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Conquista do Pontãozinho de Castelo

Um dia, enquanto “caçava pedra” no Google Maps, achei uma montanha interessante na região de Alto Chapéu em Castelo. Logo, descobri que se tratava de um “pontão”, um tipo de montanha com “alto valor agregado” entre os montanhistas, porque, em geral, são montanhas com cume virgem e acessível apenas “via escalada”.

Até eu vir morar no Espírito Santo em 2007, não tinha muito interesse, nem conhecimento sobre “cumes virgens”. Aos poucos fui descobrindo que essa história de conquistar “cumes virgens” veio da escola carioca de montanhismo com bastante influência no Estado, pois por muitos anos, aqui foi reduto dos escaladores cariocas que montavam expedições para conquistar as agulhas virgens. Inclusive, nas décadas de 50 e 60 teve uma espécie de “corrida aos cumes virgens” entre os clubes cariocas no ES. O problema é que os cumes virgens são um “bem finito”. Os principais cumes virgens já foram conquistados pelos cariocas, restando apenas alguns perdidos para os escaladores atuais. É claro que ainda há centenas de montanhas virgens, mas em sua grande maioria são acessíveis via caminhada ou são montanhas com pouca expressão geográfica. Neste contexto, os pontões possuem um lugar de destaque na paisagem por se destacar do entorno e atrair o olhar dos mais aventurados.

Pesquisei um pouco mais sobre o pontão e descobri que o DuNada esteve na região com o Taffarel e o Eduardo em 2015, quando na ocasião conquistaram a via “Agulha no palheiro”, numa montanha anexa. Também vi que o Zé Márcio e o Amaral estiveram na região em 2010 quando conquistaram a via “Fiote de Lagarto” num totem anexo.

Mas a grande pergunta era: porque todos eles foram até a montanha, mas nunca subiram o pontão maior? Será que já tinha sido conquistado? Será que há um acesso via caminhada, por isso o desinteresse? Por que um pontão tão expressivo continuaria virgem em pleno século XXI?

Durante a Abertura da Temporada de Escalada desde ano, enquanto fazíamos o churrasco no Abrigo de Apeninos, DuNada e eu conversamos sobre o tal pontão e ele me falou que já tinha ido até o colo da montanha subindo por uma grande grota. Garantiu que não viu nenhum grampo ou possibilidade de acesso ao cume caminhando. E que provavelmente o cume seria virgem. Destacou ainda que a pedra era bem vertical, sem uma linha natural óbvia que pudesse levar ao cume em livre. Por isso, para acessar seria necessário conquistar uma via em artificial.

Toda essa história e a possibilidade de ser um cume virgem atiçaram o meu lado “escalada aventura” e logo pré-agendamos uma investida para o último sábado.

A conquista

No último sábado, dia 20 de maio, sai de Vitória rumo a cidade de Castelo às 4h30 da manhã. A ideia era encontrar o DuNada e o Brunoro em Castelo e fazer o ataque ao pontão num esquema de bate volta ao melhor estilo fast and light. O Brunoro é um professor aposentado que está vivendo a vida que eu queria em Cachoeiro de Itapemirim. Já é uma pessoa de idade, mas possui um vigor físico e disposição acima da média, deixando muito “garotão” por aí “comendo poeira”. Além disso, ele é fã de carteirinha dessas roubadas. Eu já dividi algumas montanhas com ele e sabia que a presença dele ajudaria a engrossar o caldo da equipe.

Professor Brunoro.

A acesso à montanha foi relativamente fácil, pois o DuNada ainda se lembrava do caminho. Deixamos os carros na última casa, antes de a estrada acabar de vez e contemplei pela primeira vez a montanha ao vivo. Se o DuNada não me garantisse que seria possível chegar caminhando até o colo do pontão com a montanha anexa ao lado, eu duvidaria da possibilidade de chegar lá caminhado, pois o desnível era expressivo.

Pontãozinho de Castelo visto da última casa antes da trilha. Foto: Brunoro.

Levantei o drone para fazer um reconhecimento e logo vi que o desnível seria na ordem de uns 400m até o colo. Do colo até o cume estimei 100m de parede vertical e que a melhor face para o ataque seria pela face norte, aproveitando um pequeno sistema de fendas na parte inicial. Depois, a conquista seria provavelmente em furo de cliff pela inclinação e tipo de rocha.

Chegamos na última casa por volta das 8h30 da amanhã após um longo trecho de offroad para ganhar uns 400m de desnível. Separamos o material de conquista e iniciamos a longa caminhada. A caminhada foi em aclive constante por uma trilha de boi até ganhar o último pasto, depois tivemos que entrar na mata virgem para ganhar a base da grande grota que separa o pontão da montanha ao lado. Assim que entramos na grota, a trilha ficou mais inclinada e a caminhada virou uma escalaminhada exaustiva. Por sorte a grota ficava protegida do Sol e a temperatura estava bem agradável. Nesse dia, o Estado estava registrando o dia mais frio do ano. Mais cedo, quando passei pela região de Pedra Azul, o termômetro do carro estava marcando 9oC às 6h da manhã.

