Achamos o Pote de Ouro

Quando vamos para o interior do estado é bem frequente ouvir histórias de tesouro escondido. Ouro escondido no buraco das pedras; ouro esquecido pelos jesuítas; pedra que brilha no escuro e tudo mais. De fato, o Espírito Santo foi um estado bem rico em pedras preciosas. No passado tivemos um pequeno “ciclo do ouro” ou até mesmo um boom das águas marinhas na região de Itarana, por exemplo. É claro que todas essas histórias nutrem o imaginário popular, pois todo mundo quer encontrar o “bilhete premiado”.

Para nós escaladores, o “ouro” está nas pedras, montanhas e picos que subimos, mas mesmo assim sempre buscamos o cristal mais brilhoso no meio de tantas outras montanhas. Numa metáfora, nós escaladores também não deixamos de ser um garimpeiro das montanhas em busca da “linha perfeita”.

Numa conquista, o processo de garimpo começa muito antes de sair de casa. O Google Maps é uma excelente ferramenta para direcionar a “exploração”. Nesse sentido, esses dias fiquei olhando a região de Pancas e observei que entre o distrito de Laginha e a cidade de Águia Branca há muita pedra, mas nenhuma via. A última via conquistada fica na Pedra da Mula e depois só tem na Pedra Torta, já em Águia Branca e nesse meio do caminho há uma infinidade de montanhas com algum potencial.

Após cruzar algumas informações cheguei em 4 alvos nessa região. A etapa seguinte foi ir a campo fazer o check. Para isso convidei novamente o Iury para esse rolê em busca do pote de ouro.

Entramos na região pelo norte e viemos descendo em direção a Laginha varrendo as montanhas. O 1o ponto não se mostrou interessante. O segundo nem fomos porque o 1o deu ruim. O terceiro não era nada. No quarto e mais promissor descobrimos que não era um cume virgem. Um morador local nos contou que já subiu “caminhando” pelo outro lado.

Exaurida as opções, começamos a voltar a Laginha descendo por uma serra sem vergonha. Por sorte a estrada estava boa e deu para passar sem muito sufoco. Assim que descemos a serra e chegamos no vale vimos um totem à direita. Na hora lembrei do totem da Pedra da Fortaleza em Nova Venécia, onde os escaladores do Paraná conquistaram a via “A Resistência”. Era um totem bem estreito, de uns 20m de largura por uns 100m de altura, encostado numa montanha maior de uns 300m. Parecia um sonho!

A tal pedra com seu totem fininho.

Extasiados jogamos o carro no acostamento e começamos a estudar a pedra. Dessa vez usei o drone para fazer uma varredura mais completa. Fotografando todos os detalhes e o mais importante, estudando a base do totem, pois de onde estávamos não estava claro se o totem tocava no chão.

Usando o drone para estudar a pedra.
Explorando a região.

A imagem do drone mostrou que o totem não chegava até o chão. Ele fica a uns 50m da base. Esse foi o nosso primeiro ponto de preocupação, pois a pedra era bem inclinada e caso não tivesse agarras nesses primeiros metros teríamos que abrir em artificial, algo que não desejava. Já a parte do totem parecia uma miriade de fendas de todos os tamanhos. Tipo um “buffet livre de fenda”. Vimos pelos menos 3 opções. Duas pelas bordas e uma pelo dorso, com possibilidade de fazer pequenas variantes.

Entardecer na região de Três Pontões de Pancas. O ponto culminante da direita descobrimos que não era virgem.

Em meio ao momento de euforia encontramos o dono das terras, o Sr. Frederico, passando na estrada e logo falamos das nossas intenções. Prontamente o Sr. Frederico nos indicou o melhor caminho para subir a pedra, pelo outro lado da montanha. Agradecemos à oferta e explicamos que queríamos subir pela frente, pelo rachado, usando corda! Ele ficou um pouco incrédulo, deu um sorriso de canto, mas deu as boas-vindas.

No dia seguinte, acordamos cedo no camping do Fabinho em Córrego Palmital e iniciamos a peregrinação. Do camping até a pedra são 30 minutos de carro por uma estrada boa, parte asfalto e o restante em terra. Chegamos na base do cafezal e iniciamos a aproximação. Subimos uns 50m e de repente começamos a ouvir a chuva descendo o vale. Olhamos em volta e o tempo começou a fechar e chuva!!!! Não deu nem tempo de voltar para o carro. Jogamos as mochilas num canto, pegamos o anorak e ficamos ali, incrédulos…

Café da manhã no camping.
– Vamos tirar uma foto do antes!

A chuva não demorou mais do que 5 minutos, mas foi o suficiente para molhar a pedra. Sem muita opção, resolvemos fazer a aproximação para resolver a dúvida dos metros iniciais. Subimos leve, apenas abrindo a trilha.

Chegamos na base e logo descobrimos que a rocha não a mesma de Pancas. Nessa parte, a rocha é mais heterogênea com muitas bandas. Em outras palavras: tinha muita agarra!!!! Mesmo os metros iniciais sendo mais inclinado, com a quantidade de agarras, seria muito fácil chegar até a base do totem.

Naturalmente a água ainda escorria na pedra, então resolvemos descer até o carro e esperar a pedra secar.

Por sorte e azar ao mesmo tempo, o totem fica voltado para sudeste com sombra o dia inteiro no inverno. Talvez pegue um pouco de Sol pela manhã. Por isso, a pedra custou a secar minimamente.

