Motivação
Esses dias recebi num grupo de conversa um “relatório de acidente” onde lá pelas tantas recomendavam utilizar o “nó oito cavalgante” (offset figure eight) para emendar corda para o rapel. No entanto, já é bem consagrado na literatura de montanha que esse nó “rola” com baixa carga e foi a causa de diversos acidentes fatais.
Por isso fiz um pequeno alerta falando sobre esse tal “relatório” no Instagram que acabou ganhando bastante repercussão. Lendo as dúvidas, comentários e as conversas observei que muita gente ainda tem bastante dúvida sobre o assunto. Então resolvi fazer esse post para explicar melhor, já que no Instagram os stories expiram e a informação acaba caindo no esquecimento.
Qual o problema do nó oito cavalgante?
Segundo um ensaio realizado por Thomas Moyer em 1999, o “nó oito cavalgante”, a depender de como é confeccionado pode “rolar” a partir de 50kg de carga. Uma vez que o nó inverte, o nó começa “rolar” sobre ele até chegar no final da corda e se desfaz. Um estudo conduzido pela Petzl mostrou que com esse nó, a corda rola entre 3 e 5kN.
Segundo um artigo publicado na Climbing de 2016, pelo menos três acidentes fatais estão relacionados ao uso desse nó, embora algumas fontes tenham reportado erroneamente que o nó usado seja o nó aselha.
Nó para emendar corda para rapel
Antes de mais nada é importante ressaltar um aspecto importante. Há diversos nós para emendar corda, sendo o “nó pescador duplo” e o “nó oito guida” (figure eight bend) os mais famosos e consagrados.
Na indústria, por exemplo, se usa esses dois nós para emendar corda. Para emendar cordelete, por exemplo, se usa o “nó oito guiado”. O pescador duplo também é amplamente usado, mas muitos profissionais não recomendam porque é um nó difícil de atestar a montagem. Veja figura abaixo e compare! Além disso, é um nó difícil de desfazer. Por isso, recomenda-se que sempre desfaça o nó do cordelete após o uso e nunca pegue um cordelete montado por terceiros.
O grande problema desses nós para o rapel está na hora de puxar a corda. Devido à forma do nó há grande chance de o nó prender em alguma rugosidade impossibilitando a recuperação da corda. Figura abaixo.
Para minimizar esse problema, o nó aselha é o mais recomendado e utilizado por minimizar o atrito e o potencial de prender em alguma rugosidade, uma vez que quando tracionado, o nó tente a ficar virado para cima, livre de atrito.
Sinônimos para o nó aselha: EDK (European Death Knot), overhand knot, nó de padeiro, nó Patagonia.
Devido à simplicidade do nó, o aspecto frágil e os acidentes reportados erroneamente há muita discussão acerca desse nó.
Segundo os experimentos realizados por Moyer (1999), o nó aselha “rola” (não rompe e nem desfaz) a partir de 700kg de carga. Muitas pessoas acham que o fato de o nó rolar a partir de 700kg seja motivo para condená-lo. Lembrando que um fator de queda 1 não chegar a nesse valor.
Já num estudo realizado pela Petzl o rolamento começou entre 4 e 7kN.
Se mesmo assim, se você sentir desconfortável com esses 700kg, poderá usar o “aselha duplo”. Segundo Grant Prattley (2015), nessa configuração o nó não rola e rompe pelo nó com 12kN. A desvantagem da “aselha dupla” é o volume do nó que aumenta significativamente em relação à aselha simples.
Nos dois casos, é recomendado deixar entre 30 e 50cm de rabicho.
Emendando cordas de diâmetros diferentes para rapel
Outra dúvida que surge diz respeito a emendar cordas de diâmetros diferentes para rapel. Atualmente é bastante comum rapelar com a corda de escalada (<8,7mm) emendada com uma retinida (6mm) para poupar peso. Para esta finalidade, o recomendado é o nó aselha duplo. Segundo um experimento demonstrando no canal Canyons & Crags, nessa configuração o cordelete rompe no nó a 600kg de carga, próximo ao limite do cordelete.
Segundo um experimento realizado pela Petzl, usando o aselha simples em cordas com diâmetros diferentes, a corda rola a partir de 3kN. Segundo eles, para este caso o recomendado é o “aselha com nó de freio”.
Um detalhe importante!
Quando montamos um rapel emendando corda, a carga sobre o nó é dividida fazendo com que o nó seja menos solicitado (+ ou – a metade). Veja figura abaixo. Por outro lado, se for montando um rapel “simultâneo”, que é bastante desaconselhado, nesta configuração o peso do escalador não será dividido já que cada escalador estará numa corda. Pelo fato de sobrecarregar o nó, neste caso, o aselha não é o mais recomendado. Veja figura abaixo. Neste caso, o ideia é usar um nó oito guiado ou pescador duplo e conviver com o atrito e o risco de prender em quina. Ou blocar as duas cordas se a cordada for em três.
Variações sobre o aselha
Por ser um nó simples, o aselha permite diversas variações de arremate e/ou backup. Nelas todas, há o aumento de volume o que será um problema. Entre as diversas variações, apenas o aselha dupla e o duplo com freio possuem algum ensaio que atesta sua resistência. Para outras variações não encontrei estudos que garantam sua eficiência, por isso desaconselho essas variações.
Espero que tenha sanado a dúvida da galera. Qualquer dúvida, escreva nos comentários.
2 respostas em “Emendando corda”
O nó fotografado como “cavalgante” *NÃO” é o cavalgante, que é feito com “nó cego” ou nó simples, aquele é um nó OITO com as pontas pro mesmo lado, que desmancha facilmente.
O Cavalgante tb pode ser feito com um nó simples pra um lado, seguido de outro para o lado oposto, bem encostados, que aqui aparece com “aselha” e “aselha dupla” …
Muito bom japones, excelente artigo!