Pancas, o retorno

Sábado, 2h da madrugada, acordo sem sono e não consigo mais voltar a dormir. Maldigo jetlag! Essa é a 3a noite mal dormida! Todas as noites acordo por volta das 2h e quem disse que consigo voltar a pregar os olhos.

Às 5h30 me levanto, pois não aguento mais rolar dentro do meu carro e vou preparar o café da manhã. Por volta das 6h15, já com os primeiros raios de luz, começo preguiçosamente a caminhar em direção à Pedra do Camelo, em Pancas. O objetivo do dia: Escalar a via Supercanaleta (3o, IV SUP, E3, D1, 300m) em solitária pela manhã e à tarde, a via “Bote os seus dreadlocks para balançar” (5o, V SUP, E3, D1, 105m), na Pedra da Boca, também no mesmo estilo.

A via Supercanaleta foi conquistada pelos membros do Clube Excursionista Carioca (CEC) em 2015 e a via “Bote os seus dreadlocks para balançar” pelo Kapacho e o Victor Beal em 2013.

Pedra do Camelo ao amanhecer.

Por volta das 6h30, em menos de 20 minutos, chego à base da pedra e acho sem maiores problemas o início da via, graças aos totens que facilitam a identificação.

Às 7h da manhã, já com os primeiros raios de Sol batendo na pedra inicio a silenciosa escalada. A escalada transcorre sem maiores dificuldades. Vou apenas curtindo a escalada e redobrando a atenção nos procedimentos de segurança. Na 5a enfiada, o croqui dá uma “devaniada” e fico um pouco perdido na contagem das chapas, mas como a via transcorre por dentro de uma canaleta não tem muito erro e sigo escalando à procura da parada que acontece após uns 65m de escalada. Por sorte, ou azar, acabei levando a corda de 70m, o que “salvou a lavoura”.

Iniciando a escalada.

No dia anterior, na 6a feira, não tinha menor ideia de para onde ir no final de semana. Só às 16h decidi que iria para Pancas e fui arrumar as coisas de última hora. Ou seja, tudo errado! Na hora de pegar a corda, instintivamente peguei a corda fina (9.4m) de 70m em vez da 10mm x 60m. Segundo a recomendação do fabricante, o Silent Partner foi fabricado para ser usado com corda de 10mm ou 11mm, por isso, tenho uma corda específica para isso. Quando me dei conta do erro, já estava no camping do Fabinho em Pancas. De início fiquei um pouco preocupado, mas depois li que algumas pessoas usam corda de 9.4mm para este fim e estão vivos. Menos mal, pois os 10m extras fizeram a diferença nesta via.

Uma pausa para uma selfie em alguma parada.

Às 10h, após 3h de escalada bati no cume da pedra e a essa altura, o Sol estava castigando com  força. Refugiei-me numa pequena vegetação que tem no cume, fiquei olhando para Pedra da Boca que fica no outro lado do vale e pensando no meu “hero-plan”. Eu ainda teria que descer caminhando a montanha, já que não trouxe uma segunda corda para o rapel, atravessar o vale e escalar a “Boca”…

Assinando o livro de cume.
Recolhendo a corda e o Sol pegando.

É claro que quando cheguei no camping abortei o plano e resolvi deixar a via para o dia seguinte. Com muitas desculpas mentais, resolvi fazer uma massa de almoço e descansar um pouco. Quem sabe dormir mais um pouco.

No meio da tarde, a Ghiany e o Baldin apareceram no camping. Eles estão participando do Desafio 10k, promovido pelo site Puro Montanhismo e vieram fazer uma kilometragem por aqui. Com certeza, não há melhor lugar no Estado, e quiçá no Brasil, do que Pancas para isso.

No final do dia, ainda dei um pulo da Rampa de voo de Pancas que ainda não conhecia para curtir o por-do-sol. Preciso confessar que a vista do cume da Pedra do Camelo ou da Cara é mais legal do que essa vista, mas valeu para conhecer.

Entardecer em Pancas.
Rampa de voo de Pancas.

Como eu já tinha visto que a Pedra da Boca fica na sombra pela manhã fui dormir sem preocupações.

Mais uma vez, às 2h da madrugada, acordo totalmente sem sono e pronto para escalada. Segundo as estimativas, vou precisar de 2 semanas para ajustar o sono. De acordo com os estudos, para cada hora de fuso à oeste é necessário um dia para recuperar…

Rolei no carro até às 6h e quando a luz do Sol clareou o dia, sai meio que sem opção para fotografar e matar o tempo.

Por volta das 8h da manhã, me despedi da Ghiany e do Baldin que foram para Pedra do Jacaré e fui sem pressa para Pedra da Boca. Como no dia anterior escalei quase 300m de aderência, a ideia era variar um pouco e escalar algo em móvel. E dentre todas as vias que estavam dentro da minha “zona de conforto”, a via “Bote os seus dreadlocks para balançar” parecia atender os meus anseios.

