A “Barca Furada” voltou!

^ As montanhas da Serra das Torres em Mimoso do Sul.

Segundo consta neste blog, a última vez que a “Barca Furada” entrou em ação foi em abril de 2016, quando Afeto, DuNada e eu terminamos a conquista da via “Na Flor da Idade” na Pedra da Bandeira em Castelo, ES. Desde então, nunca mais nos reunimos para uma “barquinha”. Eu acho que aquela experiência foi traumática o suficiente para gente “dar um tempo”. Mentira! Desde então, acabamos nos afastando porque o DuNada foi morar em Cachoeiro e o Afeto começou a se dedicar ao B.A.S.E.

Mas quando a amizade é verdadeira, não há tempo, nem distância que seja capaz de nos separar. Basta, uma mensagem no “What” para “barca voltar à ativa”. Mentira! Eu achei uma montanha nos confins do Estado que só os meninos topariam encarar sem ter que convence-los com muitos argumentos fajutos. Com eles, basta avisar que estarão no dia e hora marcada esperando o jeep passar. Fácil assim!

O “passeio” começou na 6a feira. No final do dia passei na casa do Afeto e rumamos em direção ao sul do Estado até o Pico do Frade e a Freira para um bivaque planejado no cume da montanha. Estive lá no ano passado com o Eric para escalar a Freira e passamos rapidamente pelo cume do Frade. Na ocasião, a passagem foi tão rápida que desejei voltar lá num outro dia para curtir o cume com mais calma.

O Frade e a Freira ao entardecer.

Chegamos no final do dia no estacionamento do Frade e a Freira e tocamos em solo até o crux do costão. Assim que passei o crux, fui descansar um pouco e vi lá no início da trilha uma luz de lanterna. Era o DuNada! “Du Nada” ele apareceu para se juntar à barca. Esperamos o tanque Panzer  chegar e assim fomos juntos até o cume.

Lá, ficamos curtindo o pôr do sol e jogando conversa fora. De repente, vi uma moto subindo a estrada que leva ao estacionamento da montanha. Ficamos acompanhando e esperando que fosse entrar na pousada que fica aos pés da montanha. Mas a moto não entrou e continuou subindo em direção aos nossos carros. Como a estrada acaba no início da trilha ficamos um pouco apreensivos, pois sabíamos de alguns incidentes que já aconteceram nessa montanha. A moto estacionou no final da estrada e minutos depois vimos as luzes do celular no mirante da montanha. Aparentemente os caras foram só fumar um baseadinho. E não fazer uma limpa nos nossos carros.

Dormimos ao relento vendo as estrelas e a primeira luz da manhã já estávamos em pé para descer a montanha e seguir rumo ao sul em busca do objetivo principal do final de semana, o Pico do Farol em Mimoso do Sul.

Amanhecer no cume do Frade.
Café da manhã Nutela, literalmente!
Iniciando os trabalhos.
Rapel no Frade.

Eu já tinha sondado essa montanha há muito tempo, mas como ela tem uma aproximação longa por dentro da mata acabei deixando de lado. Recentemente vi algumas fotos na internet que sugeriam que pela face sudeste seria possível alcançar o cume com mais facilidade, sendo necessário escalar apenas os últimos metros.

Início da aproximação.

Levamos o jeepinho até onde foi possível e ali o abandonamos e seguimos o resto caminhando. Uns 5 minutos depois, ouvimos uma voz nos chamando, era o Sr. Renato, meieiro das terras procurando os bezerros fujões. Conversamos rapidamente e explicamos as nossas intenções.

– Vocês vão subir aquela montanha?

Apontando para o Pico do Farol.

– Sim, vamos tentar subir ela pelo outro lado. Somos “alpinistas” e temos os equipamentos e corda para subir a montanha.

Ele olhou para montanha, olhou para nós, olhou fixamente para o DuNada e completou:

– Mas esse dai não vai conseguir chegar lá!

