Arenales – A viagem (Parte 1 de 3)

^ Noite de lua cheia no Cajón de Los Arenales.

A primeira vez que ouvi falar de Los Arenales (Argentina) foi no final dos anos noventa, quando o meu amigo Rodrigo Matzenbacker voltou de lá maravilhado com as excelentes fendas de granito da região. E desde então, Arenales entrou na minha lista dos “must to go”!

A palavra Arenales voltou novamente à minha mente no final do ano passado após voltar da Europa. Dois mil e dezesseis prometia ser um ano difícil para o país, a economia não ia bem, o câmbio andava muito desfavorável e tudo indicava que o cenário não iria mudar tão cedo. Assim, achei que seria uma boa oportunidade para conhecer aquelas fendas de granito que o Rodrigo tanto falava.

Comecei o ano estudando mais sobre Arenales, comprei os dois guias de escalada da região (aqui e aqui) e convidei o escalador gaúcho Rafael Caon para trip. Pré-definimos uma data para o final do ano e nesse ínterim, ainda convidei os escaladores locais Zé Márcio e o Sandro Souza para agregar ao grupo.

O ano passou e a data estipulada começou a chegar perto, assim como a ansiedade de conhecer mais uma nova área de escalada. Na reta final, a agenda do Caon não fechou com o trabalho dele e o Zé teve um problema pessoal e não puderam embarcar nessa. No fim, só sobrou o Sandro e eu.

Assim, no dia 2 de dezembro, nós embarcamos em Vitória rumo aos granitos de Cajón de Los Arenales.

O Sandro é uma figura carimbada por aqui. Já viajei com ele para Yosemite em 2014 e sabia que ele seria a pessoa com a experiência e o conhecimento adequado para uma trip dessa dimensão. E o melhor de tudo: o Sandro é especialista em escalada em chaminé, fenda de meio corpo ou qualquer outro tipo de escalada claustrofóbica! Ou seja, eu estava safo se uma chaminé cabeluda aparecesse na minha frente!

A nossa viagem foi uma saga. Saímos de Vitória, passamos São Paulo e depois Santiago do Chile, onde passamos uma noite de bivaque no aeroporto. No dia seguinte, às 10h30, tomamos um voo para San Juan na Argentina, uma vez que o aeroporto do Mendoza estava fechado para reforma. Em San Juan pegamos um ônibus até Mendoza (150km) e chegamos na cidade por volta das 15h30 de sábado. Devido ao horário da “ciesta” ficamos mofando até às 17h e assim que as lojas abriram, tivemos que sair correndo para comprar todos os suprimentos necessários para as próximas duas semanas. Foi uma luta conseguir comprar tudo antes de as lojas fecharem novamente, pois se algo ficasse pendente, perderíamos um dia de escalada, já que no dia seguinte seria domingo e nada abriria.

Vencida a gincana, comemorarmos a vitória e o início das férias com uma boa cerveja artesanal acompanhada de um churrasco argentino.

Área central de Mendoza.
Sempre muito arborizada Plaza Independencia, Mendoza.
Compras no Mercado Central de Mendoza.

No dia seguinte, às 9h em ponto, o Pablo, amigo do Yagua, já estava em frente ao hotel nos aguardando. Normalmente, as pessoas ainda pegam um ônibus de Mendoza até Tunuyán (135km) e só depois contratam um transporte particular até Arenales, mas como nós tínhamos apenas duas semanas de férias, contratamos o transporte desde Mendoza para ganhar tempo e minimizar o desgaste.

Pé na estrada sob a proteção divina. Rumando ao sul por retas intermináveis.

Em menos de 2h já estávamos em Manzano Historico, último povoado antes de Arenales, onde passamos para uma van que fez o último “tramo” até a entrada do “cajón”.

Dezoito quilômetros depois e após termos feito os tramites burocráticos na guardimeria/aduana de Portinari finalmente fomos largados no início da trilha que leva ao refúgio. Confesso que a sensação de ser largado no meio do nada foi muito estranho. Foi como se eu estivesse saindo da minha zona de conforto. Ver aquela van indo embora foi no mínimo estranho… Pensei: será que ele entendeu que nós vamos voltar na 6a feira? Será que falei o dia semana certo em espanhol? Lunes? Viernes? Martes?Tratei de pensar positivamente e manter a minha mente ocupada com coisas mais importantes, como carregar uma mochila cheia de equipamentos de escalada até o refúgio.

Cena típica por aquelas bandas. Manzano Historico.
Últimos metros para chegar em Arenales, mas antes, uma pequena parada técnica para resfriar um pouco o radiador…

Como estávamos com muito peso, equipo mais comida para duas semanas, tivemos que fazer duas “porteadas”. Embora a trilha tenha apenas um quilometro de extensão, o peso da mochila (30kg), mais a falta de ar (altitude de 2860m) deixaram o trabalho bem desgastante. Para quem mora no nível do mar, uma salto de quase 3km na vertical é literalmente de tirar o fôlego.

Chegamos no refúgio por volta do meio-dia de domingo e logo fomos procurar um local para montar as barracas. Inexplicavelmente a área em torno do refúgio estava lotado de gente. Eu fui para lá na expectativa de encontrar uma meia dúzia de gato pingado escalando, sqn, o pico estava lotado!!! E olha que a temporada oficial começa só em janeiro… Conseguimos um espaço ao lado do refúgio, onde montamos as nossas barracas e depois fomos buscar a segunda leva de carga!

Feito isso, entramos no refúgio para conhecer a fauna de escaladores temporários que estavam na área. Conhecemos um pessoal de Buenos Aires que era majoritário no acampamento; um polonês perdido que tentava falar espanhol; um casal de americanos de Oregon que estava passando um ano sabático pela América do Sul; um casal de canadenses de Squamish; e uns australianos e um neozelandês!!! Ah, de brasileiro conhecemos o rato de Arenales, Paulo de Ribeirão Preto que estava passando a segunda temporada juntamente com o alemão louco Roni!

Noite estrelada, garantia de escalada no dia seguinte!
Lema do refúgio Arenales!
Sandro na nossa cozinha mega organizada, onde tudo precisa ficar suspenso para ficar longe dos roedores…
Patinho na lagoa, ou melhor no rio…

Enquanto o sol não ia embora, fiquei lá fora, curtindo a beleza do Cajón de Los Arenales e tentando entender todas aquelas agulhas num paliteiro do granito que tanto passei estudando durante o ano em fotografias e croquis, mas confesso que, assim de primeira, foi difícil saber quem era quem, pois tudo parecia muito amontoado e confuso. Na verdade só fui entender melhor aquele labirinto de pedra com os passar dos dias.

Assim que o sol se pôs atrás das montanhas, entramos no refúgio e para comemorar a chegada em Arenales fizemos um clássico da culinário de montanha: massa com atum!

Continua…

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