Rascunhando no aeroporto de Saint Martin, indo para Saint Barth.
Um dia, durante uma aula de rochas carbonáticas no mestrado, o professor Gerson Terra apresentou uma bela paisagem do Caribe e disse:
– Isso que é geologia, e não essas coisas que vocês estudam.
O tom provocativo era porque naquela época, a maioria dos geólogos da UFRGS estudavam rochas siliciclásticas que, em geral, afloram em paisagens, digamos, menos glamorosas.
Com uma pitada inveja pensei comigo mesmo: um dia vou lá conhecer esse lugar!
Enfim, agora nas últimas férias, Paula e eu finalmente conhecemos o tal do Caribe (ou Antilhas). Na verdade eu, porque a Paula já é quase local quando o assunto é Caribe.
Caribe é uma designação bem genérica para uma região que compreende uma série de ilhas, umas maiores, como Cuba e outras menores, do tamanho de um campo de futebol. Para os geólogos de plantão, essas ilhas são arcos de ilha formados pela subducção da Placa do Alântico pela Placa do Caribe. É tipo um filhote do Japão!
A ideia dessas férias foi sair um pouco da rota comum e visitar algumas ilhas que ficam fora do mainstream. Assim, escolhemos três ilhas que ficam relativamente perto umas das outras, porém pouco conhecidas: Saint Martin, São Bartolomeu (ou Saint-Barthélemy ou ainda St. Barth) e Anguilla.
Saindo do Brasil há basicamente duas opções de voo: via Panamá ou via Miami. Pelo Panamá não é necessário visto americano, mas os voos para Saint Martin são menos frequentes. Já por Miami, há mais voos, mas é necessário possuir visto, mesmo estando em conexão.
Dentre as três ilhas, St Martin é a maior e mais populosa. Também é a porta de entrada para quem visita à região. A ilha é dividida em duas metades, a parte norte que pertence à França e a sul à Holanda. Inclusive para entrar nesses países você precisa atender os mesmos requisitos de quem vai entrar num país da União Europeia.
Naturalmente a língua oficial é o francês e o holandês, mas o inglês é amplamente falado. Também tem um dialeto local que lembra um pouco o espanhol misturado com francês.
A nossa entrada na região foi justamente por St Martin onde passamos apenas 3 noites antes de partir para St Barth.
Acho que a paisagem mais famosa de St Martin seja a cena de um enorme avião passando muito baixo por cima dos banhistas que estão curtindo a praia.
A vista é bem inusitada e atrai muita gente para ver essa cena pitoresca, mas não representa a ilha.
Fazendo uma analogia bem grotesca diria que St Martin lembra um pouco o arquipélago de Fernando de Noronha (a Paula discorda!). Geologia semelhante, águas turquesas e mesma divisão social: brancos ricos bebendo champagne enquanto os menos favorecidos, os afrodescendentes, vivendo em condições mais humildes. Sob alguns aspectos lembra muito a desigualdade social do Brasil. Talvez a sorte do Brasil seja que não tenha tufões todo ano que arrasam a ilha. Em 2017, a região foi castigada pelo furacão Irma que acabou com a região e até hoje a economia enfrenta dificuldades para se reerguer.
Embora a ilha seja pequena, para rodar dentro é necessário alugar um carro. Fiquei chocado com a quantidade de carros que tem na ilha. Aparentemente não há o menor controle quanto a isso. Em St Martin é bem comum ter engarrafamento! Bizarro! Ponto para Fernando de Noronha, onde há controle de entrada de carros.
Em termos de preocupação ambiental, para um povo como o francês que gosta de doar fundos para Amazônia, achei St Martin muito jogado e por vezes bastante sujo. Existe uma preocupação bem básica com as questões ambientais, mas nada muito além. A impressão que tive é que ali é uma colônia dos ricos que não estão muito preocupados com a natureza.
E isso se reflete quando colocamos a máscara e mergulhamos na região. A fauna marinha é bem escassa quando comparado com Noronha, por exemplo. Também não vi muita preocupação quanto a mergulhar em bancos de corais ou área mais sensíveis onde o pisoteio destrói a fauna. Outra coisa que mata os corais e pouca gente sabe ou não liga: usar protetor solar!
Infelizmente no nosso primeiro mergulho entrou água na Gopro e deu pane total. Então não tenho nenhum registro subaquático…
Como nós não somos milionários americanos aposentados, a nossa hospedagem foi bem mais simples do que os majestosos resorts à beira-mar com suas praias particulares. Nos hospedamos na região central de Marigot que é a capital do lado francês. É um lugar difícil de descrever. Lembra um pouco a França porque as placas estão em francês; as ruas e ruelas lembram um pouco o centro de Porto Alegre numa manhã de domingo. Não há muita gente nas ruas e há muito comércio fechado devido ao último furacão. Parece uma cidade que não saiu da pandemia. Na parte interna de Marigot há uma marina e o quarto do nosso hotel era voltado para esse lado, o que dava uma impressão de relativa serenidade em relação ao outro lado.
