Roubadinha de domingo

 

Gillan na 1a enfiada da Diamante de Mendigo.

O final de semana estava quase se encaminhando para ser bem tranquilo, até que… No domingo à tarde tivemos, eu e o Gillan, a “incrível” ideia de entrar na via Diamante de Mendigo em Guarapari. Essa era uma via que eu queria entrar a algum tempo, pois desde que vim morar em Vitória (2007) sempre ouvia histórias “interessantes”.

Como estamos no auge do verão resolvemos atacar a via usando uma tática um pouco arriscada: subir rápido, leve e no meio da tarde para fugir do sol! Isso implicaria em fazer tudo muito bem sincronizado e cronometrado sob o risco de não chegar no cume com luz.

Estudamos o croqui, fizemos alguns cálculos e concluímos que saindo às 11h de Vitória daria tempo para fazer tudo ainda de dia.

Primeiro contratempo: No caminho, num momento de descontração, acabamos indo para o lado errado e só nos demos conta depois de uns 20 minutos, quase chegando em Viana… Ou seja, perdemos preciosos 40 minutos nessa brincadeira. Refeito o erro, chegamos atrasados  em relação ao programado, mas como tínhamos colocado uma gordura no cronograma, ainda estávamos no jogo.

Segundo contratempo: no croqui da ACE, o tempo de aproximação está “1/2 hora” de caminhada. Eu entendi 30min de caminhada. Mas na verdade significa uma a duas horas de caminhada!!!! Ai nos ferramos! Como nos perdemos um pouco na trilha, acabamos levando 2h até a base da via! Agora sim, estávamos atrasados em relação ao cronograma em 1h30!

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Pedra do Iguape. Sol estava trincando, mas a sombra estava, aos poucos, chegando na via.

O certo seria desistir ali mesmo e abortar a missão, mas como o croqui dizia que a via era um 4a grau com trechos de 3o, consideramos que ainda seria possível fechar a via em 3h, incluindo a descida.

Só que para a nossa surpresa, o 4o grau não se mostrou bem um 4o e o E2 não era bem um E2. A via se mostrou um pouco mais dura do que imaginávamos e o nosso progresso se tornou mais moroso.

Já na primeira enfiada, que era para ser fácil, o progresso foi trabalhoso por causa da dificuldade e do comprometimento necessário. Na segunda enfiada, que era um outro “40 grau” coube a mim descobrir onde ficava o primeiro grampo escondido depois da parada. Depois de achar o grampo, eu vi que tinha um esticão, um trecho de trepa musgo, uma fenda para móvel e depois um lance em negativo para ganhar um platô. 4o grau estranho… Quando cheguei nos matinhos, por causa da seca de quase 50 dias, os musgos estavam bem sequinhos!!! Lá pelas tantas estava com um pé em cada musgo, abraçando um terceiro e olhando fixamente para a fenda a meio metro de mim. De repente, senti que o pé direito cedeu. Fiz de conta que não era nada e tratei de “montar” rapidinho no musgo que estava abraçado para alcançar a fenda. Coloquei uma peça de qualquer jeito na fenda e assim que passei a corda, o musgo grande cedeu totalmente!!!! Ainda com o coração na boca tive que fazer a viradinha de “4o” para conseguir finalmente chegar na P2.

A terceira enfiada é um divisor de água, porque é uma travessia de uns 50m. Ou desce dali ou corre o risco de ficar preso na pedra. Quem não conhece a famosa história da Travessia Hinterstoisser do Eiger?!

Ok, não era tão dramático assim, mas travessias são travessias e precisam ser respeitadas. O Gillan assumiu novamente a ponta da corda e esticou mais 50m até o final da travessia. Quando cheguei na P3 sabíamos que estávamos ferrados, agora era cume ou ter que encarar a travessia de volta para descer pela via.

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Perdidos… Obrigado GPS!

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Travessia da 3a enfiada.

Sabia que a quarta enfiada seria o crux da via. A essa altura, eu já estava calejado do 40 grau e sabia que a próxima enfiada de “4o” não seria “4o” nem aqui, nem na China. Passei a enfiada o mais rápido que pude para conseguir terminar a via com luz. Cheguei na P4 e quando olhei para a última enfiada vi que a coisa ia encrespar. O Gillan assumiu a ponta novamente e já com o headlamp se lançou no mar de bromélias para achar o grampo perdido. Depois de uns 8m, ele achou que seria muito perigoso e assumi a ponta. A essa hora estava totalmente escuro e também achei que seria arriscado demais me lançar parede acima sem saber bem a linha e os grampos.