Caímos na gargalhada e ele continuou nos seguindo. Queria nos mostrar o início da mata onde supostamente poderíamos subir. Mais À diante, entre uma pausa e outra, pois a subida já era bem íngreme e o sol implacável, ele continuou:

– Mas vocês têm certeza de que vão subir lá?

Olhando para montanha e olhando para nós.

– Se forem, vão só vocês dois, porque aquele dai só vai chegar no início da mata!

Chegamos no início da mata, incluindo o DuNada, nos despedimos do Sr. Renato e assim adentramos na Mata Atlântica por uma calha d´água seca. Conforme as minhas suspeitas, a subida era bem íngreme e cheia de pedras. Aliado ao calor e o peso das mochilas o nosso avanço foi lento para não nos desgastarmos antes da hora. Afinal de conta, tínhamos apenas 4L de água para dois dias na montanha.

Caminhada na exuberante mata.
Caminhada com escalaminhada.

Após duas horas de caminhada, abrindo picada, finalmente chegamos no colo da montanha que separa o Pico do Farol de uma montanha anexa. A nossa ideia era subir a montanha pela aresta sudeste por um longo “trepa mato” até o headwall, onde supostamente iriamos escalar de verdade.

Descansamos um pouco e nos jogamos no “trepa mato”. Logo, ficou claro que o trecho era inclinado o suficiente para ter que usar a corda para segurança. Vencemos o longo trecho usando a corda para o guia, enquanto os demais vinham de segundo pela corda fixa.

Trecho final do trepa mato.

Acho que tocamos uns 100m nesse esquema até chegar no headwall. Como o sol estava implacável, fomos direto para uma pequena sombra onde nos refugiamos um pouco. Vimos as horas e eram apenas 15h, então resolvemos dar um bom tempo até o calor diminuir um pouco, já que estávamos a apenas uns 5m do cume principal. Acabamos dormindo uma meia-hora tamanho o nosso cansaço. E quando acordamos o sol já tinha ido embora atrás das nuvens. Lá no horizonte vimos algumas chuvas isoladas e assim ficamos mais um pouco, só curtindo a vista.

Após um rápido reconhecimento descobrimos uma passagem lateral pela face oeste que nos levaria diretamente ao cume da montanha escalaminhando. Minutos depois, finalmente estávamos no cume da montanha. Um misto de frustração e alegria tomou conta de nós. Frustração de ter chegado no topo da montanha sem ter escalado na rocha (levamos material de conquista) e alegria de ter chegado no cume de mais uma montanha.

Cume!!!!

O nosso plano era chegar no cume e bivacar por ali mesmo para descer no dia seguinte. Afinal de conta estávamos ali para “sentir a natureza”. Ficamos curtindo a vista e em menos de 15 minutos fomos envolvidos pelas nuvens. O cume da montanha está a aproximadamente 900m em relação ao nível do mar. Em pouco tempo, a visibilidade caiu a menos de 50m e logo percebemos uma gota de chuva cair no rosto. Mais alguns segundos depois, começou a chover de leve. Eu estava totalmente incrédulo de qualquer possibilidade de chuva, já que todas as previsões indicavam sol e calor. Achei que seria só uma nuvem passageira ou no máximo uma chuva de verão. Mas como a natureza não tem compromisso com a meteorologia, em poucos minutos a chuva apertou de verdade. Foi um corre-corre no cume para achar um abrigo meia-boca. E quando a chuva engrossou mais ainda, tivemos que puxar um cobertor de emergência para montar um toldo e nos amontoar embaixo. Não sei quanto tempo ficamos ali amontoados, parecia uma eternidade. A chuva não dava trégua e aos pouco tudo começou a molhar. Presumo que ficamos aproximadamente uma hora e meia embaixo do cafofo, quietinho pensando na vida.

Nosso cafofo.
Enquanto a chuva não para… Foto: DuNada.