No lado holandês, a capital é Philipsburg. Tivemos algumas recomendações boas e fomos visitá-la um dia, mas nada extraordinário. Talvez estivéssemos esperando muito. Metade das ruas vazias, outra metade cheia de lojas de roupa de gosto discutível e mais para o final, lojas de grife que destoam a paisagem.
Já as praias são o grande diferencial da ilha. Água quente, praias sem onda e aquele mar turquesa que só uma praia carbonática pode oferecer! O professor Gerson Terra tinha razão…
Ao que pude observar, há dois tipos de praias: as badaladinhas e as desérticas. É claro que a indústria do turismo só vai falar das que tem mais estrutura para os turistas deixarem seus dólares em cadeiras de praia e drinks. É inegável que as praias com mais estrutura sejam mais confortáveis, mas, por outro lado, são mais cheias e barulhentas. As porcarias das caixas de som da JBL chegaram aqui também!
As praias mais remotas são bem mais a “nossa praia”. Há diversas praias desérticas que exigem um pouco mais de caminhada ou um trecho de estrada de chão. Em geral, são frequentados por aposentados, famílias e/ou pessoas que desejam ficar mais “à vontade”.
Dicas para Saint Martin
- Não há locadora de veículos no aeroporto. As empresas mandam representantes com plaquinha na saída. Pode ser um pouco caótico;
- Não aluguem carros na Next Level Rent a Car, disparado foi a pior empresa de aluguel de carro que já contratei na vida. Eles estão na Rentalcars;
- Na volta, chegue cedo no aeroporto (3 horas antes do voo, pelo menos). O aeroporto é pequeno e bem caótico (estava em obra).
St. Barth
Rascunhando no aeroporto de St. Barth rumando para Anguilla.
Após alguns dias em St. Martin, o nosso próximo destino foi a ilha de Saint Barthélemy, distante a apenas 9 minutos de voo, mais ao Sul.
Conhecida também como St Barth pelos mais íntimos, a ilha é o destino preferido dos milionários e bilionários que se escondem por ali.
Assim como Saint Martin, St Barth também pertence à França e naturalmente a língua oficial é o francês. Se você for um entendedor de arquitetura irá notar nas fotos a influência da arquitetura sueca. Isso porque, no passado, a ilha a pertenceu à Suécia por 100 anos, antes de a França pegar de volta.
Sua capital é o charmoso porto de Gustávia (rei da Suécia, lembra dos suecos que falei?) com suas ruas estreitas repletas de lojas de grife. Gustávia lembra Cannes ou Mônaco numa versão menor. Já as estreitas ruas que entrecortam as montanhas de origem vulcânica lembram algumas cenas de perseguição do Bond, James Bond.
Assim que chegamos na ilha, a primeira praia que visitamos foi a remota Colombier que fica na parte noroeste da ilha. Vimos que era a praia mais famosa da região e um excelente point de mergulho.
Pegamos o carro e fomos pelas sinuosas ruas onde a qualquer momento parecia que iria perder o retrovisor. Chegamos numa rua sem saída e vimos alguns carros estacionados. Considerando que era para ser uma praia famosa tinha muito pouco carro, acho que contei 5, incluindo o nosso. Mas assim que olhei para praia que estava lá embaixo da colina, vi muitos barcos e iates ancorados. Nessa hora entendi onde estávamos nos metendo. As pessoas ricas não andam de carro na ilha, os milionários têm iates e veleiros e vão para as praias pelo mar. Só nós e uns desavisados enfrentam uma trilha pedregosa de mochila. Bem-vindo à ilha dos ricos! Ah, outra coisa que notamos ao longo dos dias, ninguém tira foto na ilha. Ninguém fica tirando selfie e quando víamos alguém, até comentávamos: olha, tirando foto!
Tirando o perrengue chic dessa praia, as outras praias foram mais tranquilas. Ao longo de nossa estadia visitamos outras praias de areia branca e mar turquesa com fundo de coral, coisa de filme!
Dentre as praias, a Enseada Cul-du-Sac foi a minha preferida porque é uma praia que saiu do livro de Geologia. Sem dúvida, a mais fantástica sob todos os aspectos. Na verdade, muitas praias do Caribe são referências quando o assunto é rocha calcária. Além disso, o lagoon é cheio de tartarugas marinhas!
Outra praia que achei legal foi a Shell Beach, que fica no lado do centro. Essa é uma praia formada por conchas e bastante frequentada por moradores locais e jovens! Acho que essa foi a praia mais jovem que visitamos, porque no resto, só haviam aposentados (e pelados, por vezes)!
Conhecer St Barth foi uma experiência cultural e social muito interessante para entender um pouco melhor a pirâmide social. Entendi um pouco melhor quem são os ricos de verdade, como vivem e do que se alimentam!
