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Escalada “épica” (Parte 4 da série Bari Roadtrip 2009)

Amanhecer no Frey com a Agulha Prince ao fundo.

Diferente da escalada esportiva e do bouldering, a escalada tradicional é um prato cheio para grandes histórias, seja na literatura, seja numa roda entre amigos num bar qualquer. Com um pouco de exagero, adjetivos superlativos, gestos típicos de um escalador narrando um movimento, a escalada tradicional sempre é contada com grandes roubadas, atos de coragem e heroísmo.

Embora não seja o meu chão, vou tentar me aventurar nesse ramo e tentar contar com um pouco de espírito literário de montanha, a aventura pela famosa face norte da Agulha Prince no Frey (viram a dramaticidade?)

Antes de tudo: Segundo meus planos originais, durante as 3 semanas na Argentina pretendia conhecer a maior quantidade possível de áreas de escalada na região de Bariloche e isso incluía subir para o Frey. Só que 2 semanas antes da trip, consegui torcer o pé fazendo boulder, colocando abaixo todas as minhas possibilidades de subir ao Frey. Para quem não conhece, para chegar ao Frey tem uma aproximação de aproximadamente 4h de caminhada.

Como sou bastante otimista, até demais, fui para Bariloche e ao longo das semanas fui monitorando o meu pé para ver se realmente daria para subir ao Frey. Fiz alguns testes, trekkings mais duros, aproximações horrendas e vi que “rolaria” subir. E assim, aos 45 do segundo tempo, subi com o Guia Roubada, a.k.a Rodrigo, para o Frey e fechar as férias com chave de ouro (ou ouro branco…).

Usamos o primeiro dia para a aproximação. Levamos 5h para subir, sem pressa e sem compromisso. No segundo dia, escalamos por ali mesmo, na Agulha Frey. Entramos na clássica Sifuentes-Weber (4 enfiadas, 5+ (FR)) e na Diedro+Fissura Jim (FR 5+). Para mim foi uma ótima oportunidade para relembrar como se usava um friend e dar uma calibrada no olho clínico para os nuts.

Para o dia seguinte,  o Rodrigo propôs tentar a Agulha Prince, a agulha que mais se destaca na região do Frey. Para mim estava tudo bem, a via seria fácil (a Normal), o pico estava ali, tão pertinho (pura ilusão) e o tempo estava bom (pura ilusão novamente). Acordamos cedo, fizemos umas fotos e partimos para a base da agulha pelo filo (colo). Levamos 3h para chegar até a base (muitas paradas para foto, perdidas pela trilha, neve, guia roubada nos metendo em roubada…). Quando chegamos na base da via, mortos e exaustos quase soltei a frase: Ta, agora que chegamos aqui, podemos voltar?

Aproximação com a Prince ao fundo.

Fizemos um lanche rápido e começamos a escalada. Já na base da via dava para ouvir o som do vento e tudo indicava que o tempo estava virando rapidinho. Se quiséssemos subir a agulha, teríamos que subir e descer rápido (Uhau!!!). O Rodrigo mandou a 1a enfiada e quando cheguei no final da 1a enfiada já senti o drama: vento e frio!!! Para não perder o embalo, e parar muito para pensar o que estávamos fazendo ai, entrei na 2a enfiada (o filé) e subi tratorando o mais rápido possível. Cheguei ofegante e adrenado na P2. Chamei o Rodrigo e ele colou direto na 3a enfiada. Acabamos entrando na fenda errada e ele passou por bons apertos para fechar a enfiada. Nesse  momento estava morrendo de frio na parada. Tava com 2 calças, uma segunda pele, um soft shell, uma jaqueta de pena, luva e gorro!!!! Um frio de renguear cusco e pensando: porque ele não sobe logo!!!

Colei na P3 e começamos a ficar preocupados. O refugeiro nos disse que a via de rapel seria pela Normal com uma corda de 60m , ou seja, por essa via. Notamos que a P1 era em móvel e que a segunda enfiada parecia ser maior que 30m. Vimos inclusive um par de piton velho equalizado (!!!!) para rapel no meio da enfiada. E agora, descobrimos que a P3 também era em móvel…

Deixamos para pensar nisso depois e entrei voando na última enfiada em placa. Graças a 6 meses de escalada em aderência no Rio, consegui sair esmerilhando até o cume. Chegamos no cume, fizemos umas foto-clichês e começamos a descer. Afinal de conta, estávamos apenas na metade do caminho (sempre tem essa frase nessas histórias). Por sorte, durante a descida fomos achando as paradas e fomos descendo com certa tranquilidade (tirando o vento e a chuva que se aproximavam…). E a enfiada 2 que achávamos que tivesse mais 30m tinha na verdade uns 33m.  Ai, foi só dar uma desescalada básica no final e já era.

Foto-clichê no cume da Prince. Foto: Rodrigo M.

A primeira enfiada, um 3o grau, descescalamos em francesa para ganhar tempo e não correr o risco de ver a corda prender em algum bico de pedra. Durante essa descida, num momento de desatenção, aliado ao cansaço, vento forte e desequilíbrio acabei caindo de cara uns 2m entre as pedras. Na hora pensei: quebrei alguma coisa! Na mesma hora me levantei e vi que estava tudo tranquilo e continuei descendo com a atenção redobrada e pensando no acontecido… Poxa, nunca cai num 3o grau minha vida… Vida traiçoeira… (Parágrafo onde o autor quase morre também é clichê nos clássicos alpinos!)

Chegamos na base sãs (não sei o que é sã, mas….) e salvos. Comemos o resto do sanduba e descemos correndo, ou melhor de “ski bunda” até o refúgio antes que a tempestade nos pegasse (Está bem, não era bem uma tempestade, era chuva com ventos…).

Devorando o sanduba depois da escalada e antes da longa caminhada de volta.

Assim que chegamos no refúgio, a chuva chegou de vez, mas a essa altura estava todo encharcado da sessão de ski bunda. Por isso, para mim não tinha menor diferença… E como não levei roupa seca para o Frey para poupar peso, fiquei molhado mesmo, esperando secar com o vento (quanta idiotice…).

Esperamos a tempestade de vento e chuva passar dentro da barraca (estávamos lá dentro fazendo peso para a barraca não sair voando), fizemos uma reposição de carboidratos (cozinhamos…) e capotei no saco de dormir… Zzzzzzzzzz……

Aproximação para a Ag. Prince. (Não é essa que está ao fundo!)

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2 respostas em “Escalada “épica” (Parte 4 da série Bari Roadtrip 2009)”

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