Para quem não sabe, eu não sou fotógrafo profissional, não vivo disso e nem ganho grana com isso. Muito pelo contrário, só gasto. Profissionalmente sou formando em Geologia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) com mestrado na área de Estratigrafia, onde atuo na área da indústria do petróleo.
O curso de Geologia, seja na UFRGS ou em qualquer outra universidade, é um pouco estranho, pois durante 5 anos estudamos tudo sobre as rochas que compõem o nosso planeta baseado muito em livros. É como se um médico estudasse o sistema circulatório sem nunca ter visto um coração ao vivo.
Durante a graduação aprendi toda teoria, por exemplo, sobre sistemas glaciais. Sei todos os nomes técnicos, assim como os processos formadores, mas nunca vi uma geleira ao vivo e a cores.
O ideal seria o curso de geologia ter mais trabalhos de campo com mais aula prática e menos teoria, mas nos dias atuais, onde a educação do nosso país está cada vez mais sucateada, prevejo que estamos indo em direção oposta…
Durante as minhas infinitas aulas teóricas da graduação, a Islândia era um país recorrente nas “transparências”, pois geologicamente ela é um país um com uma história única e privilegiada. É praticamente uma Disneylândia dos geólogos.
Detalhe da arquitetura do centro da cidade.
Por outro lado, no ramo da fotografia de paisagem, a Islândia, devido a esta geologia privilegiada, é um dos destinos preferidos dos fotógrafos. Basta fazer uma rápida pesquisa no Google e/ou no Instagram para ver a quantidade de material produzido. Mas não foram apenas os geólogos e fotógrafos que descobriram a Islândia. Os turistas também descobriram que a Islândia é um país maravilhoso com uma natureza ímpar. Segundo dados oficiais, desde 2012, o turismo no país vive um boom, com um crescimento na ordem de 300% e sem expectativas para diminuir a curto prazo. Anualmente, o país recebe mais de 1,7 milhão de visitantes (2016). Ou seja, é mais fácil encontrar um turista do que um “local” na alta temporada. Só para se ter uma ideia, a população da Islândia é de meros 334 mil habitantes, distribuída em 103 mil km2, um pouco maior do que o Estado de Pernambuco.
No início do deste mês, minha esposa Paula e eu fomos conhecer a Disney dos geólogos e fotógrafos de paisagem, já que temos a geologia no sangue e compartilhamos o mesmo hobby.
Antes de mais nada, é preciso falar que tudo na Islândia é muito caro. Primeiro, porque é uma ilha, onde quase nada é produzido e tudo importado. Até a alface é importada! Um pé de alface custa R$12,00!!!! A moeda local, Koroa Irlandesa é supervalorizada frente ao Real (1×3); e o fato de estar na crista da onda do turismo faz com que tudo seja inflacionado. Por isso, nossa viagem precisou ser o mais roots possível para caber no orçamento. Ou seja, camping no lugar dos hotéis e comida de acampamento, em vez de restaurantes que servem a comida típica do país: sopa de cabeça de ovelha!
Acampar no Islândia é algo cultural e é muito difundido. Há inúmeras opções de camping em todo o país. A moda lá são as campers, onde os carros são convertidos para dormir e cozinhar dentro. Inclusive há muitas locadoras de veículo que oferecem este tipo de opção.
[su_note]Dentre as inúmeras opções de locadoras que há no país, escolhemos uma empresa local chamada “Blue Car Rental”. É uma empresa boa e não tivemos nenhum problema. Recomendo![/su_note]
Ficou definido que faríamos a famosa “Ring Road” que é um giro pelo país pela principal rodovia do país, a Rota 1, com um “pequeno” desvio passando pela região dos Fiordes do Oeste. Para isso reservamos 11 dias de “Road Trip” para cobrir os 2500km previstos.
Como a rota é um círculo, saindo da capital Reykjavik e voltando ao mesmo lugar, naturalmente, há duas opções: dar a volta no sentido horário ou anti-horário. Na internet, as pessoas falam que não há muita diferença, mas a maioria acaba optando pelo sentido horário. Nós, só para contrariar, optamos pelo sentido anti-horário por várias razões logísticas: primeiro, tínhamos a esperança de ver a famosa aurora boreal e segundo os nossos cálculos astronômicos, teríamos maiores chances se estivéssemos na região norte mais para o final da viagem; além disso, a previsão do tempo estava pior para segunda semana. E como as atrações mais famosas estão ao sul, o ideal seria fazer a volta no anti-horário, começando pela cereja do bolo.
