Escadaria para o Paraíso, 3a investida

Há duas semanas, quando voltei da 2a investida ao projeto “Escadaria para o Paraíso” na Pedra do Holandês em Itaguaçu, dei falta do meu Totem Cam Verde.

Um dos riscos que sujeitamos quando escalamos são as perdas matérias, seja por desgaste, quebra ou até mesmo perda. E quando o assunto é conquista, isso acaba se amplificando mais porque tudo é mais over e intenso.

Após uma verificação mais minuciosa concluímos que a peça deveria ter ficado na parede, provavelmente em alguma fenda. Atualmente, uma peça dessas é avaliada em R$500,00 no melhor cenário de aquisição, então não dá para simplesmente deixar para trás e comprar outra. Por isso era preciso voltar lá quanto antes, até porque a peça fica exposta às condições adversas que danificam o material. Uns anos atrás, deixei um molho de material móvel, também esquecido, na Pedra do Tubarão em Afonso Cláudio e tive que voltar na semana seguinte para fazer o resgate. Diferentemente de outros lugares, aqui no ES, as vias têm pouco tráfego para um resgate posterior via terceiros. Então se esqueceu, tem que ir buscar por conta.

O ideal seria ter voltado na semana passada, mas ainda estava estafado da última investida, então resolvi relaxar nos Três Pontões. 

Com isso resolvi organizar a busca para o último domingo, dia dos Pais.

Convidei novamente o Iury para empreitada e contei com o reforço do Chuck, mas o Iury achou que em 3 nessa via não iria render devido às longas travessias. De fato, na 2a investida, tivemos bastante dificuldade para gerenciar a travessia.

Assim, no fim acabei voltando apenas com o Chuck. Mas rodar 320km só para buscar um Totem não teria graça, então estabelecemos algumas metas complementares: um, liberar as enfiadas 5, 6, e 7; e, conquistar mais algumas enfiadas até o corpo não aguentar mais, ou o Sol se por, o que vier antes.

Amanhecer no Rio Doce.
Pedra do Holandês.
Separando o material.

Entramos na parede por volta das 7h 30 da manhã com o Chuck guiando a 1a enfiada. Aliás, horas antes, ainda em Vitória, quando o Chuck entrou no carro, já saiu com essa:

-Japa, acordei hoje com meu ombro doendo. Não consigo nem levantar o braço!

Chuck reclamar de dores não é novidade, mas sabia que a questão do ombro era mais séria, então falei que se o ombro reclamasse demais, abortaríamos a missão. Por isso, ele guiar a 1a enfiada foi importante para saber se daria para continuar a escalada.

Chuck na saída da via.

Assim que o Chuck chegou na P1, ele já avistou o Totem no início da 2a enfiada. A missão número um estava completada. Poupei R$ 500,00!

Totem Cam Verde perdido!

Como o Chuck achou que daria para seguir, partimos para missão dois: liberar as últimas três enfiadas!

Dessa vez, um guiava, o segundo subia participando e o fomos içando o haulbag com todo material de conquista, mais os mantimentos para o dia.

Como sabia que a parede ficava na sombra à tarde, levamos 2L de água para cada, mas o dia estava muito quente e abafado, indicando que 2L não daria conta. 

Chegamos na P4, por volta das 11h já bem cansados do Sol e da hauliada. Quando se escala em dupla, não tem descanso. Pior do que isso, só em solitária!

Chuck guiando a 4a enfiada.
Limpando a 4a enfiada.

Liberei a 5a enfiada e acho que um V seja bem adequando. Nessa enfiada, tanto o guia quando participante precisa ter condições de guiar esse grau, pois a enfiada é uma longa travessia com proteções espaçadas.

Saída da 5a enfiada.
Puxando um ar na P5.

A 6a enfiada, conquistada em artificial, saiu sem dificuldades. Acho que IV seja mais do que justo. Acho que o único problema dessa enfiada é a qualidade das colocações. As lacas não transmitem muita segurança; por isso, é bom colocar mais peças.

A 7a enfiada é uma das cerejas do bolo da via. É uma enfiada bem atlética com crux ao melhor estilo trik em placa finalizando com uma travessia em fissura invertida de dedo. Sugestão inicial de VI para enfiada. Talvez VI SUP, mas à confirmar.

Chegamos na desconfortável P7 por volta das 14h (com 2h de atraso em relação ao planejado). Preciso confessar que cheguei destruído. O conjunto, Sol, pouca água, sucessivas enfiadas duras e hauling complicado acabaram comigo. Foi difícil pegar a furadeira e partir para 8a enfiada, ainda mais porque a travessia não parecia nada fácil, mas sabia que uns 20m adiante iria encontrar uma bela laca que nos levaria a um platô. 

Repondo as energias.

O início da travessia se mostrou difícil. Pedra inclinada e esfarelenta renderam bons momentos de emoção, mas logo depois, as agarras surgiram e tudo ficou mais fácil até encontrar um trecho liso de uns 3m, antes de chegar na laca. Nesse dia, para poupar peso, deixei o jogo de cliff em casa, o que acabou se mostrando um erro de estratégia, pois sob condições normais iria passar esse lance em furo de cliff, mas sem muitas opções teve que ser em livre mesmo. Já a parte da laca se mostrou bem agradável e divertida. Assim que ganhei um platô descente, estabeleci a P8.

Da P8 já dava para ter uma boa noção do que nos aguardava: uma sequência de diedros em uma parede vertical.

A próxima enfiada parecia fácil. Ofereci a ponta para o Chuck, mas achou que um trecho de ligação poderia ser complicado e declinou a oferta. 

Em nome da curiosidade, mesmo cansado, parti para nona enfiada. O início saiu fácil, mas quando as lacas sumiram tudo ficou mais complicado. O ápice da enfiada foi encarar outra parede lisa sem os malditos cliffs. Mais uma vez tive que tirar a diferença na mão grande até ganhar o platô onde estabeleci a P9. Dali para cima, tínhamos duas opções: um diedro de 30m pela direita, ou outro de 40m pela esquerda. As duas pareciam difíceis, as duas eram sujas em alguns trechos e as duas eram intimidadoras. Na dúvida, achei melhor encerrar os trabalhos por ali mesmo (16h30) e iniciar a longa descida.

A descida não foi fácil, mesmo com uma linha estabelecida na investida anterior, o rapel é cheio de manha que exige uma boa dose atenção, mas no fim deu tudo certo e chegamos “doce” na base por volta das 17h45.

Valeu demais Chuck, por mais uma empreitada no Dia dos Pais. Em 2013 iniciamos a Pais e Filhos em Itarana e anos depois “tamo” junto novamente!

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