Platô

Por definição, platô significa: plano alto (planalto), uma região geográfica plana e elevada em relação ao nível do mar. No mundo da escalada, platô significa outra coisa. Significa: ufa, vou dar segurança no conforto! Achei um lugar para passar a noite! Vixi, se eu cair nesse platô… Ou ainda, yes, um descanso antes de entrar no crux!

A perspectiva de um platô varia de acordo com a modalidade. Na escalada esportiva, o platô marca o final de uma via. Provavelmente há uma parada ali perto, ou até mesmo um pouco antes. Se um platô for menor, também conhecido carinhosamente de “platozinho”, provavelmente teremos um descanso sem as mãos! Talvez uma sentadinho para ficar mais confortável. Esses platôs sempre são uma boa oportunidade para colocar a respiração em dia, fazer a leitura da seção superior e/ou ainda arrumar o rack. De todas as formas, no fim, ninguém reclama de um platô no meio da via! Principalmente se estiver muito tijolado. 

Uma pausa. Red River Gorge. Foto: Juliana Petters.

Por outro lado, quando estamos equipando uma via, nós não queremos encontrar um platô. Chega a ser um contra-senso: quando estamos escalando queremos um platô, mas quando estamos equipando, tentamos evitá-lo ao máximo. O grande problema dos platôs nas vias esportivas é que eles acabam quebrando a sequência da via. Uma via poderia ser muito mais dura, se um maldito platô não estivesse no meio da via, ou antes do crux.

Lucas Portilho descansando na Lapa do Seu Antão, MG.

O platô mais emblemático que me vem à cabeça é o famoso platô da via “O inquilino” na Serra do Cipó que também é conhecido como “bruxa”. Desde sempre tem uma polêmica sobre usar ou não a “bruxa” para descansar. Há quem diga que se usar a bruxa a via cai para 8c e “sem a sentadinha”, um 9a. Lembro que quando entrei tinha essa polêmica. Então para contorná-la, fiquei com um pé na “bruxa” e a outra na parede para dizer que não sentei… Bobagem pura…

Já no mundo das tradicionais, os platôs sempre foram bem vindos. Nunca vi alguém reclamar de um platô. A abordagem de um platô é definida em três atos:

1- A chegada! Embora a maioria dos platôs sejam fáceis de dominar, alguns platôs costumam dar trabalho. Aquele misto de ganhar logo o descanso misturado com o medo de fazer aquela virada de piscina. Em geral, rende uma boa dose de adrenalina. Dessas ai, lembro bem das dominadas para ganhar os sucessivos platôs, buracos, da via “Na Boca da Serpente”, nos Três Pontões de Afonso Cláudio. Cada dominada é um boulder ao melhor estilo, virada de piscina em borda duvidosa. Garantia de muita emoção e câimbra na panturrilha.

Também tem aqueles platôs de borda vegetada. Esses são disparados os piores para dominar, pois a vegetação, na maioria das vezes, não é muito estável e costuma se soltar com muita facilidade. Nessas horas, você precisa se agarrar nos capins, jogar o peito sobre o platô, debater os pés e ir subindo como uma foca, na esperança de o teu “segue” não estar te vendo naquela situação humilhante.

2- Ato dois: no platô! Ah, nada é melhor do que chegar num platô. Depois de várias enfiadas em paradas desconfortáveis, um platô é sinônimo de pausa para uma água, tirar a sapatilha e comer alguma coisa. Melhor ainda se o platô tiver uma árvore para fazer uma sombra. Em vias longas, um platô bom também significa um lugar para passar a noite. Nada é mais gratificante do que achar um platô no final do dia para passar a noite com “qualidade de vida”. Dos vários platôs que passei nessa vida, um em particular sempre me vem à mente. Não pela qualidade, mas pela “desqualidade”. Em 2017, Dunada e eu estávamos conquistando uma via na “Pontuda de Arapoca em Castelo”. Em uma das investidas, o nosso plano incluía um bivaque na parede para fazer a conquista em 2 dias. Repetimos 8 enfiadas conquistadas e depois de conquistar mais 5, miramos uma vegetação que parecia ser um platô mais acima, mas acabamos não conseguindo chegar. Tivemos que rapelar 3 enfiada até achar um platô descaído para passar a noite e para piorar, caiu um temporal épico de madrugada. Foi uma noite muito mal dormida para não esquecer mais. Várias vezes, a noite olhava para baixo e pensava em descer. Mas tinha 10 rapeis de 60m… Melhor tentar dormir.

Nosso platô…

Ato 3: Uma hora é preciso partir do platô. Azar se for a sua vez de sair guiando. E pior ainda se tiver um esticão com potencial de queda no platô. Esse tipo de acidente é mais comum do que parece e costuma ser bastante sério. Eu mesmo já cai com os dois pés num platô depois de cair puxando corda. Resultado: 45 dias de molho e vários dias dando rolé de cadeira de roda.

Quando conquisto uma via e precisa sair de um platô, costumo tentar sair em diagonal para sempre evitar esse tipo de queda, mas nem sempre é possível e nem todos fazem desse jeito. 

Aqui no ES tem uma saída de platô que é um clássico. A segunda enfiada da via “Inferno na Torre” em Afonso Cláudio. A escalada começa num platô super confortável e o guia, assim que sai para próxima enfiada, sente uma exposição de mais de 300m que faz pensar em muitas coisas. Incluindo passar a ponta. O primeiro grampo, torto, fica na altura da cintura, ainda com o pé no platô. O próximo, sei lá onde mais para cima. O trecho é fácil, mas vertical. Tem agarras, embora todas ocas. Difícil é explicar para o teu cérebro que dá para ir e que mais acima tem um grampo te esperando.

Saída do platô da via Inferno na Torre.

Mas no fim, entre ter e não ter, eu ainda sou fã dos platôs! Sempre rende boas histórias e grandes momentos na montanha.

Espero que eu tenha entretido vocês um pouco nessa quarentena. Eu passei um bom tempo escrevendo.

Fique no seu platô!

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