Na semana passada, Chuck e eu realizamos a 1a investida na face leste da Pedra Alegre em Itarana.
No último final de semana voltamos novamente à pedra e dessa vez, passamos dois dias na montanha para dar continuidade a conquista.
O nosso objetivo na primeira investida foi chegar na base do grande totem, mas acabamos descendo faltando uns 100m. Agora, a missão seria bater na base do totem e tocar mais algumas enfiadas para cima.
Sabia que ainda não teria como fazer cume nessa investida, pois a primeira investida nos ensinou que estamos mexendo com coisa grande. Talvez uma das maiores e mais complexas até então.
Estranhamente, nessa conquista não sinto “a sede da montanha”. Em geral, vou com gana de querer ganhar a montanha rápido. Ataques rápidos, precisos e com poucas investidas. Mas dessa dez, não sei o porquê, não tenho essa pressa. Agora, desejo que a conquista não acabe para sempre ter a desculpa de estar nesta montanha. Talvez seja porque eu tenha a real noção da preciosidade que estamos lidando. Não é todo dia (nem todo ano) que achamos uma linha assim.
A meta para o sábado, primeiro dia, foi subir até a P5, estabelecer um bivaque num platô “meia boca” que encontramos na semana passada e seguir a conquista até chegar na base do totem e descer até o bivaque deixando corda fixa.
Como estávamos subindo para ficar dois dias tivemos que levar mais material, o que acabou nos custando tempo e esforço extra. Tínhamos 3 volumes: uma mochila com a furadeira, um haulbag com coisas leves e uma leiteira de 35L chumbada de ferragem e água.
Para passar dois dias na montanha levamos 12L de água, mais 32 proteções fixas e 3 jogos de móvel, incluindo dois Camalot #6, além de duas cordas de 60m, uma dinâmica e uma estática.
Repetimos as primeiras enfiadas sem grandes dificuldades e levamos todo material até a P5 em pouco mais de 3h de escalada. Basicamente um guiava a enfiada com uma mochila e o segundo subia pela fixa com o haulbag, enquanto o guia içava a leiteira usando um sistema de redução. É um método bem prática, mas cansativo por natureza.
Descansamos um pouco na P5, largamos o peso extra e partimos para dar continuidade à conquista. Repeti os 30m da 6a enfiada e depois conquistei a 7a enfiada, totalmente em chapas. A escalada segue um estilo bem-parecido: escalada de agarrência em cristais sólidos e sempre puxando em diagonal para contornar a pedra. Basicamente iniciamos a conquista pela face sul e tínhamos que ir contornando até a face leste para ficar alinhando com o totem. Havia a possibilidade de entrar pela face leste, mas nesse caso teríamos que encarar uma aproximação mais longa e subir um rampão com bastante vegetação. A linha que optamos, entra bem na borda, por um trecho mais limpo e livre de vegetação.
Da P7 parecia que a base do totem estava logo ali! Coisa de 50m ou 60m. E mesmo assim não tínhamos ângulo para ver a fenda. Essa incerteza consumiu a nossa mente durante a semana, pois era muito importante que tivesse uma fenda ali, ou qualquer coisa que permitisse dar continuidade à conquista, pois o trecho do totem é a mais vertical da pedra. Se não tivesse a fenda e tivéssemos que subir pela face, a conquista demandaria muito tempo, e talvez fosse melhor abandonar a via.
Chuck quis tocar a 8a enfiada. Caiu no “conto das ondinhas”. Aquelas coisas que olhando parece fácil, mas na hora do vamos ver fica complicada! Eu particularmente não gosto dessas “ondinhas” porque transmite uma falsa sensação de segurança, pois em caso de queda, mesmo sendo uma queda curta, há grandes chances de bater num platô e se machucar. Já as paredes mais lisas são mais difíceis de conquistar, mas são mais seguras em caso de queda.
O Chuck seguiu a cartilha da conquista, tocando em diagonal à direita até chegar na base de uma parede vertical que parecia intransponível. Esse era o meu maior medo nessa primeira parte, encontrar uma muralha dessas e ter que conquistar em artificial. Nada contra subir em artificial, mas queria que a via fosse 100% em livre! O Chuck passou a ponta e fui ver a encrenca. Achei uma passagem pela direita, mas aquilo, não podia cair devido a um platô que tinha embaixo. Mesmo batendo a chapa o mais alto possível, em caso de queda, a elasticidade da corda me levaria ao platô. Escolhi dois cristais e subi o pé alto para virar o lance e de repente, o cristal da esquerda quebrou e eu estava no ar. No reflexo consegui segurar a corda de baixo da costura e travei a queda antes do Chuck retesar por completo. O coração veio na boca, pois sabia que ali não era um bom lugar para torcer um pé.
Usei o resto do cristal que sobrou e consegui fazer a virada e vencer o trecho mais difícil. Bati uma chapa e logo em seguida mais uma para descobrir que já não tinha mais nenhuma no rack. Como subimos fixando corda, conquistei a enfiada sem retinida, então não tinha mais como puxar material. De onde eu estava ainda faltavam uns 5m para chegar num platô e mais uns 10m em diagonal à esquerda para chegar na base do totem. Parecia que quando mais desejávamos o totem, mas distante ele ficava. Mas dali, pela primeira vez consegui ver o totem pelo lado que permite ver a fenda.