Quando a chuva finalmente deu uma trégua, montamos as nossas redes num espaço super restrito e fomos jantar totalmente ensopados. Quem já ficou ensopado e com frio sabe como um miojo quente é capaz revigorar e levantar a moral.

Troquei as roupas molhadas e me joguei para dentro do saco de dormir sequinho que ficou guardado com todo amor e carinho. Enfim, um descanso merecido após um longo dia na montanha. Da rede, olhei para o céu e vi estrelas. Nunca fiquei tão feliz em ver estrelas no céu. Mesmo no desconforto da rede mal armada, sucumbi ao cansaço e logo cai no sono.

De repente, no meio da madrugada fui acordado com chuva na cara. Nada é mais desagradável do que ser acordado tomando chuva na cara. Num misto de sono e desespero, me joguei para dentro do saco de bivaque, mas como a chuva foi intensa e demorei para reagir (a gente fica impotente pensando: era só o que faltava) o meu saco de dormir acabou molhando. Como o saco é de pena, quando ela molhou perdeu toda capacidade térmica e ficou totalmente inutilizado. Então, já não tinha mais o que fazer, o jeito foi tentar dormir ensopado enquanto ouvia o DuNada roncar em meio ao caos.

Acho que em 10 anos de Espírito Santo essa foi a pior noite na montanha, sem sombra de dúvida! Conseguiu ser pior do que o bivaque na Pontuda de Arapoca.

Por volta das 5h da manhã estava tremendo de frio dentro do saco de dormir molhado. Sai do saco na esperança de sentir menos frio, mas não adiantou muito. Como estava faltando pouco para amanhecer, resolvi levantar e caminhar pelo cume, assim iria me esquentar um pouco.

O dia custou a amanhecer e mesmo com a luz do dia, o sol custou a mostrar a cara, pois o dia amanheceu muito nublado. Quando o sol finalmente bateu na montanha, conseguimos nos aquecer um pouco e buscar motivação para tomar um café da manhã e iniciar a longa descida até o carro.

Desmontamos o acampamento e iniciamos a descida. Por causa da chuva da noite anterior, toda a descida foi muito complicada, com muito trecho molhado e enlameado.

Cume! Foto: Caio Afeto.
Vegetação do cume.
Início da descida. O estado do cidadão…
Rapel no trecho mais vertical do trepa mato.

Assim que saímos da mata e chegamos no pasto, fomos presenteados pelo sol castigante que nos acompanhou morro abaixo até o carro. Chegamos no carro um lixo, mas com um belo sorriso no rosto, pois apesar dos pesares, nós gostamos de estar na montanha.

Não sei se a montanha é virgem. Não encontramos nenhuma evidência de passagem humana ao logo de todo caminho. Também não encontrei nenhum registro no internet. Acredito que um caboclo muito destemido seja capaz de subir a montanha, desde que leve um pedaço de corda, por isso fica difícil de provar que fomos os primeiros. A única certeza é que ninguém subiu lá recentemente, pois a vegetação estava totalmente intacta.

Agora que a equipe “Barca Furada” matou a saudade, com certeza ficaremos mais alguns meses sem se ver. Na verdade, já temos data marcada para “a próxima”, mas isso, só quando o DuNada cravar na balança 85kg, conforme o pacto que fizemos antes nos despedir.

Panorâmica da Serra das Torres ao amanhecer.

Comentários

13 respostas em “A “Barca Furada” voltou!”

Boa noite.
Por favor poderia me enviar o nome da propriedade a qual você entrou para subir o Pico do Farol? Ou o contato de alguém dela.
Tentarei fazer uma investida nesse carnaval.

Naoki, por favor, me passe o endereço do Sr. Renato, pois ele Bulinou demais nosso amigo DuDu, quero ter uma conversa séria com ele. kkkkkkkkk

Imagino a cara que o Dunada fez quando foi ‘barrado’ pelo mateiro! Rsrsr

Que massa Naoki, vcs são verdadeiros exploradores das montanhas capixabas, parabéns equipe Barca Furada !

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