Dicas rápidas para St Barth
- A pista de pouso de St Barth é uma das mais difíceis do mundo, não recomendado para quem tem fobia de avião;
- O centro, Gustávia, é bem restrito, sem muita opção para estacionar o carro;
- Não estacione em locais proibidos, a polícia passa multando!
- Para a Praia de Columbier, o ideal é ir de tênis e levar tudo, pois não há nenhuma estrutura;
- Em várias praias as pessoas ficam nuas, principalmente nas mais isoladas.
Anguilla
Durante as nossas pesquisas sobre essa viagem li em algum lugar que você poderia ficar em St Barth até onde o cartão de crédito aguentasse! Então, após 3 dias rumamos para o Norte, para ilha de Anguilla.
De St Barth até Anguilla foram mais 14 minutos de voo num teco teco minúsculo com painel de comando analógico e apenas 1 piloto!!! E o piloto ainda era meio grande, um bom candidato a ter infarto! Imaginem a cena!
Se Saint Martin e St Barth são ilhas vulcânicas com relevo acidentado, Anguilla é uma grande planície carbonática. Não há montanhas, só falésias, logo, não há rios também!
Confesso que estudei pouco sobre essa ilha. Então fui sem muitas expectativas, sabia que era uma ilha paradisíaca com resorts em volta. Também sabia que era um território ultramarino britânico, logo teria que dirigir na mão inglesa.
Só que quando fomos retirar o carro, a moça nos entregou um carro com o lado normal (esquerdo)! Ou seja, teria que dirigir na mão inglesa com volante normal! Pensei em pedir para trocar, mas depois vi que dirigir na contramão é melhor do que dirigir no lado direito. Só é ruim realizar ultrapassagens nessa orientação porque fica ruim de ver se vem carro no contrafluxo, mas a ilha é bem tranquila de trânsito.
Após retirar o carro passamos num mercado para fazer um abastecimento de suprimentos. Aí foi um choque de realidade… St Barth nos deixou mal-acostumados! Sabia que não deveria esperar muito dos britânicos, pois sei que eles são bem ruins de garfo. O mercado não era ruim, melhor que qualquer mercado de Noronha, mas inevitavelmente você se lembra com saudade dos produtos franceses de St Barth.
Passamos dois dias cheios na ilha, visitamos várias praias, nos dois lados da ilha. O nosso problema foi que no primeiro dia fomos à Shoal Bay, a praia mais famosa da ilha. Depois que se visita ela, as outras praias ficam para trás. Não que as outras sejam ruins, muito pelo contrário, dão de dez em muitas praias famosas que tem por aí, mas o sarrafo do Shoal Bay é muito alto.
Shoal Bay é uma praia de areia carbonática branca com um recife na frente que protege a praia e permite realizar mergulho livre para explorar a flora e a fauna marinha. Naturalmente é toda cercada de resorts. Na verdade, o resort mais caro da ilha fica em frente à praia. Mas tem um canto, lado direito, que fica fora do furdunço do resort e preserva um pouco o lado roots da ilha com palmeiras e vegetação.
Mergulhar nessas praias é uma experiência única, não só em Anguilla. Às vezes, não damos nada para praia, mas quando enfiamos a cara para dentro da água, acontece uma explosão de vida, cores e movimentos que parece que você sai de um mundo e entra num outro totalmente diferente. É como se entrasse num conto de fadas onde tartarugas interagem com você e cardumes ficam te rodeando num balé mágico!
Fora da água, no mundo dos homens, vimos que Anguilla também é uma espécie de bolha, onde os ricos vem passar uns dias nos resorts a beira-mar, sem precisar botar os pés na rua.
Como nós fomos num esquema sem resort e visitamos várias praias, conseguimos ter uma visão mais ampla da ilha. É nítido que várias praias são quase exclusivas e outras você simplesmente não consegue acessar porque a praia é privada. Também deu para ver que os locais não frequentam tanto o lado norte, mas sim o lado sul. Em Shoal Bay (lado norte) por exemplo, a maioria é branca, sendo que a 85% da população é formada de negros, afro-descendentes que vieram para ilha trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar no século XVIII.
Conhecer as Antilhas com a minha esposa foi a materialização de um sonho geológico. Preciso confessar que fui picado pelo mosquitinho da areia branca e mar azul-turquesa. Por sorte há centenas de ilhas na região para continuar explorando essas pequenas preciosidades.
Dicas úteis de Anguila:
- Preço da gasolina: US$6,00 o galão (quase o dobro dos Estados Unidos);
- Para dirigir é preciso pagar U$15,00 para tirar uma permissão especial nas locadoras;
- Os limites de velocidade estão em milhas!
- Para entrar e sair da ilha é preciso pagar uma taxa, mais uma!
- Não é permitido fazer topless, muito menos andar pelado nas praias de Anguilla, faça isso nas ilhas francesas!
- Não há um centrinho ou polo gastronômico. Tudo acontece dentro dos resorts;
- Nas três ilhas, as pessoas são bem solícitas com os viajantes. Na dúvida, pergunte!