Eu já sabia que ali tinha uma fenda, mas o que não sabia era o tamanho da fenda. Imaginava que seria uma fenda larga, tipo para Camalot #4, mas quando vi com mais atenção constatei que era um pouco mais larga. Talvez conseguisse entrar dentro da fenda! Apertado, mas daria! Não sei se fiquei feliz, mas posso dizer que fiquei aliviado, pois independente da largura, sabia que daria para seguir a conquista por ali. Presumi que daria para proteger com um Camalot #6, mas tínhamos apenas dois para uma fenda que tinha mais de 100m de extensão.
Pelo tardar do horário, resolvemos descer e deixar a encrenca para o dia seguinte.
Voltamos ao platô e logo descobrimos que o mesmo era bem estreito e irregular. Além disso, descobrimos a duras penas que o melhor lugar era um formigueiro.
Curtimos o por do Sol que estava incrível e logo em seguida preparamos a janta: comida liofilizado e frango termoprocessada sem sal! De sobremesa uma goma de gelatina e depois cama!
O céu estava incrivelmente estrelado. Depois, ainda consegui terminar de ler um livro curtinho que tinha começado: Crepúsculo do Mundo de Werner Herzog que fala sobre o último soldado japonês que se rendeu da Segunda Guerra Mundial. Ler no escuro, ouvindo o som dos bichos e vendo as luzes do vilarejo à frente ajudou na ambientação da leitura.
Domingo
No dia seguinte, acordei às 4h30 e iniciei os preparativos para o dia. A noite não foi muito confortável. Descobri que o meu colchão inflável era não inflável.
Vimos o nascer do Sol e fomos tomar um café da manhã despretensioso. Depois, nos atracamos nas cordas fixas para subir até a P7 e finalizar a oitava enfiada.
A próxima enfiada seria a hora da verdade! Finalmente iriamos entrar no totem! Nossa, quanto anos esperei por isso? A primeira vez que tinha visto essa linha foi há uns 9 anos. Desde então, sempre que passava ali ficava pensando nessa fenda e agora estava prestes a sentir o poder da fenda!
Mas antes, era preciso vencer outra travessia e mais uma ondinha para entrar no trecho de trepa mato. O trepa mato foi como qualquer outro trepa mato… E logo cheguei na base da fenda, que, na verdade, era uma chaminé estreita de meio corpo. Olhei para cima e vi que seguia a perder de vista. Coloquei o ombro direito para dentro, de frente para o vale, e pensei comigo mesmo: Pelos próximos 100m vou ficar exatamente nessa posição! Depois, lembrei da 2a enfiada da Chaminé Brasília que também é uma fenda mais estreita, mas acho que essa é mais ainda. Por ser bem estreita, dá muita segurança, além disso, fui achando boas colocações para os móveis grandes, #5 e #6. Nessa enfiada, bati uma única chapa no final da chaminé, quando fiquei sem peças. Toquei uns 30m por essa chaminé estreita com bastante dificuldade até chegar numa grande árvore seca. De longe, essa árvore sempre fora uma referência. Na verdade, chamávamos a árvore fosse um arbusto, mas quando cheguei perto vi que a árvore era gigante.
Ao Chuck coube a ingrata tarefa de subir pela corda fixa limpando a enfiada com haulbag nas costas. A pior coisa do mundo é guiar uma chaminé! E a segunda pior coisa do mundo é subir uma chaminé de segundo levando uma mochila! Só quem já fez isso um dia para saber o que é fazer força!
A árvore marca o meio da chaminé e para cima, a fenda seguia limpa e aparentemente mais larga. Pensei comigo mesmo que a próxima seria fácil. A chaminé era estreita, mas parecia que dava um pouco mais de mobilidade, permitindo imprimir um pouco mais de velocidade. Mas logo descobri que em vez de alargar, ela estreitava mais ainda. Além disso, a essa altura estava muito mais cansado. No trecho final tive que bater três chapas na parte mais estreita. Talvez desse para subir com menos proteções, mas como estava mais cansado, acabei protegendo melhor. No final, ainda consegui dar uma bom gás até chegar no fim da chaminé.
Dali para cima, um belo diedro de dedo e mão nos aguardava, mas a essa altura a minha energia tinha acabado e não tinha mais condições de seguir. Perguntei ao Chuck, se ele queria tocar a próxima e concluímos que seria mais prudente baixar. Devido à complexidade da linha, a descida também demanda muito esforço. Tínhamos 10 rapéis pela frente levando muito material de conquista, então resolvemos aproveitar o resto da energia e a luz para baixar em segurança.
Da P10 descemos até a P5 onde fizemos uma longa pausa e dali mais cinco rapéis, levando todo material, nos levou ao chão em segurança.
Segundo nossas estimativas, faltam ainda uns 180m até o cume. Pelo menos as próximas enfiadas serão em fenda de mão (eu acho) e logo acima parece que há uma fenda frontal de uns 60m nos aguardando. Depois mais uns 30m de uma fenda misteriosa e mais uns 9om de “pra que isso”.
Uma resposta em “Pedra Alegre, 2a investida”
Incrível Japa.
Obrigado por dividir essa bomba comigo! Kkkk