Confesso que nessa hora cheguei a olhar de cantinho para um pequeno platô e considerei a possibilidade de dormir por ali mesmo, mas resolvemos encarar a descida. A ideia de ter que descer uma via com travessia usando apenas uma corda de 60m não era nada agradável, ainda mais porque teríamos que fazer uma série de rapeis em grampo único!

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Gillan na última enfiada, já de headlamp, tentando achar o 1o grampo em meio as bromélias.

A travessia que seria o crux conseguimos passar com certa tranquilidade e após 1 hora de tensão finalmente chegamos no chão. Mas ainda faltava a trilha que nos perdemos na vinda e agora teríamos que encara-la a noite, no escuro. Por sorte, acabamos achando um “atalho”, conseguimos chegar no carro com certa facilidade e por volta das 20h30 estávamos voltando para Vitória.

Embora não tenhamos chegado no final da via e apesar dos pesares foi um experiência muito enriquecedora, um excelente aprendizado sobre saber desistir na hora certa. E o mais importante, nunca ir até o limite porque pode não ter volta.

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Em algum lugar da “trilha” tentando achar o caminho de volta.

Special thanks ao Gillan que mandou muito bem as enfiadas “faca na caveira”! Valeu man! Agora temos que voltar lá para recuperar o meu nut!

Croqui

As graduações foram atualizadas com base no padrão médio de dificuldade encontrado no Espírito Santo.

2015.03.09_Mendigo1

1a enfiada – 55m – Essa enfiada é toda em grampo. O primeiro grampo é visível do chão, já o segundo não. O crux fica logo depois do 1o grampo num esticão em aderência onde não pode cair porque corre o risco de bater no chão. Depois a via vai facilitando até a parada (dupla). No croqui parece que a linha segue em diagonal à direita, mas a linha é em vertical.

2a enfiada – 30m – O primeiro grampo fica um pouco escondido, mas está à direita da parada. Não confundir com um grampo fora da via que serve apenas para o rapel. Após o grampo, o lance vai em direção a um negativo onde é obrigatório colocar algumas peças para proteger o lance crux da enfiada (a virada) – Vo SUP. Há espaço para Camalot #2, #3, #4 ou equivalente. A parada fica logo acima, depois do platô, em grampo simples, mas é possível backupear com mais duas peças (#.4, #.5 #,75).

3a enfiada – 50m – Travessia à direita. No início pode proteger em móvel, mas não é obrigatório. O segundo grampo da travessia está mais para baixo (o segundo da cordada fica mais exposto nesse trecho). O crux fica no começo da enfiada, depois ela fica bem mais fácil. Parada simples em grampo que pode ser backupeada com um nut médio.

4a enfiada – 30m – Continua a travessia até um grampo para fazer uma virada mais técnica e aérea para depois entrar em uma canaleta bem protegida. Esse é o trecho mais vertical da via. Depois da canaleta, sair à esquerda e esticar até a parada (dupla) – um pouco exposto.

5a enfiada – 40m – A linha segue pela direita por um trecho com muitas bromélias. Depois do segundo grampo há um esticão até uma parada natural em árvore.

Descida – O melhor jeito é descer caminhando pelo cume via costão que fica à esquerda. Se tiver que descer da via, com uma corda de 60m é possível de descer, mas com duas cordas é bem melhor. Vários rapeis são em grampo simples! Na travessia da 3a enfiada é possível descer da P3 até o grampo simples que fica fora da via em um rapel de 30m.

Dicas

  • A pedra fica nos fundos de pelo menos 3 propriedades. Se o acesso for negado em uma das propriedades, tente falar com o vizinho ao lado;
  • A depender de onde acessar, a aproximação pode durar de 1 a 2 horas de caminhada (puxada em aclive constante);
  • A via fica voltada para a face leste. No verão, fica na sombra à tarde;
  • Todos os grampos são de aço comum com palheta de alumínio calçando o furo (atenção à corrosão galvânica). Muito cuidado!!!!
  • Sempre usar móveis para duplicar as paradas (P2 e P3).

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