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4a repetição do Filhote da Foca

No último feriado, aqui no ES foi feriado na segunda feira, Caio Afeto e eu realizamos a 4a repetição do “Filhote da Foca” nos “Cinco Pontões” de Laranja da Terra/Itaguaçu.

Plano A

Na verdade, repetir o “Filhote” não estava nos nossos planos originais, pois tínhamos ido para os Cinco Pontões para continuar um antigo projeto do Jean Pierre von der Weid, Ivan Calou, Ricardo Moraes e Rodrigo Milone na frontal do “Pico 17 de Julho” que transcorre por um sistema único de fenda/chaminé que vai da base até o topo totalizando quase 350m de escalada vertical a negativa.

A muralha!

Segundo o relato do Jean Pierre, no livro Horizontes Verticais (2006, Ed. Publit), em 1999, eles chegaram a esticar 60m de corda até encontrarem uma chaminé entupida de fezes de andorinha, onde tiveram que desistir do projeto.

Tempos depois o Afeto chegou a repetir os metros iniciais do projeto e achou que poderia dar sequência, pois aparentemente não havia mais as fezes de andorinha.

Conversei com o Jean Pierre e obtivemos a autorização para dar continuidade ao projeto e assim partimos para Itaguaçu.

Nos armamos até os dentes e fomos aos Cinco Pontoes no sábado de manhã. Chegamos sem pressa, separamos os equipamentos no “Recanto dos Cinco Pontões” e partimos bem carregados para lá.

Separando os equipos.

Chegamos na base do 17 após uma aproximação de uns 30 minutos. Para nossa tristeza as fezes continuavam lá e para piorar vimos uma cachopa de abelha na base da chaminé. Tentamos procurar uma saída alternativa para contornar as fezes e as abelhas, mas não achamos uma alternativa viável para contornar em livre. Daria para fazer um longo artificial em parafuso, mas não era isso que estávamos buscando, então descemos sem nem ter iniciado a escalada.

Voltamos até o carro e pensamos num plano B. Logo veio à mente a tentativa fracassada de 2014 no Filhote da Foca. Na ocasião tive que descer no início do artificial, uns 5m do chão, porque não tínhamos os equipamentos necessários para progressão.

De lá para cá, sempre que viajava para o exterior, ia comprando aos poucos, as peças específicas necessárias, sempre pensando em repetir a via um dia.

Rearranjamos as mochilas e partimos para a base da via por volta das 13h. O nosso objetivo da tarde era subir até a P2, fixar uma corda estática de 70m e descer para fazer o ataque final no dia seguinte.

Var. Fiapo de Lambique

Pedi ao Afeto para que eu pudesse me redimir do artificial e parti para luta. A laca expansiva da saída (VI) saiu bem melhor dessa vez, graças as várias viagens específicas para aprimorar a minha escalada em fenda.

No artificial em piton (A2+), onde não consegui vencer o teto na 1a tentativa, liguei o “foda-se” e entrei sem medo. O voo que tomei na semana passada me deu muita confiança e consegui ficar bem confortável na virada do teto (crux).

Bati 3 pitons e a fenda sumiu bem onde tinha desistido em 2014. Consegui colocar um Toten azul em offset marginal (tipo um #.2). Nessa hora dei valor à peça e a tecnologia envolvida. Tentei colocar um Camalot #.3 mais acima, mas a fenda era tão podre que a medida ia testando a fenda ia se desfazendo. A fenda expandiu tanto que consegui colocar um Camalot #.4. Sentei na peça e comecei a estudar a próxima colocação. De repente, o #.4 sacou e cai seco no Toten Azul. O coração veio na boca e parecia que o mundo tinha parado de girar por um instante. Se o Toten tivesse saído, iria tomar um zipper nos pitons e iria tomar outro voo épico em travessia, pois a minha melhor peça estava no início da travessia. O medo foi substituído pela raiva. Converti a raiva em motivação e toquei para cima até consegui colocar mais um piton lâmina numa laca fina.

Logo acima, a fissura ficou mais sólida e as colocações melhoram progressivamente até chegar na P1 que fica uns 25m do chão.

Primeira enfiada.
Rack utilizado na parte da fissura, sem as peças utilizadas na parte do VI.

Após 1h30 de luta, fixei a corda e o Afeto subiu limpando a enfiada.

Sem perder muito tempo, o Afeto iniciou a 2a enfiada que segue por uns 30m em artificial de parafusos (5/16) com chapas (5/16) a cada 10m até a P2. Segundo meus cálculos, foi mais 1h nesse trecho.

Afeto na 2a enfiada.

Descemos da via por volta das 17h e fomos socializar na Vila dos Cinco Pontões. O Afeto é uma celebridade local e sempre que passamos por lá, passamos algumas horas tomando café, comendo bolo e jogando conversa fora.

Entardecer nos Cinco Pontões. Foto: Afeto.
Selfie!

A noite ainda participamos de um bingo organizado pelo pessoal do Recanto para levantar fundos para o Dia das Crianças em outubro. Eu ganhei um pano de prato e o Afeto um bolo!

Vila dos Cinco Pontões.

Ataque final

No dia seguinte acordamos sem pressa, tomamos um café da manhã descompromissado no Recanto e partimos para pedra.