Caminhada pela mata.

A caminhada até o colo nos custou 2h de esforço. Subimos num ritmo tranquilo, com várias paradas. Acho que a parte mais complicada foi abrir a mata e ir memorizando o caminho de volta, pois sabíamos que uma descida no escuro por ali seria roubada na certa. Dentro da mata, a paisagem é muito semelhante e difícil de se orientar até mesmo de dia.

Assim que chegamos no colo, observamos que a parede deveria ter uns 50m e não 100m. Também vi que o diedro inicial aceitava bem as peças que tínhamos levados e o trecho final parecia “passável” em livre. O único problema era que a parede ficava ao Sol e mesmo com a temperatura mais amena fritava. Além disso, devido à baixa umidade sentimos mais sede que o normal.

Pontãozinho de Castelo a partir do colo.

Iniciei a conquista por volta das 11h. Uma pequena travessia me levou a uma parede negativa e lisa que venci em A0 batendo duas chapas. Depois entrei no diedro que passei em A1 até a fenda sumir na vegetação. Dali para cima subi do jeito que deu até chegar num buraco infestado de formiga que tentaram me devorar vivo, para o deleito dos espectadores! Num ato de desespero fiz uma travessia à esquerda em livre para me afastar o mais rápido possível das formigas e bati uma chapa na base do trecho mais vertical da parede.

Conquistando a 1a enfiada da via. Foto: Brunoro.
No trecho em artificial da 1a enfiada. Foto: Brunoro.

Ali “joguei a toalha” e pedi para o DuNada tocar o próximo trecho em artificial de cliff. Até então tinha conquistado menos de 20m de via e estava bem cansado devido ao calor e do esforço para fugir das formigas.

Trocamos as pontas e o DuNada subiu para dar continuidade a conquista. Ele ganhou 2 furos de cliff e bateu uma chapa. Depois, fez mais 3 furos e uma chapa. Ai a bateria dele também arriou e desceu falando que dali para cima daria para eu ir em livre. Para tentar ferir o meu orgulho e me provocar desceu falando que já tinha visto eu conquistar coisas mais difíceis em livre.

Subi novamente para ver o tal trecho escalável e logo notei que não iria sair de graça, mas como não tinha mais formigas, pude escalar com mais calma e ir ganhando terreno até chegar no cume, mas sem antes bater mais três chapas.

Cheguei no cume às 15h e chamei os dois para cima. Às 15h30 todos nós estávamos no cume para contemplar a incrível vista da região com destaque para vista completa da cadeia de montanhas do Forno Grande.

Complexo granítico do Forno Grande com a Pedra Azul à esquerda.
Cume!

Tiramos umas fotos e antes de descer varremos o cume em buscar de indícios de presença humana.

Daria para ficar mais tempo no cume, mas pelo adiantado da hora tínhamos que descer quanto antes.

Chegamos na base da via em 2 rapeis e logo iniciamos a descida. Por sorte, a descida foi tranquila e em 1h conseguimos chegar no pasto limpo ainda com um pouco de luz. Sem dúvida, se tivéssemos que descer à noite na mata estaríamos em apuros.

Tenho a plena convicção de que essa via não será repetida em breve. Talvez nunca seja repetida por todo contexto envolvido. Inclusive tenho pensando muito sobre isso nos últimos tempos. No início, sempre conquistava as vias pensando nas futuras repetições, melhorando as proteções e inclusive divulgando com bastante detalhe as conquistas, ver este blog, mas depois de quase 15 anos, começo a concluir que eu estava errado quanto a isso.

De qualquer forma, posso dizer que essa é uma escalada à moda antiga, para quem gosta de longas caminhadas, bons perrengues na mata e uma escalada variada c0m bons lances em aderência. E posso garantir que a vista do cume vale todo esforço!

Agradecimento ao DuNada por me acompanhar em mais uma empreitada e obrigado ao velho Brunoro que sempre está na disposição e motivado para esses tipos de roubada!

Mais betas sobre a via, aqui!

Comentários

12 respostas em “Conquista do Pontãozinho de Castelo”

Reclamando que a formiguinha mordeu seu pezinho… para de chororô!! kkkk Trip raiz, foi massa demais!! Também agradeço a vcs dois pela oportunidade de escalarmos juntos, foi um estimulo muito bom para que eu retorne as montanhas. Valeu rapaziada!!

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