Como a via começa no alto de uma vegetação, no meio da parede, resolvi começar a escalada pela via “Amigo Imaginário” até a P1 e depois, conquistar uma pequena variante à esquerda até acessar o platô de mato da Dreadlock.

Segundo consta, acho que essa seria a primeira repetição da via conquistada em 2013, então não tinha muitas infos, somente o que está no Guia Capixaba de Escalada. Segundo o guia, a enfiada filé seria por um diedro de uns 50m todo em móvel, mas quando cheguei na base da enfiada, descobri que o diedro tinha só uns 15m e o resto, só aderência, e sem chapa, já que a via é toda em móvel.

Sem muita opção, já que não tinha mais como descer, levei novamente só uma corda de 70m, resolvi encarar o runout de 30m rezando para não ter um lance de V sup no meio até chegar na base do diedro e encarar 15m de desfrute que se mostraram mais fácil do que o grau proposto pelos conquistadores.

Início da Dreadlock e a primeira proteção só na base do diedro.

Dali para cima, o croqui dizia uma coisa, a descrição outra e a realidade não condizia com nada. Resolvi tocar reto por uma parede bem fácil, na esperança de pular a P4 e ir direto na P5, mas logo vi que não teria como emendar e fui obrigado a fazer a P4 em móvel num lugar um pouco estranho.

Parada quadruplicada porque a rocha é estranha.

Dali, uma pequena travessia me levou ao final da via e após uma breve caminhada cheguei no cume da Pedra da Boca por volta das 11h.

Na escalada solitária, o rapel é um ponto bastante crítico, por causa do cansaço e também porque uso uma retinida de 6mm como segunda corda. Se alguma coisa acontecer, como a corda agarrar, acabo ficando em apuros. Por isso, sempre que possível, evito rapelar e desço caminhando, mesmo que a volta seja grande, como neste caso.

Dei uma respirada no cume, juntei tudo, desci caminhando pela aresta noroeste até o camping e depois pé na estrada até Vitória.

Descanso no cume.
Partiu para baixo!

Quanto à via, batizei a variante de “Dreadlock Imaginário” (3o, IV, D3, D2, 240m). Para repetir a via é preciso um jogo de Camalot (#0.5-#4) e 3 costuras.

Leia mais sobre a via aqui!

ATUALIZAÇÃO 1 – Não deixe de ler nos comentários a história por trás da conquista da via “Bote os seus dreadlocks para balançar” contada por um dos conquistares da via, o Victor Beal.

Comentários

12 respostas em “Pancas, o retorno”

Demais Naoki! Foi um prazer te conhecer pessoalmente em Pancas e os dias por lá (sem dúvida), são sensacionais!!!
Ótimas escaladas ?

Parabéns pelos relatos, gosto muito de acompanhar o blog. Abraço

Boa Naoki, não acredito que alguém repetiu essa escalada de aventura ai rsss.
Croqui ficou perfeito.
Na verdade essa via surgiu de uma conversa de bêbado.
Na noite anterior a abertura discutíamos que havia poucas possibilidades de móveis em Pancas, lugar aliás muito legal de escalar… Eis que, sempre tem um que fala:
– então vamos abrir uma via sem bater proteção nenhuma?!?!
– vai ter que ser variante… fala o outro maluco
– vi um diedrinho lá na pedra da Boca quando fiz a via Sorriso!
– É vai ter que ser, não temos mais chapa pra bater, foi tudo na via Paranauê e ainda tivemos que pedir uma doação para o Sr. Lélio para arrumar as paradas e bater umas 3 ou 4 que foram esticadas na conquista…
Papo rende bons goles e muita discussão… dia seguinte, com a ressaca, a dupla se pôs a cumprir o desafio, uma vez na parede viram que a variante era meio expo, que era uma variante mesmo, pois tinha que ligar com a sorriso pra não bater nenhuma chapa… Ai relatamos a existência da mesma para o amigo Baldim, vai que algum louco quer repetir a parada, sem parada rssss.
Ai vem vc e repete em solitário kkkkk…
Show valeu, sempre 10 o blog…
Bons ventos ai do povo aqui do pé vermeio do Oeste do Paraná!

Que massa essa história Victor! Eu não sabia! Ainda bem que não soube antes, kkkkkk. Mas como vc disse, Pancas tem poucas fendas, então quando tem é motivo para meter a cara. Um grande abraço e estamos esperado a volta de vcs!

Opa ! Da para descer de rapel na linha usando a de 70 em chapa simples com abandono de malha rápida ou recuperação de cordelete , fiz isso um tempo atras ,não sei o tempo de decida da trilha do camelo seria mais rápido pois eu não lembro quantos rapeis fiz ma dá , abraço !

Fala Sidnei, sim eu vi que a via está toda equipada para descer com uma corda com paradas intermediárias a cada 30m. Mas o meu medo sempre é a corda ficar presa durante o rapel. No mesmo dia, uma outra dupla teve problema durante o rapel por causa disso. Um abraço!

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