^ Pedra Formosa em Baixo Guandu ao entardecer.
Liberdade, talvez essa seja uma das palavras que melhor sintetiza o montanhismo. Ainda mais nos dias de hoje, onde a sociedade moderna restringe a nossa liberdade criando inúmeras regras e compromissos. Por isso, para mim, a escalada é uma válvula de escape, pois ela permite levar a vida, nem que seja por algumas horas, livre do cotidiano da vida moderna.
E a melhor forma de aproveitar essa liberdade é encher o carro de material de escalada, convidar um amigo e sair pelo mundão sem rumo. E foi exatamente isso que DuNada e eu fizemos neste final semana.
Para não dizer que saímos totalmente sem rumo, sabíamos que tínhamos que ir para o norte do estado, pois ao sul, o tempo estava mais instável. A ideia original era ir subindo em direção a cidade de Baixo Guandu, quase na divisa com Minas Gerais a procura de pedra para subir.
A primeira parada foi na região de Itaguaçu para ver melhor uma pedra chamada Paraju. De longe a pedra parecia bem promissora, mas como a luz não estava boa, ficou difícil saber se a face de fato era boa. Assim, fomos obrigados a fazer uma aproximação até a base da pedra, o que nos custou algumas minutos de caminhada. A pedra em si era muito boa, mas a quantidade de vegetação desanimou um pouco. Sem contar que aquela altura da manhã, o sol estava à todo vapor fritando a pedra. Deixamo-a na manga e seguimos rumo ao norte.
Nas proximidades da região de Itaimbé vislumbramos uma oportunidade na face norte da Pedra da Andorinha, mas como já estava tarde, por volta das 11h, achamos por bem retornar no dia seguinte. Entrar numa parede de 300m às 11h da manhã como sol à mil, definitivamente não era uma boa estratégia.
Seguimos para norte. Pelo horário avançado, começamos a procurar uma escalada mais rápida e tranquila, algo como uma pedrinha de 100m. Eis que nessa hora surge no horizonte uma imensa pedra pontuda. Os nossos olhos se voltaram para ela e a medida que chegávamos cada vez mais perto, começou a mostrar a sua cara. Logo notei que era uma pedra que já tinha visto em outra trip por aquela região. Tratava-se da Pedra Formosa, uma crista de pedra alongada de quase 2km com um pequeno cume na extremidade noroeste. Da estrada ficamos namorando aquela muralha de pedra e pensando se o cume da pedra seria virgem, pois aparentemente, uma caminhada pela crista levaria ao topo. A única dúvida ficou por conta do trecho final, onde a pedra ficava mais inclinada. Ficamos na dúvida se aquele trecho final seria possível subir solando. Caso positivo o cume não seria virgem.
De repente o DuNada solta a célebre frase que antecede uma grande roubada:
– Acho que dá para ir lá ver! Sou doido!
Eu não tinha nem pensando nessa possibilidade. O tamanho da caminhada parecia ser descomunal, isso sem contar que já estava tarde e o sol continuava a castigar, mas como não nego uma roubadinha botei mais pilha e rapidamente traçamos uma estratégia.
Decidimos que a melhor forma seria caminhar pela crista da pedra de cabo à rabo. Como não sabíamos como seria o trecho final, achamos prudente levar um kit de escalada, incluindo material de conquista, bem enxuto. Assim, subimos com uma corda de 60m, algumas costuras, furadeira e uma meia dúzia de chapeleta.
A caminhada, conforme o esperado, foi de matar. O sol do meio-dia costuma ser implacável por aqui. A cena da aproximação da via Face Oculta em Pancas, ressurgiu na minha mente, mas nesse caso, a aresta tinha o dobro da distância. Para amenizar o sofrimento, a paisagem do entorno nos ajudava a esquecer um pouco o motivo de estarmos ali, naquele sofrimento injustificado.
Após uma hora de caminhada chegamos na base do trecho mais inclinado, antes do cume. Procuramos por um caminho mais fácil onde uma pessoa com um pouco mais de coragem conseguiria subir solando, mas não achamos nada. Procuramos por grampos. Quem sabe o André Ilha não andou por lá? Não achamos nada. De baixo, o trecho final parecia bem fácil, exceto por um lance de uns 2m. Nos equipamos e saímos pedra a cima. Antes do lance mais difícil bati uma chapa e com algum esforço passei o lance. Bati mais uma chapa e depois toquei até o cume. Dupliquei a parada e chamei o DuNada. Pronto, estávamos no cume! Ficamos lá em cima incrédulos, procuramos em vão por presença humana, mas não encontramos nada. Seríamos os primeiros a chegar no cume? Por causa de um lance de Vo grau o cume ficou “inconquistado” pelos “locais” e por causa da falsa aparência da pedra dos escaladores?
Tiramos algumas fotos, ficamos tentando identificar as montanhas do entorno e iniciamos a longa caminhada de volta. Fizemos um pequeno rapel de 32m até a base e retornamos pela crista da pedra até à base.
