Em 15 anos de escalada conheci muitos lugares e muita gente. Vi muita gente começando a escalar, mas também vi muita gente parando de escalar.
Cada pessoa tem uma motivação, seja para começar a escalar quanto para parar de escalar. Parar de escalar também é um processo natural que faz parte da vida, pois ao longo da vida as nossas motivações mudam.
Antigamente achava que quem parava de escalar era preguiçoso, mas hoje vejo que isso é um processo super natural. Todos nós crescemos, evoluimos, trabalhamos (0u não…), temos família, filho, esposa, conta para pagar…
Por outro lado há também os que escalam há anos, que numca largam o osso e não tem previsão para largar tão cedo, que juraram morrer escalando. Não diria que essas pessoas sejam os fodões e tal, mas diria que essas pessoas sejam os verdadeiros fanáticos da escalada.
Por essas e outras, sempre respeitei os escaladores de longa data, que não se deixam abalar pela idade e nem pelo tempo, que estão sempre na rocha escalando e intrigando a nova geração com a sua experiência. Como esses velhos conseguem??? E uma das personalidades mais singulares da escalada capixaba na ativa é o “tio” Zé Márcio. Um cachoeirense orgulhoso de suas origens que acha que Cachoeiro de Itapemerim é a capital secreta do mundo. Sempre treinando no muro com a galera e botando muito guri novo a ver navios. Nos finais de semana, Zé está sempre atrás de uma bela roubada ou conquistando uma via tradicional em algum canto do estado.
Zé Márcio e Afeto.
Com a palavra o tio Zé:
Nome: Zé Márcio Moraes Dorigueto
Cidade natal: Cachoeiro de Itapemirim, ES, a capital secreta do mundo
Anos de escalada: 13, desde 1997, comecei tarde
Um livro: Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas, Pirsig – já li umas três vezes.
Uma música: As Falls Wichita, So Falls Wichita Falls, Pat Metheny – marcou uma época da minha vida.
Um filme: Blade Runner – já perdi as contas de quantas vezes assisti.
Pessoas que inspiram: os que escalam em harmonia com a rocha, parecendo que um foi feito pro outro
Um escalador (a): Reinhold Messner
Um lugar: Frey (ARG) – me senti em casa
Um sonho: arrumar um veleiro e sair por aí, botar minha habilitação de Capitão pra funcionar.
Equipo dos sonhos: ultimamente ando me desfazendo das coisas, menos é mais… talvez um dia experimentar o Silent Partner
Dunada e Zé após da conquista da via Castelo Cachoeiro em Apeninos.
Naoki (N) – Zé, não vou te perguntar como você começou a escalar porque eu acho que não vai se lembrar, he he he.Mas diga ae, como foi o início de tudo? Lembra?
Zé Mário (Z) – Lembro perfeitamente. Um amigo do sul do Brasil que havia se mudado pro ES me convidou para ir escalar com ele o Dedinho, de Afonso Cláudio. Pra quem não sabe é uma viazinha de uns 500m, com uma sensação de altura durante a escalada que até hoje me emociona. Bem, ele na verdade não sabia mais quase nada de escalada, só lembrava vagamente… mas lá fomos nós, eu, ele, o filho e outro amigo, com 2 cadeiras, 2 oitos, 2 mosquetões e uma corda de polipropileno que eu usava para amarrar meu barco. Claro que tomamos uma surra, mas o vírus da escalada ficou. Eu tinha acabado de vender meu paraca para comprar um inflável para passar uma temporada de mergulho na Bahia. Resolvi não voltar pro vôo e passei a investir na escalada. Retornei a Vitória, conheci outros escaladores, que acabaram virando ótimos amigos, e aos poucos fui aprendendo. Na sexta vez que voltei no Dedinho eu consegui chegar no cume. Acho que é por isto que adoro aquele lugar…me marcou.
N – E agora? Está com quantos anos?
Z – Dá pra passar esta pergunta? He he he…
(N.A.; Esse é um segredo guardado a 7 chaves…)
N- Por que você acha que não restou tanta gente da tua geração na escalada? E por que a gente não vê tanta gente da melhor idade escalando? A escalada é um esporte jovem?