Chegamos na base por volta das 9h30 e subimos pelas cordas fixas. Peguei a 3a enfiada em artificial e subi intercalando trechos em livre com artificial até a P3 que fica num confortável platô onde a variante “Fiapo de Lambique” se encontra com a via da Conquista.

A Variante Fiapo de Lambique (5o, VI, A2+, E2, D2, 90m) foi conquistada pelos escaladores cariocas Jeferson Costa, Luciano Bender e Reinaldo Rabelais em 1996. Essa variante evita a saída original da Via da Conquista (5o, VI, A2+, E3, D4, 160m) de 1973 conquistada pelos escaladores Carlos de Almeira Braga, Jean Pierr von der Weid, José Carlos de Almeida da Silva, Luiz Penna Franca e Marcelo Martins Werneck.

No dia anterior, durante a exploração pelo 17 de Julho, ao me desequilibrar na trilha com a mochila pesada, meti a mão num espinho que acabou inflamando o meu dedo indicador direito. Ainda hoje, 5 dias depois, enquanto escrevo o post, continuo com o dedo inflamado. Por isso, praticamente não conseguia usar o indicador para escalar a via.

Dedo inchado.

O Afeto pegou a enfiada seguinte pela via da conquista que transcorre por uma sequência de “ondas” protegida com grampos de 1/4 pol. e 1/2 pol. da época da conquista. Assim que ele chegou na P4, subi até um grampo de 1/2 pol. que fica mais abaixo, para não ficarmos em apenas um grampo velho. Dali, o Afeto tocou mais 30m até a base da cereja do bolo onde estabeleceu a P5, também em grampo simples (Pode ser melhorada com peças grandes).

Segundo as palavras do Jean Pierre para esse trecho:

“(…) Eram lances delicados, de 4o ou 5o grau, com agarras quebrando, mas num quadro maravilhoso à sombra da Foca ali ao lado. (…)”

Jean Pierre von der Weid
Afeto no início da 4a enfiada.

Dali para o cume faltavam apenas uns 5m para cima, mas para vencer esse lance tínhamos que dar um balão pela esquerda para subir pelas lacas.

Descrito pelo Jean Pierre como:

“Uma horizontal fácil e uma fissura simples, mas bastante exposta, conquistada pelo Zé Carlos, e o cume era nosso! E que cume” (…)”

Jean Pierre von der Weid

Olhei para o lance e pedi para ir. O Afeto já tinha tocado 2 enfiadas bem estressantes para achar os grampos de 1/4 num mar de cristal e não seria justo ir na carona.

Toquei o lance e sem grandes dificuldades (IV) cheguei no cume e chamei o Afeto. Às 13h estávamos no cume do Filhote da Foca após 12 anos da última repetição e 49 anos depois da conquista.

  • Conquista: 1973 – Carlos de Almeira Braga, Jean Pierre von der Weid, José Carlos de Almeida da Silva, Luiz Penna Franca e Marcelo Martins Werneck;
  • 1a repetição: 1996 – Jeferson Costa, Luciano Bender e Reinaldo Rabelais;
  • 2a repetição: 1997 – Luis Gustavo Teles de Almeida e Ricardo de Morais de Almeira; Ivan do “Carioca” e Jean Pierre von der Weid;
  • 3a repetição: 2010 – Sandro Souza, Oswaldo Baldin, “PH”, “Tatu”;
  • 4a repetição: 2022 – Caio “Afeto” e Naoki Arima.
Jean Pierre durante a conquista do Filhote da Foca (1973).

Curtimos a vista, bebemos o resto da água e iniciamos a descida.

Livro de cume.
Vista panorâmica do cume.

Bibliografia

Vista clássica dos pontões.

Pedra do Penedo

No dia seguinte ainda queríamos entrar na Língua de Boi, mas com meu dedo ruim, pedi para o Afeto abortar a missão e ficar de boa na região. Não sou o Tommy Caldwell que escala a Dawn Wall com 9 dedos!

Aproveitamos o dayoff e fomos até a “Pedra do Penedo” em Itarana para nos encontrar com o “Van” e a “Zezé” para um churrasco. Em 2018 estive com o Afeto para conquistar a via “Terra Prometida” e ficamos nesse mesmo sítio. Ver aquela parede 4 anos depois, sob nova perspectiva e mais velho, me encheu saudosismo. Ao mesmo tempo, fiquei pensando de onde arrumamos tanta motivação para conquistar aquela muralha em apenas dois dias.

Pedra do Penedo de Itarana.
Sítio do Van e da Zezé.
Fogo na lenha e carne na brasa!

À tarde ainda tivemos o salto do Afeto na Pedra do Penedo antes de voltamos para Vitória no final do dia.

Afeto no exit da Pedra do Penedo.

O final de semana serviu para relembrar que o bom da montanha não são só as pedras, mas também as pessoas que moram em volta. Conversar com essas pessoas faz refletir melhor sobre o estilo de vida, por vezes louca, que levamos e pensar no real sentido de felicidade que sempre buscamos.

Jacu!
Pedra Alegre e Pedra da Onça.
Coruja.

Meus sinceros agradecimentos ao Afeto que sempre entra nas roubadas comigo, a todos do “Recanto” pela receptividade de sempre; Ao “Van”, “Zezé” e Sergio pelo churrasco e as horas de conversa fiada.

Mais uma para conta!
Recanto dos Cinco Pontões.
Penedo.
Complexo Cinco Pontões.

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