Alpes 2015 – Val di Mello (little Yosemite) – Itália (Parte 3 de 4)

Depois de escalarmos na região de Grimsel, o nosso plano, carinhosamente apelidado pelo Murilo de “Hero Plan”, era partir para Salbitschijen (2981m), mas por causa do frio e da neve nas partes altas, abortamos a ideia e partimos para o plano… Ah, sei lá…

O Murilo lembrou de uma via chamada “Luna Nascente” que fica em Val di Mello na Itália. Essa via foi considerada pelo site UK Climbing como umas das melhores vias da Europa.

Eu não sabia nem onde ficava Val di Mello, não tinha a menor ideia sobre o lugar e o Murilo só sabia que essa via era massa! Então fomos fazer uma rápida pesquisa na internet para descobrir mais betas sobre esse lugar.

De cara descobrimos que o lugar é também conhecido como “little Yosemite” em alusão ao mais famoso vale de granito do mundo. Bom começo! Também descobrimos que a região ficava numa área relativamente mais baixa, 1200m. Ou seja, abaixo da linha de neve de 1500m.

Tentei colocar no GPS o local, mas sem sucesso. Tentei procurar algumas cidades nos arredores e nada de o GPS encontrar. A única cidade que consegui lançar foi a cidade de Morbegno que fica a uns 20km do vale.

Mais uma vez resolvemos ir no modo “ver pra crer” e pegamos a estrada.

Chegamos em Morbegno e nada de Val di Mello. Quando estávamos quase deixando a cidade, achamos um outlet de escalada! Bingo! Fomos pedir informações e tentar achar o guia de escalada da região, já que não tínhamos nem o croqui da via… Infelizmente a loja não tinha o guia, mas as atendentes nos orientaram a procurar uma loja que ficava no centro da cidade.

Na lojinha do centro conseguimos encontrar o guia que explicava como chegar na região e assim conseguimos chegar no “Val”.

Cheguei no vale sem ter a menor ideia do que iria encontrar lá, mas assim que chegamos a primeira impressão que tivemos foi um “uhau!!! Que isso?!!” Realmente,  o vale lembra um pouco Yosemite, mas o que mais me chamou a atenção foi que o lugar não passa carro. No início do vale há uma pequena cidade com toda a infraestrutura, San Martino, e a medida que vai entrando no vale, a estrada vai estreitando até virar de paralelepípedo, para logo em seguida virar de terra e depois uma trilha. Assim, para entrar na parte principal do vale só a pé mesmo. Por causa disso, o local preserva um ambiente muito primitivo. Parece que estávamos voltando no tempo, num tempo onde não havia carros no mundo.

De San Martino, a entrada de carro no Val di Mello é restrita a apenas 80 carros por dia e é preciso pagar uma taxa de estacionamento (5 euros por dia). A cobrança é feita numa máquina automática que fica na entrada da cidade. Se você for acampar no camping que fica dentro do vale, não precisa pagar essa taxa, mas no camping será cobrado uma taxa de estacionamento (igualmente 5 euros por dia).

Montamos a nossa base num camping fica no meio do vale, junto com alguns escaladores de boulder que estavam aproveitando o frio para conseguir “colar” as mãos nas agarras perfeitas de granito.

Val di Mello também é mundialmente conhecido pelos excelentes boulders que ficam espalhados no fundo do vale. E anualmente, o local sedia o Melloblocco, famoso festival de boulder da Itália.

Nós ficamos num camping chamado Ground Jack que fica dentro do vale, perto de todas as áreas de escalada. O camping oferece uma ampla área verde com banheiro, chuveiro e lavado. Além disso, conta com um pequeno bar onde é servido alguns lanches e bebidas. Não há internet, mas há sinal de telefone.

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Campo-base avançado…
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Noite das bistecas! Foi o mais perto que chegamos de um “churrasco”.

Kundalini + Luna Nascente

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Croqui da via?

Como a previsão do tempo para o vale não era das melhores resolvemos entrar na via o quanto antes para garantir a escalada. A via Luna Nascente não começa no fundo do vale, mas sim a partir de um platô suspenso que fica a uns 500m de altura. Para chegar a base da via, ou você encara uma caminhada de 1h20 morro acima, ou faz como a maioria, que escala uma via qualquer que acessa o platô. 99% das pessoas que resolvem escalar a seção inferior vão pela via Il Risveglio di Kundalini, uma via de 375m dividida em 10 enfiadas com dificuldade máxima de 6o grau.