No fim, constatei também que o sentido anti-horário tem outra vantagem, pois desta forma pegamos as principais atrações no começo, deixando as “menos” interessantes para o final. Assim, pudemos aproveitar bem essas atrações sem pressa e medo de estar com o cronograma apertado. Além disso, se o cronograma apertasse, tínhamos algumas rotas alternativas para atalhar a viagem, coisa que não é possível fazendo no sentido horário. Enfim, é só uma dica para quem estiver planejando uma viagem.
Cachoeira de Seljalandsfoss ao entardecer visto do camping.
O nosso ponto de partida foi a capital Reykjavik, uma cidade pequena e pacata para ser uma capital de um país. Nada muito expressivo para perder muitos dias. Para nós serviu para descansar um pouco da longa viagem e fazer algumas compras para roadtrip e só. De atração mesmo, tem a Igreja Luterana Hallgrímskirkja, mas não faz muito o meu estilo. Além disso, tem o centrinho que é bem bacana para passear. Se as coisas fossem mais baratas seria mais legal ainda… Segundo os guias, a Harpa que é um centro de conferência bem famoso. Dizem que é a construção mais fotografada da Islândia, mas eu achei meio sem graça… Muito moderninha para o meu gosto.
Da capital rumamos direto para a primeira grande atração geológica, o Parque Nacional de Þingvellir, onde é possível ver o limite entre as placas tectônicas Norte Americana e Eurásia. Para quem é geólogo é uma visita mais do que especial e obrigatória. Sempre ouvi falar desse lugar na faculdade e ter a oportunidade de conhecer pessoalmente foi uma experiência única.
Dali, rodamos para nordeste até um pequeno campo de Geysir, onde é possível ver a água jorrar periodicamente devido ao acúmulo de pressão e temperatura na subsuperfície. É mais um atrativo geológico para quem gosta do assunto.
A Islândia é cheia de cachoeiras maravilhosas que são uma atração à parte. Ao longo da viagem visitamos umas 10 e vimos de longe mais uma centena. Mas cá entre nós brasileiros, nascidos principalmente na região sul do país, podemos dizer que aqui temos cachoeiras mais impressionantes. Posso garantir que as Cataratas do Iguaçu dão de 10 em qualquer cachoeira da Islândia. A famosa cachoeira de Seljalandsfoss, onde dá para passar por trás da queda, é linda e maravilhosa, mas posso garantir que o Salto Ventoso (RS) é muito mais! Sem contar que no “Salto” tem como escalar atrás da queda d´água.
Skógafoss.
No dia seguinte, rodamos em direção ao sul passando pela região das Highlands e visitando mais algumas cachoeiras até a famosa cacheira de Seljalandsfoss, onde passamos a noite num camping que fica ali perto.
Praia de areia preta de Reynisfjara.
No terceiro dia, rodamos pela famosa rodovia 1 passando pelas principais atrações que ficam entre o mar e as geleiras. Para mim, esse trecho foi o mais bonito da Islândia e pelo visto não só eu compactuo desta ideia, pois todas as atrações estavam lotadas de turistas. Mesmo indo na baixa temporada, não era incomum ter 50 a 100 pessoas por atração. Para piorar mais ainda, várias das atrações da Islândia foram palco para a série “Game of Thrones”, o que tornava as atrações mais famosas e crowdiadas! Todo mundo queria ir pessoalmente “além da muralha”.
Vista panorâmica da geleira Skaftafellsjökull.
No quarto dia continuamos pela rota 1 margeando o litoral e visitando mais algumas geleiras. Para quem estudou o sistema glacial na teoria, posso dizer que foi uma boa experiência prática. De todos os glaciais impronunciáveis que visitamos (Sólheimajökull, Skaftafellsjökull, Fjallsárlón), sem sombra de dúvida, o glacial Jökulsárlón foi a mais incrível de todos, pois nesta geleira, os icebergues que se desprendem das geleiras são levados pela maré para uma praia de areia preta adjacente e ali ficam, jogadas na beira.
Neste dia demos uma boa esticada e acabamos dormindo em uma pequena cidade chamada Höfn. Conforme as previsões do tempo, a noite foi muito “ventosa”, com rajadas de 40 a 50km/h. Com todo esse vento, a minha barraquinha pediu arrego e tivemos que dormir dentro do carro. As roubadas me perseguem em qualquer lugar…
Amanhecer na cidade de Höfn.