Por volta das 11h, com o tempo firme, subimos com todo material para pelo menos dar início a conquista.

Abri os trabalhos ainda com a pedra úmida. O lance de IV ficou com cara de VI, mas deu para progredir bem. Bati uma chapa no início e depois entrei em móvel, enquanto o Iury ficava na minha segue apreensivo.

Progredi bem pelas lacas até a fenda ficar cega. Como tinha mais agarra por fora, sai das fendas e segui pela face da pedra onde bati mais duas chapas e logo depois ganhei o platô onde estabeleci a P1 após esticar 60m de corda.

O Iury veio subindo de segundo e como a pedra já estava mais seca, resolvemos abrir mais uma enfiada antes de descer. A segunda enfiada é a enfiada que leva ao totem de fato. Uma pequena travessia me levou a borda direita do totem. Poderia subir eternamente pela borda, mas sabia que o filé estava no dorso. Eu só tinha que passar para lá. Subi alguns metros pelo diedro e na primeira oportunidade virei para o dorso onde estabeleci a P2.

Tentando ganhar o dorso do totem.

Dali descemos porque já estava relativamente tarde e resolvemos deixar a sequência para o dia seguinte. Como não tínhamos corda extra, desequipamos toda via, nem deixamos a 1a enfiada equipada, pois a via estava tão boa que seria um desperdício não repeti-la no dia seguinte.

No dia seguinte repetimos o processo. Dessa vez chegamos um pouco mais tarde. Subimos leve porque deixamos tudo na base no dia anterior. Equipei me para repetir a primeira enfiada e assim que cheguei na 1a chapa ouvi um som bem familiar. Olhei para trás e vi o tempo se fechar rapidamente. Fiquei sem reação por uns segundos até a chuva me pegar de verdade.

Nós não estávamos acreditando! Outra chuva? Dessa vez a chuva foi mais forte e molhou de jeito a pedra. Sem muita opção, ficamos ali esperando a chuva passar. Assim como no dia anterior, a chuva não demorou a passar e logo o tempo começou a firmar. Ficamos na base da via umas 2h esperando a rocha “secar”. Por volta das 11h ainda com a rocha molhada, repeti a 1a enfiada. Como eu já conhecia a enfiada, me senti confiante para ir subindo.

Não muito feliz…

Cheguei na P1 com muitas dúvidas sobre seguir. Na segunda enfiada tem uma travessia estranha em agarra onde não é legal cair. A sensação que se tem é que, em caso de queda, a corda irá cortar na aresta da pedra.

Ficamos ali mais um tempo esperando secar a pedra. Tempo depois repeti a 2a enfiada que já estava mais seca. O Iury subiu jumareando a enfiada e nos preparamos para o filé da via, a terceira enfiada.

A terceira enfiada começa numa fenda estreita e logo ganha uma fenda frontal “estrelar” de mão numa parede vertical, onde dá para ver a base da via lá embaixo. A fenda deve ter uns 10m, mas vale cada movimento. Ela é tão perfeita que nem precisaria proteger, apenas escalar desejando que nunca acabe. Mas ela acaba! E acaba para entrar numa chaminé estreita… Não existe almoço grátis.

A chaminé vai bem. Não é exposta e logo acima, numa árvore, estabeleci a P3.

Curtindo o filé da via.
Iury na 3a enfiada.
Saboreando a verticalidade.

Dali já dava para ver o final do totem, marcado por um grande bloco entalado. Esperei o Iury subir e toquei os metros finais para ganhar o cume do totem. Dali para cima daria para seguir pela face, mas sabia que alguns metros depois todas as agarras do mundo iriam sumir, porque a rocha muda. De longa é possível ver uma faixa horizontal na pedra que marca essa mudança. Ainda carece de estudos, mas geologicamente é uma feição muito importante e rara de se observar.

De qualquer forma, pelo horário resolvemos encerrar a conquista por ali e iniciamos a descida. Na descida, ainda batemos uma parada extra para poder escalar toda via com apenas uma corda. Assim, para repetir a via é preciso 2 jogos de Camalot do #.3 ao #4, mais um #5 e uma corda de 60m.

Foto no cume do totem.

Somos muito suspeito para falar qualquer coisa, mas o nosso consenso é de que essa seja a via em móvel mais bonita de Pancas e sem dúvida, uma das melhores do estado.

A ideia é no futuro voltar ao totem e conquistar outras linhas paralelas, talvez pela esquerda ou ainda pela direita. E quem sabe não achar ânimo, ou ser atraído pelo canto da sereia, para tocar até o cume.

Os meandros do Rio Pancas.

Comentários

5 respostas em “Achamos o Pote de Ouro”

Bacana cara. Boa sorte!
Tu tem a localização da base da via? Não entendi ao certo qual montanha que era.

Parabéns Naoki!
Via linda!
Na próxima vez que for em Pancas vou nessa com certeza.
No video você comentou que no final da via a pedra muda e as agarras devem sumir.
Mas e aquele diedrão indo pra direita acima da última parada? Não daria pra subir em oposição ou chaminé?
A via ficaria ainda mais bonita com esse trecho.

Sim! Tem aquele golinho final. Fiquei na dúvida mesmo. Fiz a mesma pergunta, mas certamente nao irei resistir e voltarei p tentar o cume. Vai que tenha agarra!

O pote de ouro e real e estava aí todo esse tempo!! Irado demais obrigado o convite Japa, tmj.

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