Domingo
Domingo de Carnaval amanheceu ensolarado. Pela janela do quarto olhei em direção ao Calogi e vi algumas nuvens. Sabia que durante a madrugada tinha chovido de leve. Lembro de ter acordado com o som da chuva.
A mochila já estava pronta!
Passei na padaria e pé na estrada para conquistar mais uma via em Calogi, dessa vez em solitária.
No ano passado, quando fiz um sobrevoo de drone pelo Calogi, observei uma linha bem interessante à esquerda da via “Quebra Coco”, na face nordeste. Essa é uma face que fica um pouco escondida e com bastante vegetação, mas graças ao drone pude ver uma linha interessante passando por um totem suspenso.
No final do ano passado foi inaugurada a rodovia “Contorno do Mestre Álvaro” que desvia a saída norte de Vitória por fora do perímetro urbano da Serra. Para nós que vamos direto ao Calogi, esse contorno foi uma benção. Agora saio de casa, coloco o carro no piloto automático e só desligo na estrada de chão! Sem radares e semáforos!
Assim que entrei na estrada de chão vi muitas poças de água pelo caminho. Tudo indicava que de madrugada choveu bastante. Mesmo assim, mantive o plano. Calogi tem fama de repelir a chuva.
Chegando mais perto, constatei que a chuva pegou em cheio na pedra. Muitos escorridos de água, principalmente na face nordeste. Mesmo assim resolvi fazer a aproximação, só de facão, para estudar a saída da via.
Assim que cheguei no colo, pulei uma cerca e ao passar por cima de um tronco seco fui atacado por uma abelha que me picou na mão esquerda. Uma segunda abelha foi para minha mão direita e mais uma picada! Corri para me afastar do enxame, mas o estrago estava feito.
Segui para base da pedra e constatei o óbvio: estava molhada, encharcada seria a palavra mais adequada.
Num momento de insanidade achei que pudesse escalar mesmo assim. Ensaiei uma saída de tênis, mas lembrei que estava sozinha na montanha. Seria imprudência demais…
Resolvi voltar para casa e deixar para outro dia. Melhor cuidar das picadas que estavam me incomodando.
Terça-feira
Voltei ao Calogi na 3a feira de Carnaval. Acompanhei o tempo mais de perto e tudo indicava que a pedra estaria seca.
De fato, a pedra estava seca. Mas agora, o mesmo Sol que secou a pedra estava querendo me fritar no granito preto. O termômetro estava marcando 32 graus Celsius. Na pedra, facilmente chegaria aos 35 graus. A chapa iria esquentar.
Por volta das 10h30 iniciei os preparativos e comecei a conquista. Passei pelo trecho outrora molhada. Ainda bem que não subi no domingo. O início é bem estranho.
Pedra estranha, agarras estranhas e tato estranho. Lembrei que em 2022 escalei em solitária a via do lado, Quebra Coco, e passei por um trecho bem parecido.
Cheguei numa árvore, lacei e segui. Estiquei para esquerda e de repente senti um tranco na corda. O Silent Partner travou! Tentei destravar, mas algo não estava certo e não consegui destravar. Meio sem opção e no perrengue bati uma chapa para tentar resolver o problema. O sol estava castigante, precisava de sombra para ver melhor o que estava acontecendo. Resolvi descer para estudar melhor na sombra.
Tentei de todas as formas destravar, mas o aparelho emperrou e não tinha solução. Para não perder a viagem, resolvi usar o Gri-gri. Uma pequena adaptação aqui e logo estava de volta à primeira chapa para dar sequência a escalada.
Bati mais 3 chapas e estiquei toda corda até chegar num platô onde estabeleci a P1. Sem dúvida foi a enfiada mais sofrida devido ao calor. Sempre que batia uma chapa tirava a sapatilha para dar um respiro.
Pelo menos a P1 tinha uma meia sombra e um pouco de vento, mas o calor seguia implacável. Sabia que a via tenderia a contornar a pedra para leste, seguindo contra a direção do sol, por isso sabia que logo logo entraria na sombra.
A segunda enfiada saiu rápida. Terreno fácil, apenas uma chapa fixa para orientação e o resto em móvel e proteção natural. A P2 era mais confortável que a P1 e o melhor de tudo, na sombra.
A terceira enfiada seria pela lateral do totem. Tudo indicava que seria mais uma enfiada desfrute e toda protegida em móvel. Na saída rolou um lance um pouco mais difícil e depois a escalada seguiu por um mar de agarras com muitas opções para peças.
Assim que cheguei na P3 a parede estava totalmente na sombra e o vento do final do dia soprava com bastante intensidade. Era tudo que eu desejava e estava precisando para terminar a conquista.
A 4a enfiada era para ser só um protocolo, mas a saída se mostrou mais difícil do que o esperado e mais acima, a rocha mudou de textura e as agarras sumiram. Tive que bailar, ou sambar na aderência para ganhar os lances.
Nessa enfiada bati 3 chapas. E após esticar uns 40m cheguei numa clareira que havia mirado de longe para finalizar a via.
Dali, uma pequena caminhada para direita me levou diretamente para parada final da Quebra Coco, por onde desci até o totem e do totem até a base.
Cheguei na base do totem por volta das 17h45. De longe foi o pior tempo para uma conquista, mas devido ao calor não tinha como ir mais rápido.
Em linhas gerais, posso dizer que a via ficou bem aventurosa. Não tem nada muito difícil, mas requer um pouco de navegação. Diria que é uma excelente opção para um meio turno de escalada num dia de verão.
Uma resposta em “Samba no pé”
Conquistar uma parede domingo de Carnaval em pleno verão.
Nem é difícil entender pq ninguém quer andar com vc! Kkkkkk