Esses dias achei no Acervo da Biblioteca Nacional uma matéria que saiu na revista “A Noite Ilustrada” de 1947 sobre o relato da conquista do Pico do Itabira em Cachoeiro de Itapemirim.
Para quem não sabe, essa conquista marca o início do montanhismo no Espírito Santo, por isso é considerada uma escalada super importante para escalada Capixaba.
Abaixo, transcrevi a matéria e extrai as fotos da época. Caso queira ler o material original, no final do post há um link.
Boa leitura!
Escalada a “Pedra do Itabira”
Cinco montanhistas do Clube Excursionista Rio de Janeiro conseguira, a duras, penas, atingir o cume do majestoso penhasco, um desejo da população de Cachoeiro do Itapemirim que se concretizou.
Em meados de março estava reunido, em sessão ordinária, o Corpo de Guias do Clube Excursionista Rio de Janeiro, em sua sede à rua da Alfândega. Traçavam-se planos de futuras excursões recreativistas e de escalada de montanhas, sport que é praticado pela maioria de associados àquela agremiação. O Sr. Oscar Azambuja Faustino da Silva, presidente do CERJ, compulsava o arquivo fotográfico quando teve a atenção despertada pela foto de um penhasco bizarro. Era do Pico ou Pedra do Itabira, no Estado do Espírito Santo. A ficha respectiva especificava que aquele colosso de granito ainda não havia sido escalado. Sua altitude (do nível do mar) acusava 500 metros e a altura (da base) 300. Aquela massa granítica erguia-se a prumo, a verticalidade de seus paredões impressionava e suas fraldas apresentavam-se despidas de vegetação. Só “gravatás”ali se viam velejando, num soberbo desafia à aridez ambiente. As “chaminés” do Itabira visíveis na fotografia, davam a ideia de que começavam a dezenas de metros de suas fraldas, o que mais viria dificultar sua provável escalada. Ali estava um esplêndido teste a desafiar a coragem, a técnica e o sangue frio de hábeis alpinistas. A fotografia andou de mão em mão e foi minuciosamente examinada. Ali mesmo esboçaram-se planos para a conquista do Pico do Itabira. O entusiasmo pela aventura alpinística empolgou 5 experimentados “lagartixas” cerjenses: Srs Índio do Brasil Luz, Sílvio Joaquim Mendes, Reinaldo Behnken, Júlio Maria de Freitas e Reinaldo Santos. Combinaram esses moços, todos amadores, auxiliares do comércio e da indústria, tirar férias no mês de junho e aproveitar os quinze dias para tentar a proeza. E assim fizeram.
Da parte de seus chefes encontraram a melhor boa vontade para concessão das férias, e no tange à União Brasileira de Excursionismo de Desportes, e a qual é filiado o Clube Excursionista Rio de Janeiro, dela receberam o máximo apoio.
No dia 4 de junho partia para Cachoeiro de Itapemirim a equipe de escaladores do CERJ. Levaram barracas para acampar, material de cozinha, mantimentos e material técnico, compreendendo 150m de cordas, brocas, marretas e grampos de aço. Conduziram, também, uma escada de ferro desmontável, de três metros, idealizado e construído por Sílvio Joaquim Mendes. Da sua eficiência dependia o êxito da escalada. Calculavam ter que grampear mais ou menos 150 metros de paredão para prender as cordas e alcançar a “chaminé”, que começava àquela altura. Onde iriam se apoiar para cravar grampos na rocha, se a inclinação dos paredões era de 70 a 90 graus? Na escada que seria presa aos grampos de aço e com elas avançaria penhasco acima. O engenhoso artifício funcionou admiravelmente.
A chegada a Cachoeiro deu-se no dia imediado, 5 de junho. Acompanhados de Sr. Florisbelo Neves, redator do “Correios do Sul”, jornal da localidade, e do Sr. Dirceu Medeiros, representante do prefeito, foram os rapazes conduzidos até próximo à base do Itabira, onde montaram um acampamento provisório. No dia seguinte, 6, escolheram um local mais apropriado e instalaram o acampamento-base. Logo concluído, Sílvio e Índio saíram para explorar o terreno e traçar a picada que ligaria o acampamento base ao início da escalada, função de que se desincumbiram com êxito.