Z – Então, cadê o pessoal? Eu acredito que a escalada é uma brincadeira e que as pessoas vão desistindo de brincar à medida que se deixam levar pela idade. Da geração que escalava quando comecei só ficaram o Quincas e o Baldin… que saudades de escalar com o Duda, Marcão, Juninho, Roberto, Rodrigo, Toniato, Mutante… toda uma galera de verdadeiros montanhistas. Se a escalada é um esporte jovem? Sim e não. Ter um corpo jovem ajuda mas todos que citei poderiam estar mandando muito bem se ainda escalassem. O negócio é estar sempre escalando. Muito do esforço físico a gente compensa com a mente… ou pelo menos tenta, he he he.
N- E quando a idade atrapalha? E quando ajuda?
Z – Atrapalha bastante na hora de se recuperar de uma lesão ou de um esforço muito grande. Quando ajuda? Na hora de escalar em lugares ermos, longe de tudo e de todos, manter a cabeça fria e tomar decisões difíceis.
N – Como você vê o cenário da escalada Capixaba hoje? Fazendo uma retrospectiva, como nós estamos? Estamos no auge ou numa fase de baixa?
Z – A escalada esportiva capixaba está evoluindo numa velocidade estonteante, nunca estivemos tão bem. As grandes conquistas, as paredes, é que estão sentindo falta dos montanhistas capixabas. Poucos gostam de freqüentar as grandes vias e quando vão geralmente escalam em grupos grandes.
Zé treinando no muro do Porko.
N – Quais são as suas motivações atuais para com a escalada?
Z – Fazer as vias clássicas. Adoro entrar numa via que tem história.
N – E o seu engajamento com as politicas ambientais? Como você vê a politica atual? Estamos progredindo ou estagnado?
Z – Esta é uma pergunta que dói responder. Estamos progredindo, mas a passos de tartaruga. Fiz Mestrado em Eng. Ambiental, tento fazer as coisas acontecerem, participar de conselhos, cobrar de amigos que hoje estão em posições estratégicas no governo… mas ainda estamos muiiiiito atrasados. Os parques capixabas ainda não recebem seus montanhistas como deveriam, não nos conhecem e, na maioria deles, ainda nos vêem como problema. Não querem nem se dar ao trabalho de viabilizar o acesso às montanhas a um dos seus melhores usuários. Preferem que fiquemos em frente à uma TV vendo Faustão e nos transformemos em mais um tanto de neuróticos urbanos. Por outro lado, uma boa parcela da culpa disto tudo é dos próprios montanhistas. A maioria não quer se envolver, brigar por planos de manejos bem feitos, ir em reuniões, ajudar a planejar… deixa pros outros fazerem este trabalho pra eles.
N – Como você vê essa geração nova chegando na escalada?
Z – Com um gas incrível. Em 97, quando comecei, quase não havia esportivas na Grande Vitória. Eu mesmo não gostava muito, preferia as paredes. Hoje quem começa dá de cara com centenas de vias esportivas, das mais variadas graduações. E a evolução é rápida. O que não vejo nesta geração é aquele espírito de aventura, de se jogar pras grandes conquistas, entrar em vias que requerem mais de um dia, não ter medo de encarar o desconhecido.
N – E para finalizar, o que você diria para os novos? E para os antigo que estão pensando sempre em voltar, mas nunca voltam?
Z – Difícil, heim? Mas diria pra se aventurar um pouco mais. É nas montanhas, nos perrengues, nas pequenas roubadas, que a gente se conhece e onde realmente apriporamos nossos instintos. Quanto aos que, por preguiça, não voltam a escalar, pensem nos ótimos momentos que as pedras lhes proporcionaram. Elas continuam no mesmo lugar, vocês é que se afastaram.
N – Valeu Zé!
Zé escalando na Falésia do Capeta em Viana.
2 respostas em “Entrevista com o “dinossauro da escalada Capixaba”
Ihuuuuuuuuuuuu, vlw presidente, mas quanto a idade não está quardado a sete chaves não, só subornar o Dunada que ele já viu a identidade do Zé, Hehehehehehehehe!!!
Ta velho einm Zé, heheheheheheheheeh…
Muito boa a entrevista Naoki, abraço!!!
Massa, Naoki! Só faltou ele responder aquela perguntinha que não quer calar: Quantas anos ele tem?!? Ficou apenas a deixa “Comecei tarde. Há 13 anos atrás” rsrs. Brincadeiras a parte o Zé é um exemplo de escalada e, principalmente, de estilo de vida. Consegue levar a vida com sabedoria, na medida certa para ter uma vida estável, com trabalho, família e etc., e ainda ter tempo e disposição para se dedicar às coisas que gosta e àquelas que realmente importam. Vida longa ao Zé! rsrs