, mas deu para “adrenar” um pouco. Cheguei, naturalmente, um pinto molhado no carro. Coloquei uma roupa seca e simplesmente cai morto na minha nova cama. Acho que apaguei por umas duas horas até acordar novamente. O stress mental e o cansaço físico estavam cobrando o seu preço.

Campo-base no cafezal e cama montada para o teste.

Domingo, rally pelo norte

Choveu a noite inteira e o dia amanheceu bem chuvoso. Sem muita opção resolvi dar um rolé pela região para conhecer melhor aquele lado do estado. De Águia Branca toquei até Nova Venécia, depois Barra do São Francisco e Ecoporanga, passando por várias montanhas famosas da região. Infelizmente não consegui ir a todos os lugares devido às condições das estradas. Por causa da chuva, as estradas estavam uma lama só e não estava afim de ficar empenhado sozinho no meio do nada.

Pedra Bonita em Águia Branca.
Pedra do Dedo em Nova Venécia.
Pedra da Fortaleza, deve ter tranquilamente uns 1000m.
Pedra do Garrafão em Ecoporanga.

De Ecoporanga, peguei uma estrada de terra cabulosa até Água Doce do Norte e depois fui tocando até Pancas.

A conclusão que cheguei dando essa voltar por aquela região é que o Espírito Santo, embora seja um estado pequeno, tem muitas quebradas e muita pedra.

Em Pancas fui direto para o Camping Cantinho do Céu para passar a noite. Até porque eu tinha esperança de que no dia seguinte o tempo fosse melhorar um pouco para dar uma escaladinha básica.

A noite, ainda rolou um resgate noturno de uma van da galera de Vitória que tinha ida lá no Fabinho para fazer uma caminhada. Por causa da chuva, a estrada estava uma lama só e a van ficou presa numa baixada, sem conseguir ir para qualquer lado. Já tinha visto que o Jimny era forte, mas essa foi a primeira vez que botei para rebocar outro carro e confesso que fiquei de cara com a força dele. Rebocar um micro-onibus morro acima numa estrada embarrada não é para qualquer carro.

A força do 4×4!
Preparando a janta no camping.
Cardápio da noite: arroz integral e lentilha com calabresa.
Brincando de vaga-lume.

Segunda-feira, Pedra do Córrego.

Acordei às 6h de domingo. Em geral, uma pessoa normal acorda, vai ao banheiro, toma café e depois sai para fazer alguma coisa. Eu acordei, olhei para as montanhas em volta, vi uma pedra e pensei: vou ali, ver o sol nascer! Calculei que em 30 minutos estaria no cume de uma montanha e em 15 minutos estaria de volta para tomar o meu café matutino. Peguei só a câmera e “canela pra cima”. Fui pelo cafezal subindo, subindo e subindo.  Quando cheguei no colo da montanha vi o cume da Pedra do Camelo logo ali e pensei: vou ali rapidinho! Belo engano, o logo ali começou a ficar inclinado, embarrado, molhado e quente. A certa altura já estava tão embrenhado que desistir não era uma opção. Já que estou aqui, vou pelo menos até o cume para ver a vista. O que era para ser uma caminhada de meia-hora virou uma caminhada de uma hora até o cume da Pedra do Camelo. Cheguei lá, curti um pouco a vista lá de cima e logo esqueci de todo o sofrimento final. Ver aquela paisagem incrível com aquelas nuvens dando um ar dramático fez valer o esforço e esquecer qualquer sofrimento.

Vista para leste da Pedra do Camelo.
Vista para oeste com a cidade de Pancas ao fundo.

Voltei para o camping fui ao banheiro e tomei tranquilamente o meu café da manhã. Como as pedras em volta ainda estavam molhadas, resolvi gastar o tempo da manhã para estudar mais as potencialidades da região. Mais uma vez enfiei o jipe numas bimbocas brava atrás de pedra. Descobri, por exemplo que o vale que passa paralelo ao Valo do Palmital é um lugar muito bonito. Lembrou um pouco o Val di Mello na Itália.

A imponente Pedra da Agulha.
Pelo interior de Pancas.

Depois de brincar de rally, resolvi voltar ao que interessava de verdade, escalar! Perto do meio-dia, após o sol da manhã, quase todas as pedras estavam bem secas. Mas o mesmo sol que secou a pedra era o que castigava o caboclo. A essa hora, o calor estava típico de Pancas. Contrariando todas as regras de escalada em Pancas, ao meio-dia em ponto fui em direção à Pedra do Córrego para repetir a via “Onde os fracos têm vez”, uma via curta de 200m com um crux de IV SUP. Para os padrões daqui, isso é um boulder, mas como estava sozinho e precisava ainda voltar para Vitória, não estava afim de me meter em mais encrenca.

Pedra do Córrego.

Para chegar até a base da Pedra do Córrego é preciso entrar num labirinto de cafezal para acessar a base da pedra. Num determinado ponto, achei uma pequena ponte de madeira. Parei o carro, conferi o estado da ponte e conclui que seria seguro, só achei a largura um pouco incompatível com a largura do carro, mas fui. Assim que entrei na ponte, a roda dianteira do lado direito caiu para fora da ponte e o carro adernou ficando só com as duas rodas em tesoura! Adrenalina à mil! Desci do carro para avaliar a situação e vi que eu estava ferrado! Sozinho no meio do nada, teria que me virar para sair dali. Voltei para o carro, tentei a ré e nada. Engatei o 4×4 e nada. Reduzi para ganhar torque e nada. Numa tentativa final resolvi dar uma ré com mais “contundência” e o carro saiu! Ufa!

Fiquei tão adrenado que cheguei na base da via com o coração ainda à mil, antes mesmo de escalar. Queria descansar um pouco, mas o sol estava tão forte que ficar parado seria perda de tempo.  Equipei e comecei a escalar para ver se me acalmava.

A via é bem tranquila, com muitas agarras e proteção bem coerente. Para mim foi uma boa via para aprimorar a técnica de escalada em solitária, assim como para melhorar o ritmo. Em duas horas estava no final do via assinando o livro de cume. Quando pensei em ficar curtindo a vista um pouco, vi no horizonte uma cortina de chuva vindo em minha direção. Seção de procrastinação do cume cancelada e rapel morro abaixo para fugir da chuva. Em 40 minutos desci da montanha antes da chuva me pegar. Na verdade, a chuva acabou nem chegando onde estava.

Uma selfie na P3.
Saída para última enfiada.
Vista do cume para o lado leste.
Assinando o livro. Assinem o livro à lápis e não a caneta! Fica a dica!
Chuva a caminho…

Desci para o carro e pé na estrada para Vitória! Chega de indiada por hora!

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2 respostas em “Rolé pelo norte”

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