O desenrolar técnico da escalada
Pelo gráfico que publicamos e lendo a descrição que fazemos, pode-se acompanhar o desenrolar técnico da escalada em detalhes. O dia 6 de junho foi consumido na cuidadosa vistoria de todo material a ser usado na subida. No dia 7, sábado, às 9 horas e 15 minutos, deixavam o acampamento-base Sílvio, Índio e Behnken, e, às 12h, encontraram-se na encosta do penhasco. Ãs 13h22, Sílvio, usando a escada de ferro, conseguia cravar no paredão granítico do Itabira o grampo n. 1. Sílvio e Índio trabalharam arduamente e neste mesmo dia aplicaram mais 6 grampos, tendo Índio voltado ao acampamento-base, instalando Sílvio Mendes e Reinaldo Behnken o acampamento n. 2, onde pernoitaram. No domingo, dia 8 reiniciaram os trabalhos às 7h, conseguindo às 8h05 colocar o oitavo grampo. Índio nesta data ficou como agente de ligação entre o acampamento-base e o local dos trabalhos de escalada. Mais oito pregos foram colocados perfazendo o total de 16. Às 16h15, voltaram ao acampamento n. 1, ali chegando às 16h50 para descasar. No dia seguinte, 9, Sílvio e Behnken retornaram à carga e às 10h57 era colocado o décimo-primeiro prego. Às 14h30, conseguiram cravar o 21o grampo. Desceram, então, ao acampamento para ir à cidade a fim de renovar as pontas das brocas, tendo ficado prontas no dia 10 pela manhã. No dia 11, Sílvio e Behnken deixaram o acampamento-base com mais material técnico. Neste dia colocaram mais seis pregos, ou seja até o número 27. Dai retornaram ao acampamento-base. No dia 12, Sílvio e Índio tonaram à escalada, e conseguiram colocar mais cinco grampos, onde pernoitar no acampamento n.2. Às 8 horas do dia 13, mais quatro pregos eram cravados na rocha. Desceram até o acampamento n. 2 ai ficando Sílvio, e Índio foi para o acampamento-base. Neste momento foi substituído por Reinaldo Behnken, que conduzia mais cordas. No dia 14, Sílvio e Behnken subiram novamente até o último prego colocado (número 36) e conseguiram colocar mais quatro. Dos dias 15 a 17, os montanhistas resolveram descansar e ficaram no acampamento-base, onde foram muito visitados, inclusive pela Rádio de Propaganda da Festa do Cachoeiro. A escalada foi reiniciada no dia 18, tendo então sido instalado o acampamento n. 3. No dia 19 colocaram mais quatro pregos e no dia 20 mais cinco, somando agora um total de 49 pregos. À noite, descansaram no acampamento n. 4. No dia 21, entraram na chaminé pequena, instalando então o acampamento n. 5, ai pernoitando. No dia 22, às 6 horas, reiniciaram a escalada, cravaram mais dois pregos, e às 9h47, alcançavam triunfantes o Pico do Itabira, ai desfraldando a Bandeira Nacional e a flâmula do Clube Excursionista Rio de Janeiro.
Ciente do término da escalada, a população de Cachoeiro festejou ruidosamente o acontecimento.
Um cruzeiro no Pico do Itabira
Vinha de longe o desejo da população de Cachoeiro em instalar um cruzeiro no cume do Itabira. A equipe de alpinistas do CERJ a tal prontificou-se, mas urgia remover um obstáculo. Suas férias estavam vencidas. Disso ciente, o prefeito de Cachoeiro, Sr. Antenor Fraga, telegrafou aos chefes dos rapazes aqui no Rio, pedindo-lhes consentimento para que eles permanecessem em Cachoeiro por mais alguns dias, no que foi atendido.
O promotor Benedito Machado providenciou incontinente a feitura do cruzeiro, que tem seis metros de altura, atravessado por uma haste horizontal de quatro metros.
No dia 24, os escaladores conseguiram levá-lo até o meio do penhasco, onde foram surpreendidos pela chuva. No dia 27, voltaram à carga, deixando-o no cume para instalá-lo no dia seguinte, quando foi iluminado às 21h, com 10 lâmpadas de 60 watts, sendo duas delas equipadas com refletores e alimentadas da base do Itabira por um gerador movido a gasolina, pertencente a uma firma local.
No dia 29, realizou-se a tradicional festa do Cachoeiro Ausente e o cruzeiro iluminado no cume do Itabira oferecia à cidade um belo espetáculo.
Homenagem dos escaladores aos desportistas de Cachoeiro
O esportista Amâncio Silva, residente em Cachoeiro, manifestou desejo de sentir a emoção de uma temerária escalada. Os alpinistas cariocas fizeram-lhe a vontade, conduzindo-o até o cume do Itabira numa homenagem aos desportistas daquela cidade. Aliás, o Sr. Amâncio portou-se com todo o garbo na difícil subida.
Júlio Maria de Freitas e Reinaldo Santos foram fatores decisivos na conquista do Itabira. A eles estava entregue o acampamento-base e tudo providenciaram para que nada faltasse aos outros companheiros de aventura.
Regresso
No dia 4 do mês corrente, regressaram ao Rio os alpinistas cerjences, sendo festivamente recebidos pela diretoria e corpo social do seu clube. A 13, no Bom Retiro, na Floresta da Tijuca, lhes foi oferecido um churrasco, e exaltada a proeza alpinística que praticaram.
A Noite Ilustrada No 961
29/07/1947