Dias atrás, enquanto me entendia com os espinhos em Pancas, recebi uma mensagem do “Chuck” falando que, ele e DuNada estavam fazendo uma caminhada de reconhecimento e acharam a base da via “Principal” no Morro do Macaco em Cachoeiro de Itapemirim. E que em duas semanas pretendiam voltar lá novamente para escalar a via.
Duas semanas depois lá estávamos nós para tal invertida.
A via Principal (5o, VI, E4, D3, 500m) do Morro do Macaco foi conquistada em 1997 (?) pelo famoso escalador local “Kinkas” e sua esposa Valéria. Kinkas é, sem dúvida, o principal desenvolvedor das escaladas na região do Complexo do Itabira e a via Principal é a obra mais famosa dele na região. As vias dele possuem um estilo peculiar, com trechos bem protegidos no início e final sempre mais espaçado, exigindo uma boa leitura de via.
Em 2019, repeti uma via dele no Morro do Lagarto com o Porko. O relato da escalada está aqui!
Poucas pessoas repetiram a via Principal ao longo dos anos. No livro do Baldin, as informações são bem básicas e sem croqui. Já as pessoas que repetiram são de “idade avançada” que já nem se lembram o que comeram no café da manhã, lembrar dos detalhes da via então…
Mas todos lembraram que o crux da escalada foi achar a base da via. E quem foi lá pela primeira vez sempre foi com o Kinkas o que facilitou muito essa parte.
Como o DuNada e o Chuck fizeram essa parte, fiquei “meio-aliviado”. A outra metade da preocupação ficou por conta deles, que têm fama de serem “bem atrapalhados”, o que me deixou um pouco preocupado. Por isso tratei de pegar mais detalhes sobre a escalada em paralelo, mas também não consegui muita coisa.
Segundo a dupla, eles varreram toda face norte da montanha subindo e descendo rampão de pedra a procura de grampos e a única linha que acharam foi a da “Principal”. Tentaram procurar a via do Macaco que fica à direita, mas não acharam os grampos iniciais. Concluíram também que o traçado desenhado no livro “Escalada Capixaba” está errado, pois a via encontra-se na face oposta à foto, e não na aresta como sugere a figura.
A tentativa
Resolvemos ir a Cachoeiro na 6a noite e dormimos na casa do tio do Chuck. No sábado, às 5h nos encontramos com o DuNada e partirmos para pedra. Como na semana anterior estiveram lá, já tinham alinhando o acesso com o proprietário, o que foi um bom adianto.
A caminhada foi bem suave, trilha recém-aberta, totens, tudo tranquilo. Menos o calor! Mesmo às 6h30 da manhã, o calor estava sufocante. Subi a trilha suando como uma bica d’água. A certa altura estava passando mal devido ao “efeito estufa”. Cheguei na base da via totalmente quebrado. Por mim poderíamos dar meia volta e ir para casa dali mesmo.
O DuNada me mostrou o 1o grampo e explicou a teoria para concluir que ali era o início da Principal. Eu tinha uma foto que o Brunoro me mandou e foi tirada do alto, mostrando um pouco a base da montanha. Consegui reconhecer alguns matos, mas tive dúvida, pois há diversos platôs de mato na área. Sugeri que a Principal poderia estar mais à esquerda pela foto, mas acharam que era improvável. A linha também não parecia ser a via do Macaco, pois ali não tinha um platô na metade da via, tal como está descrito no livro, então me convenci que tinha que ser ali também.
Iniciamos a escalada com o DuNada abrindo a cordada. A 1a enfiada tem 70m, então o “segue” precisou sair um pouco no final para dar corda. O Chuck pegou a 2a enfiada, mas sucumbiu no início do headwall onde fica o crux da enfiada (V SUP/VI). Peguei a ponta e toquei mais 55m até a P2. Aproveitei o embalo e peguei a 3a enfiada também. Mais 55m protegida com 8 grampos mais a parada. Um desfrute de V/E2.
Da quarta enfiada conseguíamos ver 3 grampos e depois mais nada. Imaginamos que o grampo estava escondido no platô. O Kinkas tem costume de bater o grampo sentado no platô, o que dificulta a localização.
O DuNada tocou essa enfiada e assim que ele achou o quarto grampo num platô, viu que estava com um molho de grampo.
Bingo, estávamos na via errada. Conferi novamente a foto do Brunoro, agora mais de cima e finalmente consegui identificar os matos. De fato, estávamos no lugar errado. A Principal tinha que estar mais à esquerda.
E essa via misteriosa? Seria o Macaco? Uma rápida consulta ao guia e descobrimos que se tratava de outra via não concluída do Kinkas e da Valéria. No livro está na seção “vias inacabadas” e na figura de localização das vias ela não aparece. Para complicar mais ainda, nenhuma das pessoas consultadas comentaram a existência de uma via ali perto.
Editado em 18/5/2022 – No parágrafo acima falo que a via inacabada aparece na seção “Vias inacabadas” do livro “Escalada Capixaba”, mas a via inacabada que o Baldin se refere é outra via que fica no Morro do Lagarto, ao lado da via do Lagarto. Na hora troquei o Lagarto por Macaco e fiz confusão. Ou seja, essa via não aparece no livro e nem temos certeza se é do Kinkas.
Agora, no conforto do lar, todas as peças se encaixam com facilidade, mas lá na hora, tudo foi mais complicado e duvidoso.
Descemos uns 200m e fomos procurar novamente a base da via. Subi um costão exposto até ganhar um segundo platô e finalmente encontrei o início da via. Três grampos amarelos (ou brancos?) pertinho do outro marcam o início da via. Agora sim! Mas a essa hora, 11h, já tínhamos “queimado a largada” e não teríamos tempo hábil para entrar na via e terminar até o final do dia.
Além disso, a previsão do tempo errou feio e o dia que era para ser nublado e chuvoso estava trincando de calor. Todos nós fomos preparados para encarar um dia nublado na montanha, levando pouca água e muito agasalho. Eu tinha subido com 1L de água para 500m, mas naquelas condições não sei se seria suficiente.
No fim foi até bom ter baixado. Pelo menos conhecemos uma via inacabada, que por sinal é ótima e com grande potencial para ser uma via incrível. Acho que ainda faltam uns 200m até o topo. Também agora sabemos exatamente onde fica a base da Principal.
Aguardem cenas do próximo capítulo!
Segue abaixo uma pequena descrição da via inacabada:
1a enfiada – 70m, A linha segue reto para cima, mas em diversos momentos é preciso fazer um balão pela esquerda. O primeiro grampo é visível da base, acima de dois buracos, a uns 15m da base. 4 grampos mais a parada (dupla). A parada fica escondida num platô.
2a enfiada – 55m. Reto para cima, mas com balões pela esquerda. Crux entre a 4a e a 5a proteção (VSUP/VI) no trecho onde a rocha ganha inclinação. Pessoa muito baixa poderá não conseguir costurar a 4a proteção. 6 grampos mais parada dupla.
3a enfiada – 55m, 8 grampos. Enfiada bem protegida com lances bem divertidos. Crux na chegada da parada (dupla).
4a enfiada – enfiada inacabada. 4 grampos. No 4o grampo há um molho de grampo.
Uma resposta em ““Chuck Tur””
Não avisaram, tenho fotos e escalei com Allan parte da vida principal nos meus primordios da escalada em 2012 ou 2013