Croqui
Chegamos na base por volta das 15h. Resolvido o problema começamos a pensar num lugar para passar a noite, mas antes era preciso arrumar água para matar a sede e cozinhar. Pegamos a estrada ruma a cidade de Baixo Guandú, mas 50m adiante achamos um pequeno “bar camuflado”. Paramos para beber um refrigerante e tentar nos abastecer de água. No bar, um cara puxou conversa, perguntando se éramos “voadores”. Assim conhecemos o Raney, um piloto de parapente da região que também era amigo do “Afeto”. Conversa vai, conversa vem e ele comentou que ali perto ficava a rampa de voo do Monjolo. Ai o DuNada na cara-de-pau de sempre perguntou:
– Será que tem algum problema dormir na rampa?
Na hora, o Raney disse que não teria problema e inclusive nos levaria até lá.
A rampa de Mojolo foi recentemente inaugurada após um trabalho hercúlio entre os voadores da região. Agora, o local conta com uma área de decolagem gramada, bar, banheiro, mesa para piquenique e uma área coberta. Isso sem contar o sistema de WiFi e rádio.
Ficamos de rei na rampa. Para quem estava achando que iria dormir na beira da estrada, aquilo estava totalmente aquém do esperado, mas é claro que nem tudo foram flores. A rampa de Monjolo não está lá à toa. Ela está lá justamente porque venta bem. E de fato, descobrimos que venta a noite inteira. Como a rampa fica a 820m de altitude e exposto ao vento passamos um pouco de frio.
No dia seguinte resolvemos voltar à Pedra da Andorinha para dar início à conquista. Como no dia anterior já tínhamos negociado o acesso, rapidamente estávamos na trilha para base da via. A ideia era chegar na base de um grande totem e subir por ela para ganhar terreno e depois encarar o costão final até o cume.
O problema foi que no dia anterior tínhamos subido a Pedra Formosa e agora, o haulbag estava até a tampa com material de conquista. E para piorar, a trilha era bem a plumo e fechada.
Após muito vara-mato finalmente chegamos na base do totem. Botei a sapatilha e parti para dar início ao trabalho. Uns 8m de fenda indefinida, um misto de chaminé de meio corpo com diedro, me levou à base de um grande mato. Chamei o DuNada e seguimos pelo mato até a base do totem propriamente dito. Faltando uns 8m para chegar na base eu estava totalmente envolto por arranha-gato. Se eu tentasse me movimentar, os espinhos rasgavam a camisa. Qualquer tentativa de movimento me custava um corte. Imóvel, pensei em desistir, mas depois de tanto sofrimento, desistir não era uma opção. Puxei o meu canivete e tentei podar um pouco os espinhos, mas essa ideia também se mostrou muito ineficiente. Estava tão embrenhado que não tive nem medo de cair, pois sabia que não iria cair com tanto espinho me travando. Resolvi tirar o haulbag das costas e usa-lo para abrir caminho. Assim, ia jogando o haul-bag pesado na frente para criar uma brecha e ir ganhando terreno. Cheguei exausto na base do totem e uma sensação de abatimento tomou conta de mim ao descobrir que o diedro na verdade era uma grande chaminé de meio corpo. Chamei o DuNada e fique ali quietinho só esperando a hora de ele começar a me mandar longe. Não demorou muito e ele estava me xingando.
– Japonês, também quer me aposentar?!
Com uma boa dose de bom humor levamos os espinhos na esportiva e demos início a conquista da chaminé. Como a chaminé era larga demais, os móveis não foram páreos e tive que usar as preciosas chapeletas que levamos contadinho.
No meio do totem me deparei com mais um trecho de mato. Não pensei duas vezes e sai face da pedra para evitar o mato novamente. Logo, para o meu desespero, descobri que o mato seguia até o cume do totem. Então, deixei o totem de lado e segui pela face. A essa altura, tudo que tínhamos planejado estava indo para o espaço e a nossa preocupação se voltou contra as poucas chapeletas que tínhamos levado. Como acabamos batendo chapa em locais onde acreditávamos que daria para proteger em móvel, o estoque estava muito baixo. Para compensar isso, tivemos que continuar a conquista poupado ao máximo as chapas.
Se não bastasse o problema das chapas, o calor do meio-dia começou a nos incomodar, mas para a nossa sorte, a medida que ganhávamos terremo, a pedra ia facilitando cada vez mais e após 6 enfiadas, finalmente batemos no cume.
O cume parecia uma chapa aço de tão quente que estava, por isso foi o tempo de beber um pouco de água para sair logo dali.
Chegamos na base em frangalhos e descemos a trilha no modo automático até encontrar um pé de coco onde finalmente pudemos matar a sede na sombra de um coqueiro!
Uma resposta em “Crista de Galo e Gato Preto”
[…] o fato é que durante uma investida à região de Santa Joana com o Dunada no ano passado, vi uma pedra com um grande arco relativamente fácil que poderia ser um bom candidato à […]