No último sábado escalei a via “Expresso Lunar” (4o, V, E3, D2, 740m) na Pedra da Onça, Água Branca em solitária. A via foi conquistada pelos escaladores André “Tesourinho”, Fred “Ibiraçu”, Joyce, Aurelio e Baldin em 2015 após quatro investidas.
Esse era um antigo projeto que eu vinha procrastinado faz um tempo. A escalada em si não é considerada difícil, embora tenha um crux de V, mas o que mais me preocupava era a extensão da via. Ela é considerada a 4a maior via do estado, com 740m de extensão. Até então, a maior via que já escalei em solitária foi a “Princesinha de Itaguaçu” na Pedra do Barro Preto em Itaguaçu, com 520m de extensão.
Embora a via tenha mais de 700m dividida em 13 enfiadas, sabia que a metade poderia subir em solo, o que seria um grande adianto, mas uma coisa é a teoria, outra coisa é ter coragem na hora do vamos ver e aguentar a puxada!
Mais uma vez, uma janela de um dia se confirmou para o último sábado. Uma pequena frente fria sem chuva estava a caminho do estado, baixando a temperatura e trazendo vento gelado. Era a oportunidade que estava faltando para colocar o plano em ação.
Só para contextualizar: para nós, frente fria de inverno é 25 graus Celsius ao meio-dia! Porque nesse inverno, os termômetros estão marcando 30 graus!!!
Tão grande quanto a via, seria a programação do dia: sair de casa às 4h15, rodar 200km até a base da pedra, escalar 740m, descer outros 740m e rodar mais 3h até Vitória no mesmo dia.
Cheguei no curral onde se deixa o carro às 7h30 e às 8h10 iniciei a escalada após uma rápida aproximação.
Como as primeiras enfiadas são mais fáceis, fui até a P5 em solo, exceto na 3a que tem um lance de IV. A escalada é fácil nesse trecho, mas não contava que a via passava por dentro de uma calha d’água onde as agarras são mais polidas. Wasabi!
Cheguei na P5 às 9h sem grandes percalços. Tirando a pedra lisa e o peso da mochila, o resto estava Ok. O tempo estava colaborando com muita nebulosidade e o vento gelado da frente fria ajudando a resfriar os neurônios.
Fiz um descanso para me alimentar porque o café da manhã não tinha descido bem. Sempre tive dificuldade para comer pela manhã.
A partir dali, a via segue em diagonal à esquerda, com a pedra ganhando inclinação progressivamente. Sem dúvida, a parte mais legal da escalada.
Cheguei na P9 às 11h30. Teoricamente tinha passado os lances mais difíceis e dali para cima seria só um protocolo. De fato, olhando para cima, depois de uma virada, parecia que a pedra ficava mais tranquila. Fiz outra pausa, pois a bateria estava baixa e começando a sentir o cansaço de escalar, rapelar e jumarear repetidas vezes.
Entrei na 10a enfiada despreocupado. Costurei o primeiro grampo e fui atrás do próximo. A via me jogava para esquerda, então fui à esquerda, segundo a linha mais natural, mas nada de achar o grampo. Quando vi, tinha pulado o próximo grampo e sem chance de voltar para costurar. Fui atrás do próximo, mas não achei. Então resolvi ir para uma árvore à esquerda com uma laca ao lado de uma grande calha d’água para estabelecer uma parada improvisada. Se tudo desse errado poderia subir pela calha.
Desci para limpar a enfiada e na volta achei o 2o grampo que eu tinha pulado e consegui me orientar novamente na via. Na verdade, o segundo grampo fica escondido atrás de um gravatá e não tem como ver de baixo. Só indo e sabendo que a via é por ali. O problema é que a linha natural te joga para esquerda…
Da parada improvisada fui para P10 e dali para cima a pedra ficou mais amigável e subi em solo novamente até o cume. A minha única preocupação nesse trecho foi encontrar as paradas que seriam necessárias na descida.
Por volta das 13h estava finalmente caminhando em direção às duas árvores isoladas que marcam o local onde fica o livro de cume. A essa altura, o calor estava mais intenso e o cansaço cobrando seu preço. Fiz uma parada cronometrada de 20 minutos para comer mais alguma coisa, assinar o livro de cume e descansar um pouco. Embora tivesse chegado relativamente cedo, eu ainda tinha 13 rapeis para fazer sozinho.
Do pouco tempo que fiquei lá, guardo a lembrança de que aquele cume tem uma energia especial. Com certeza é um lugar especial.
Para ganhar tempo, desescalei os 2 primeiros rapéis e comecei a descer com corda a partir da P11.
A descida foi tranquila até chegar na P5. Ali, ao recolher a corda, ela se moveu 20cm e travou! Puxei a outra ponta e mesma coisa! Na hora soube que o nó da corda tinha passado pelo olhal do grampo e ficado entre os dois grampos. Como uso uma corda de 10mm e outra de 6mm para o rapel, o nó fica pequeno. E o olhal do grampo é maior que o nó, então a corda acabou correndo para dentro.
Sem muita opção, tive que subir 60m pela corda fixa para resolver o problema. O que são mais 60m para quem já jumareou o dia todo!?
A partir dali fiquei mais esperto e bloquei a corda com um mosquetão simples para não acontecer o mesmo problema.
Cheguei na base por volta das 15h20 após 2h de rapel. Sem dúvida, puxar 10 rapéis foi a parte mais difícil e cansativa do dia.
Dali, mais 3h de carro até Vitória com uma parada para comer pastel e beber caldo de cana em Ibiraçu! Clássico!
Cheguei em casa às 19h30 e desmaiei!
Dicas
- Face noroeste com sombra pela manhã;
- Aproximação: 10 minutos;
- O início da via fica subindo a laje (drenagem seca) até encontrar os blocos soltos.
- É possível subir até a P5 em simultâneo e da 11a enfiada até o cume;
- Na 6a enfiada, o croqui diz 3 grampos, mas aparentemente só há dois;
- Na nona enfiada, a escalada começa pela direita na rocha clara e depois segue à esquerda onde está o primeiro grampo.
- Na 10a enfiada, após o primeiro grampo, a via segue à direita. O próximo grampo está atrás de um gravatá;
- A última enfiada segue contornando pela direita;
- Há relatos de cordadas que escalaram a via em 2h;
2 respostas em “Solitude”
Japones cabuloso!! Parabéns
sinistro demais, alem do esforço fisico enorme haja coragem, parabéns um marco pessoal incrível.