Conhecendo Itatiaia

No último Feriado de Independência, a convite da família Penedo fui conhecer as escaladas na região do Parque Nacional de Itatiaia (RJ).

O Parque Nacional de Itatiaia foi criado em 1937 pelo então presidente Getúlio Vargas, tornando-se o primeiro parque nacional do Brasil. Atualmente, o parque é uma unidade de conservação administrada pelo ICMBio e está dividida em duas partes: a Parte Baixa, onde fica a Mata Atlântica e a sede administrativa; e a Parte Alta, onde estão as principais formações rochosas como o famoso Pico das Agulhas Negras (2791m), considerado por muitos anos como o ponto mais alto do Brasil e conquistado em 19 de dezembro de 1919 pelo suíço Carlos Spierling e por Osvaldo Leal.

As montanhas de Itatiaia tiveram e ainda tem um importante papel na história e desenvolvimento da escalada no Brasil. Embora atualmente não seja um point de escalada da moda, a região do Planalto já teve sua época de ouro no século passado. Atualmente, o local é bastante frequentado por excursionistas e amantes da escalada “velha guarda”.

Sempre tive certo fascínio nessas escaladas clássicas da região, mas nunca tive a oportunidade para conhecê-lo. Em parte por questões logísticas, uma vez que o parque fica a 10h de carro de Vitória, então acaba não valendo a pena ao ter poucos dias de folga.

Mas aí surgiu esse feriado de setembro que acabou calhando com uma boa logística e a “pilha” do Eric que conhece e frequenta a região desde criança.

Primeiro dia

Para o primeiro dia fomos direito para as Prateleiras na companhia da Endy, escaladora local e grande conhecedora da região, além de fera e decotadora das vias!

Para nós que moramos no nível do mar, a caminhada em si já foi a primeira cadena. Confesso que sofri um pouco com a altitude aliado ao cansaço da longa viagem de 10h de carro, mas cheguei vivo nas Prateleiras.

Aproximação.
Chegando nas Prateleiras.
Serra Fina, outra cadeia de montanha que fica ao lado.

Uma vez recomposto no setor, abrimos os trabalhos na “Fissura Natascha” (direita) (VI) e depois fomos para a famosa “Funcionária Solange” (VI) – primeira enfiada – uma belíssima fenda frontal de mão de uns 25m de extensão. Para o Eric era uma pendência antiga a ser resolvida e para mim era a oportunidade de ouro para tentar um à vista e ver como andava minha escalada em fenda. No fim, todos nós batemos as metas estabelecidas e logo em seguida fomos “descansar” os braços na “Calafrio” (VI), famosa fenda de meio-corpo a chaminé que fica ao lado. Para quem sofre nas chaminés expostas do Espírito Santo, a Calafrio foi um presente dos Deuses, porque ela aceita peças do início ao fim. Embora o sofrimento seja o mesmo, foi uma escalada agradável.

Começando os trabalhos na “Natascha” (VI).
Pequeno pardal.
Separando os equipos porque a bronca está logo atrás.
Eric na saída da Funcionária Solange (VI).
Endy na Solange (VI)
Funcionária Solange (VI).
Eric na “Calafrio” (VI).

Depois do “rala rala”, entrei de segundo limpando a via “Carnaval” pela saída original (7a) com a Endy na ponta da corda. Essa sim, já foi bem mais trabalhosa e fiquei na dúvida se eu teria condições de mandá-la à vista, já que até com corda de cima foi bem dura.

Endy na saída crux da Carnaval (7a).
Grampo original da Carnaval.
Carnaval.

Essa viagem serviu também para calibrar um pouco a graduação em fenda. Quando acabamos ficando “ilhados” no Espírito Santo perdemos um pouco a noção e acabamos ficando à mercê.

Itatiaia tem fama de graduação dura, mas ainda acho que algumas vias podem estar descoladas com o grau praticado lá fora, principalmente quando comparado com Indian Creek, por exemplo. As gradações descritas no post são as impressões pessoas, e não a graduação oficial do guia.

Atualmente há dois guias de escalada da região: o guia do Eliseu e Felipe; e o guia dos irmãos Spanner. Como eu estava com o Eric e a Endy, nem abri o guia nesses dias.

Na saideira ainda sobrou um tempo para entrar na clássica “Sexto Sentido” (VI SUP ), uma via em placa numa parede muito estética. Bom lugar para terminar o dia e sair correndo antes do parque fechar.

Escalando a clássica Sexto Sentido (VI SUP). Foto: Endy.