Partimos cedo da manhã para a via com a ideia de fazer as 10 enfiadas da Kundalini e depois emendar com a Luna Nascente, mais 7 enfiadas, totalizando quase 700m de escalada.

Como a Kundalini começa do fundo do vale, a aproximação foi bem tranquila. Mesmo sendo uma via super popular, não encontramos ninguém na via. Ufa!

Comecei a escalada esticando uma travessia, à direita, protegendo sempre em móvel até a P1. Quando cheguei na P1, o primeiro choque! A parada era toda em piton! Nessa parada, tinha pelo menos 4 pitons velhos batidos em volta de um grande bloco entalado. Se o bloco saísse, toda a parada iria se desarmar!!!!!

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P1 da via Kundalini.

Passado o susto inicial, aos poucos fomos nos acostumando com os pitons e fomos tocando para cima.

Na altura da P3, uma dupla de escaladores italianos colou em nós. Os caras vieram voando na via e acabaram passando por nós como uma Ferrari. O rack do guia consistia basicamente de uma meia dúzia de peças mais umas 6 costuras e só! Para se ter uma ideia, nós estávamos com 2 jogos de friend, um jogo de nut, umas 8 costuras e mais fitas… Vão vendo…

Como a 5a e a 6a enfiada estavam molhadas tivemos que pegar uma variante mais fácil e seguimos até o final da via.

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Murilo na enfiada crux da via Kundalini, crux protegido em piton!

Chegamos bem quebrados no final da via. Naquela hora, se alguém falasse que não tinha como continuar, com certeza o outro iria concordar e desistiríamos, mas ninguém queria fazer isso, por isso seguimos para a próxima via de boca fechada.

Entramos na Luna Nascente passando pelas enfiadas mais duras logo de saída, depois entramos numa fenda perfeita e só saímos dela na última enfiada!!! Ou seja, tocamos quase 300m de escalada por uma única fenda!!!!

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A escalada começou lá no fundo do vale. Quase, quase!!! 5a enfiada da Luna Nascente.

Para mim, essa via está entre as melhores que eu já fiz. São enfiadas após enfiadas em uma fenda imaculadamente perfeita. Toda vez que eu chegava numa parada, após escalar uma enfiada perfeita, olhada para cima e dava vontade de guiar a próxima.

E assim fomos tocando, no maior desfrute até o final da via.

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Mais um dia nublado e estranho.

La sfera di cristallo

No dia seguinte, o plano era escalar algo mais tranquilo, pois estávamos quebrados da escalada do dia anterior.

Como não tínhamos nenhuma sugestão, começamos a procurar algo interessante no guia de escalada. O guia estava em italiano e tivemos um pouco de dificuldade para entender, mas achamos uma via (La sfera di cristallo, 6o grau, 150m) onde a descrição começava com: Bella via… !!! Perfeito!

Mais abaixo tinha: “I ora 20 minutos” de caminhada!!! Perfeito! Aproximação de boa! Caminhadinha de 20 minutos, uma via de 150m, bem tranquila!

Saímos do camping em busca da tal via. 10 minutos, 20 minutos, 30, 40, 50, 1h e nada de chegar na via. Quando nos demos conta estávamos abrindo trilha em meio à mata! Estava claro que estávamos perdidos! Mais tarde, quando fui reler o guia novamente, vi que “I ora 20” era na verdade 1h e 20 minutos de caminhada!!!!

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Caminhada em pleno outono. Antes de começar a roubada.

É claro que ninguém vai caminhar 1h 20 parede acima para escalar uma viazinha de 150m se tem dezenas de vias mais longas ao redor!!! Até por isso, a trilha não existia mais!

Com muito custo achamos a via. Como era de se esperar, a via parecia ter poucas repetições. E para ser sincero, não achamos a via tão “bella” assim… Descemos da via falando que fizemos a primeira repetição da via, kkkkkkk.

Mas valeu pela indiada. Até porque escalada sem indiada não é escalada!!!

No dia seguinte, nós teríamos que devolver o carro em Roveretto, então desmontamos o acampamento e pé na estrada novamente!

Continua…

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Little Yosemite.
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Rio que corta o vale.

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