^ Gillan na 5a enfiada da variante Xixi Molhado, Parede dos Sonhos, Itarana.
Quatro horas da manhã de domingo, o despertador do meu celular toca. Hora de começar o ritual “tradicional”. Às 4h30 estou em frente ao prédio do Gillan e 5 minutos depois estamos rumando à cidade de Itarana, distante a 120km da capital capixaba.
Essa história começou há alguns meses, quando o Gillan começou a me convidar para repetir a via Xixi Molhado na Parede dos Sonhos. Como eu sabia que, durante o verão, a face ficava voltada para o sol, estava muito reticente em entrar na via, pois com o calor que anda fazendo por aqui, seria impossível pegar uma parede. Mas eu acho que o Gillan imprimiu o croqui da via e o deixou na cabeceira da cama para dar uma olhadinha todos os dias antes dormir, tamanho a fascinação pela via.
O fato é que em algum momento eu disse “sim” para ele e no último domingo, lá estávamos nós rumando para “Ita-hell”
Resolvemos sair cedo para tentar nos expor o menos possível ao sol. Assim, às 7h30 já estávamos no estacionamento preparando os equipos. Enquanto nos arrumávamos no carro, já era possível de ver o sol despontando no cume da montanha e rapidamente ir “esquentando a chapa” de toda a face da montanha.
Parede dos Sonhos às 7h30 da manhã e o sol começando a chegar na pedra! O dia promete!
Quando chegamos na base da via, boa parte da face já estava com sol. Como estávamos ali, não tínhamos mais como desistir.
Olhei para cima, olhei para o Gillan e falei: voe, mas não voe!
E assim ele partiu, num toca-toca frenético para vencer o quanto antes as 7 enfiadas da via.
Na P1, já tive uma prévia do calor. O dia prometia!
Passei voando pela P2 e fui direto para P3, na base da grande fenda. Como a P3 fica num platô com algumas árvores, consegui me refugiar um pouco do sol enquanto esperava o Gillan.
Por sorte, no meio da manhã, começou a ventar, o que nós ajudou a diminuir a sensação térmica.
Guillan na 2a enfiada da via. Diedro bem tranquilo em móvel. E o sol chegando…
Entrei na fenda clássica da terceira enfiada por uma variante nova, à direita da via original, até juntar com a outra fenda e toquei emendando a quarta com a quinta para ganhar tempo.
Mais uma vez, consegui montar uma parada numa sombra, dessa vez protegido pelo enorme teto que fica logo acima. Ufa!
O Gillan tocou a próxima enfiada (enfiada do arco) até virar a pedra onde montou a P6. Ali o bicho pegou de vez, pois ficamos totalmente expostos ao sol que a essa altura estava em intensidade máxima.
Na semana passada, os escaladores Zé Márcio e Éric Penedo também repetiram essa via, porém por uma outra variante e nós avisaram que na P6 o sol ia castigar. Segundo eles, no final do dia, quando desceram para o carro, o termômetro do carro marcava 37,5 graus!!!!
Assumi a ponta com a missão de escalar o mais rápido possível a próxima enfiada para acabar de vez com o sofrimento. Entrei em modo speed e subi voando. Enquanto o sol me castigava ficava apenas pensando na Coca-cola gelada que tinha deixado na bolsa térmica dentro do carro. Até o Gillan que não bebe Coca-cola se entregou aos prazeres do líquido negro!
Chegamos na P7, olhamos para a próxima enfiada, um trepa pedra/terra com mato de 60m e decidimos que estávamos satisfeitos com a escalada. Até porque o filé da via já tínhamos passado.
Montamos o rapel e iniciamos a longa descida até a minha bolsa térmica gelada!
Descendo rumo à Coca-cola gelada! Penúltimo rapel antes de encarar a trilha!
Chegamos no carro por volta das 14h, após 6h de escalada. A essa altura, o sol estava fritando!
Como ainda estava cedo, resolvemos arrumar mais encrenca. Lembrei de uma via que escalei em conjunto com a Xixi Molhado no início do ano com o Afeto e resolvemos partir para via Fio Dental no Totem da Pedra Paulista.
Descemos até a cidade de Itaguaçu, recarregamos as energia com 500mL de açai com banana e granola e partimos para Pedra Paulista.
Na venda ficamos sabendo que toda cidade estava sem água porque o Rio Santa Joana estava contaminado por arsênio! Por isso todo o abastecimento estava sendo realizado por caminhões pipa. E lembrar que há 2 anos, a cidade foi inundada pelo mesmo rio que hoje está quase seco e contaminado… A sensação que tive, no pouco tempo que ficamos na cidade, era de pura desolação.
Pra variar, a Pedra Paulista estava fritando ao sol. Decidimos esperar o sol dar uma trégua e entrar na via com os últimos raios de sol. Já usei essa mesma estratégia no início do ano com Afeto quando escalamos a mesma via e foi muito proveitoso.
Por volta das 17h começamos a escalada com o sol já escondido atrás das nuvens que anunciavam uma tempestade à caminho. Por sorte, com o cair do dia, os ventos também aumentaram, deixando a escalada mais agradável. Porém, por outro lado, o mesmo vento que nos refrescava, também afastava a tempestade para o sul, acabando com qualquer esperança de chuva para o povo que tanto está precisando de água.
Tempo tentando, sem sucesso, virar. Ao fundo, o complexo dos Cinco Pontões.
Tocamos a via usando uma variante mais exposta, porém mais rápida e concluímos a via iluminado sob os últimos raios de sol, concluindo assim, provavelmente, a nossa última escalada tradicional do ano.
Primeira enfiada da via Fio Dental no totem da Pedra Paulista. Variante que conecta direto na fissura.
Gillan na última enfiada, após o lance do crux da via. Com corda de cima, não tem crux…
Agradecimento ao Gillan por mais um dia de escalada. E ao Baé de Itarana por nos ajudar com toda a logística local.
E desejar a todos leitores do blog, um feliz Natal antecipado e que o bom velhinho traga um pouco de chuva para o estado!
Uma resposta em “Voe, mas não voe”
Nem pegamos tanto sol assim vai… podia ter sido pior se não fossem as nuvens e a ventania. Quando a vibe é boa tudo da certo!
Duas vias fantásticas! Obrigado por topar esse dia de escaladas Naoki san! Abss