Isso foi uma coisa palha que achei do parque. Há horário para entrar e horário para sair (18h). O problema é que algumas escaladas ficam muito distantes da portaria, consumindo muito tempo para chegar e voltar. Sem contar que o acesso ao parque também é bem ruim, consumindo muito tempo de carro. Nesse dia consegui escalar 5 vias nesse setor em três pessoas, mas para isso tivemos que otimizar o tempo e sair correndo na volta. Todo mundo sabe que a receita para alguma coisa dar errado é fazer tudo às pressas. Com certeza é um ponto que a administração do parque poderia reconsiderar, até por uma questão de segurança.

Entardecer no Itatiaia.

Segundo dia

Para o segundo dia, o Eric reservou uma multi pitch na “Pedra do Registro”. Objetivo do dia: escalar a via “Chocolate com Pandeiro”.

Até aí tudo bem se não fosse a escalada do dia anterior. Acordei totalmente moído. Parecia que a Prateleira tinha caído em cima de mim! A aproximação de 3km, 250m de ganho de elevação por uma trilha relativamente fechada foi quase o crux da escalada. Mesmo saindo tarde para descansar mais um pouco antes da escalada, a caminhada foi bem cansativa (1h de caminhada).

Pedra do Registro.

Iniciamos a escalada por volta das 11h 30, bem tarde para os padrões capixabas, mas era isso ou nem teríamos condições de sair de casa. Nessa empreitada, fomos apenas Eric e eu. Assim entramos revezando as enfiadas, com o Eric pegando as enfiadas ímpares e eu as pares.

Preparando para iniciar a escalada.

A Pedra do Registro é uma parede vertical e imponente que possui muitas vias comprometedoras, mas a “Chocolate” é uma exceção. Via bem protegida e sem exposição. Há quem diga que a via poderia ser em mista. Também concordo que em muitos trechos as chapas poderiam ser substituídas por peças bombas, mas os conquistadores quiseram fazer uma via mais acessível.

Escalamos as 4 enfiadas da via em 3h30. Um tempo razoável para quem estava quebrado.

Eric na saída da 3a enfiada.
Cume!

A escalada em si é ótima. Vertical, imponente e atlética em algumas partes. Se a via fosse no Espírito Santo seria uma das melhores do Estado. Se eu fosse o conquistador teria menos chapas e muito mais peças. Mas enfim, é uma escalada que vale a pena!

Quanto a graduação, na nossa opinião, a ordem seria: VI SUP, V SUP, VI SUP e VI SUP.

Usamos os betas do site Escaladas Clássicas e foram bem úteis. Baixamos o tracklog da aproximação no Wikiloc.

Como fomos no final da temporada a trilha estava seca, mas o Eric falou que a depender da época o trecho final poderá estar uma cachoeira. Como a trilha é pouco acessada, encontramos vários trechos fechados. Talvez seja útil levar um facão.

Terceiro dia

No terceiro dia nós, Eric e eu não éramos nada. Sob condições normais ficaríamos em casa quietinhos, mas estávamos em Itatiaia e tínhamos que aproveitar ao máximo o último dia da trip. Assim voltamos novamente ao parque, dessa vez na Pedra do Couto com a Endy para conhecer a Barabom (8b).

Acessando o parque.

Cheguei no setor mais quebrado ainda. A caminhada de 3km parecia uma escalada ao Everest. Começamos os trabalhos na “Por via das dúvidas”, um quinto bem agradável e tranquilo, mas que para o Eric foi a gota da água para encerrar o dia e a trip. Eu ainda fiz uma cena na Barabom, mas não passei nem do primeiro crux e pendurei a chuteira. Pelo menos a Endy aproveitou o dia, tirou bem a passada do crux da virada do teto e representou a equipe.

Foram três dias intensos, pesados e cansativos, mas no fim acho que valeu cada esforço. Foi muito gratificante conhecer um pico tão importante como o Itatiaia. E o melhor de tudo, acompanhado de pessoas altamente gabaritadas como a Endy e o Eric. Para mim não foram três dias de escalada, foram três dias de aprendizado! Sem dúvida fechei a temporada de tradis 2022 com chave de ouro!

Entardecer no Itatiaia.
Por do Sol no Couto.
Time!

Também não posso deixar de agradecer a Taís e o Davi que me acolheram e permitiram participar da família nos momentos off rock. Além do senhor Penedo, avó do Eric, por compartilhar sua incrível história de vida construindo aviões de madeira.

Serra Fina.

Comentários

4 respostas em “Conhecendo Itatiaia”

Foi irado esses dias com vcs!! Só agradeço, mas já que vc me chamou de decotadora haha, a Natasha é V hein e a Calafrio… eu diria Vsup! Valeu demais e não demorem pra voltar!!

Oia ai, oia ai, hahahahahahah! Assiso embaixo! Obrigado pela parceria e paciência!

Valeu demais a parceria nessa trip japa! Foi cansativa mas foi boa! As portas estão abertas para o retorno!

Bota cansativo! Mas a culpa foi a altitude! Nós moramos a 0m! Kkkkkk

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