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Déjà vu

Em agosto de 2013, a 9 anos atrás, num domingo de Dia dos Pais, “Chuck” (Fabio Fabre) e eu estacionávamos o carro em meio a um cafezal para iniciar a conquista da via “Pais e Filhos” na face leste da Pedra da Onça em Itarana.

Foi a primeira vez que estávamos colocando os pés naquela cidade e logo descobriríamos o incrível potencial da região para conquista de novas vias. Assim, nos anos subsequentes, todo inverno eu ia para região de Itarana conquistar alguma coisa.

Atualmente, Itarana é um pequeno polo de escalada tradicional. Embora menos conhecida que Pancas, a região é um prolífico sítio de escalada tradicional mista com excelentes opções para todos os gostos.

Neste link há um compêndio das escaladas em Itarana.

Geologicamente, o que faz Itarana ser um lugar ímpar é a ocorrência de um grande corpo granítico (granitóide pós-orogênico – G5) que confere uma cadeia de montanha com geometria acicular.

Como geólogo e escalador, praticamente rodei toda “cadeia” conquistando novas vias e repetindo algumas outras, mas tinha uma região que eu ainda não tinha investido, o lado oriental do complexo granítico. Em parte, porque nesse lado, o relevo é mais “arrasado”, então as pedras são “menores”. Digo “menores” porque aqui, pedra com menos de 300m a gente nem dá muita bola. Para se ter uma ideia, no lado oposto, tem a Pedra Paulista onde há vias com o dobro de extensão.

Alguns dias atrás, o Chuck me convidou para marcar uma escalada e logo lembrei da nossa conquista de 2013. A memória também me fez reacender aquela região não explorada do lado oriental. E como a ideia era ir novamente no final de semana dos Dia dos Pais, achei que seria legal voltar a região.

Hoje, tenho a plena consciência de que aquela conquista de 2013 foi um passo maior que a perna. Se fosse hoje, jamais me lançaria num mar de cristal de quase 400m de escalada. Ainda hoje vejo com admiração e medo para aquela parede e confesso que tenho certo temor em repeti-la novamente.

De todas as montanhas do lado oriental, sabia que uma em particular teria algum potencial por ser “maiorzinha”. Eu imaginei uns 250 a 300m de escalada. Coisa pequena! Pensei em tentar aproveitar a maior extensão da pedra para ganhar quilometragem e quem sabe, fechar “estourando” com 300m. Ainda assim seria uma via curta.

Mas como estávamos numa vibe mais tranquila, uma via curta seria uma boa pedida para um “déjà vu session”.

A conquista

Chegamos na região por volta das 8h da manhã e assim que tivemos o primeiro contato com a pedra, todas as teorias sobre a conquista falharam. Primeiro que a extensão de “estourando 300m” estava equivocada; depois, a parede era muito mais “a pique” do que o imaginado e desejado.

Distrito de Alto Santa Maria.

Estacionamos o carro num pequeno recuo e levantamos o drone para ver “o tamanho do estrago” e estudar a aproximação. Logo, constatamos que a primeira parte seria relativamente fácil. Já a parte de cima, o headwall, seria mais dura, mas conseguimos visualizar uma sequência interessante de fendas que poderia ser “a salvação da lavoura”.

Fizemos aproximação, como de costume, varando mato e assim que chegamos na base da parede descobrimos um belíssimo veio de aplito subindo na vertical a perder de vista. Em geral, os veios são os melhores lugares para escalar por apresentar muitas agarras. E esse não era muito diferente.

Aproximação.

O Chuck abriu os trabalhos esticando 60m de corda pelo veio crivado de agarras. Assim que estabeleceu a P1, subi com todo material e ele seguiu com a conquista. A enfiada seguinte segue o veio até esticar mais uma corda cheia. Ou seja, o veio de agarras tem quase 120m!!!

Chuck no início da 2a enfiada.

Na enfiada seguinte, já sem o veio, tínhamos duas opções: poderíamos seguir pela esquerda, por um terreno mais fácil com vegetação ou seguir reto para cima por uma parede mais vertical até a base de um teto.

Convenci o “Chuck” de que reto para cima seria mais legal, mesmo sendo mais difícil do que pela esquerda. Meio relutante, daquele jeito dele, ele tocou a outra enfiada. Patinou num esticão estranho e tocou um E4 até a parada. Quase morreu, mas passa bem!

Ps: Na descida batemos uma chapa extra nesse lance.

A P3 é um grande platô super confortável e extensa que marca bem o final do rampão e o início do headwall.

Até esse ponto, não tínhamos muitas dúvidas de que daria para chegar, mas dali para cima, tudo era uma incógnita. Será que teria agarras? Os cristais seriam bons? A fenda seria uma fenda mesmo?

Assim que cheguei na P3 e olhei para cima, vi que o “buraco era mais embaixo” ou mais a pique. Também constatei que os cristais não eram tão pujantes como nas outras montanhas da região.

Subir reto para cima em livre seria impossível. Tínhamos que achar uma passagem que nos levasse à base das fendas.

Assumi o ponta e comecei uma travessia à esquerda procurando uma passagem para cima. No fim, tive que diagonalizar uns 40m até ganhar um platô onde iniciava uma parede mais podre e cheia de lacas. Ou era ali, ou teria que ser pela parede lisa sem agarras.

Conquistando a 4a enfiada.

Chamei o “Chuck” na P4 e iniciei a conquista da 5a enfiada. A conquista dessa enfiada foi muito interessante porque tive que subir “levitando” nas lacas soltas. Estava claro que várias lacas estavam soltas, mas sabia que eu tirasse as lacas não teria como subir, então o jeito foi usá-las soltas e rezar para não explodir na mão. Embora pareça estranha e feia, a enfiada ficou muito legal. Uma excelente aula de que lacas soltas também podem ser usadas como agarras se souber explorá-la.

Conquistando a 5a enfiada.
Chuck limpando a 5a enfiada.

Estabeleci a P5 na base da fenda que tínhamos visto de longe e tanto almejávamos.

Como o Chuck tinha conquistado 3 enfiadas, eu precisava conquistar essa também. Então peguei a ponta novamente e fui à luta.

Naturalmente a fenda estava bem suja com muita terra em vários trechos, então nem perdi muito tempo e fui subindo em artificial limpando e conquistando. Como a fenda é cega e vários trechos, essa enfiada possui algumas chapas intercaladas com peças. Mas no fim, após esticar uns 35m, a enfiada ficou muito estética. Não deve ser o crux da via, mas com certeza deve ser a mais bonita.

Estabeleci a P6 por volta das 16h. Dali para cima, a coisa não estava muito bonita e com certeza não bateríamos no cume nas próximas duas horas, antes do anoitecer. Assim decidimos garantir a volta com luz e resolvemos descer. Ainda tínhamos uma longa sequência de rapéis com uma caminhada chata por um pasto alto.

Em linhas gerais, o nosso consenso é que a via está ficando muito legal e está nos surpreendendo até o momento. Tenho um pouco de dúvida, numa passagem mais cima, mas superada a travessia, parece que a via “dar bom”. Mesmo assim ainda faltam uns bons 100m.

Por hora, as nossas agendas estão incompatíveis e teremos que esperar uns dias para voltar à pedra, mas os nossos planos são para retornar quanto antes, principalmente para não esquecer os movimentos das passadas!

Anotações pessoais para volta: levar Camalot #4 e #5; repetir 3x o #.5; levar saca nut; levar sapatilha de precisão; sombra à tarde.

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