Em algum lugar entre Egilsstaðir e Reykjahlíð.
Antigo curral para ovelhas do século passado em Reykjahlíð.
No quinto dia fizemos a região leste da Islândia, é uma parte do país que tem poucas atrações, logo demos um bom adianto, parando “apenas” em alguns pontos só para contemplar a paisagem. Segundo os cálculos, rodamos uns 300km neste dia até um lugarejo chamado Skjöldólfsstadir. A maioria dos viajantes ficam em Fljótsdalshérað (2300 habitantes) que é a “maior” cidade da região leste do país. Mas depois de passar cinco dias no meio do mato, o choque com a civilização foi tão grande que resolvemos nos refugiar novamente para “descivilização”.
Estudando o roteiro.
No sexto dia seguimos pela região norte do país até a região do lago Mývatn. Essa é a principal região turística do norte do país com lagos, geysers, vulcões, cachoeiras e vida silvestre (respeitando as devidas proporções). Com certeza, um pequeno paraíso no meio do nada.
Duas coisas chamaram a atenção nessa região: primeiro, a vida selvagem. Para quem passou os primeiros 5 dias sem ver quase nada vivo (menos humana), num lugar que às vezes lembrava o ambiente Lunar, aquilo parecia um santuário. Tá certo que só tinha pato, ganso e marreco, mas eles faziam barulho suficiente. E em segundo lugar, a presença das crateras de vulcão. Vale lembrar que a Islândia é um país relativamente novo em termos geológicos, tem uns 20 milhões de anos e sua formação é essencialmente vulcânica (Só para se ter uma ideia, a rocha mais antiga do Brasil tem aproximadamente 3,5 bilhões de anos). Aliás, o país continua “crescendo” devido ao afastamento das placas tectônicas e a atividade vulcânica.
Passamos dois dias nesta região, para conhecer bem as belezas do lugar e descansar um pouco da rotina diária de desmontar barraca, dirigir, procurar lugar para dormir, montar barraca…
Entardecer no lago Mývatn.
No oitavo dia, rumamos em direção a oeste pela Rota 1, mas em vez de seguir pela rota para fazer a volta clássica saímos da rodovia principal e nos aventuramos na região dos fiordes. Essa região fica fora do circuito turístico da ilha, onde apenas 10% dos turistas conhecem. Para nós isso foi muito legal, pois estávamos em busca disso. Um pouco de isolamento e afastamento social.
Nuvens lenticulares que antecedem a virada do tempo.
Nesse dia tocamos até a cidade portuária de Hólmavík, onde acampamos numa espécie de camping municipal. Conforme o esperado, pelo fato desta região ficar fora do circuito turístico, os campings eram bem simples, com uma infraestrutura Espartana.
Espiando e fotografando pela janela em Hólmavík.
No nono dia, pegamos o primeiro dia tempo ruim de verdade, com muita nebulosidade e chuva constante. Era a Islândia de verdade mostrando a sua verdadeira faceta. Rodamos pelos intermináveis e espetaculares fiordes, onde curva após curva a paisagem reservava uma nova surpresa. Nesse trecho, a viagem se resumiu a dirigir e curtir a paisagem. E quando a fome apertava, encostávamos o carro numa área de piquenique para um lanche rápido.
Nesse dia batemos o recorde e rodamos quase 350km até a localidade de Flókalundur onde passamos mais uma noite dentro do carro devido ao tempo ruim e a barraca que estava ensopada da noite anterior. Roubada 2!
Amanhecer em Hólmavík, uma pequena cidade portuária que fica na porção noroeste do país.
A caminho de Grundarfjörður.
No décimo dia, o nosso objetivo era rodar até a cidade de Grundarfjörður para conhecer o “cartão postal da Islândia”, o Kirkjufellsfoss. Esse local seria o “gran finale” da nossa viagem, pois sempre que estudávamos sobre a Islândia esse lugar aparecia em foto. No nosso guia do Loney Planet dizia que o Kirkjufellsfoss é um dos locais mais fotografados de toda Islândia, então já ficamos ligados que seria necessário fazer uma “preparação fotográfica”.
Chegamos por volta das 15h na cidade e após montarmos a barraca no camping, nos deslocamos até o ponto para fazer a famosa foto da cachoeira com a montanha ao fundo. Acho que chegamos umas 17h e o cantinho já estava cheio de gente esperando o pôr do sol (as 19h30). Nos juntamos ao grupo e reservamos um pedaço de chão mega disputado com dois tripés e ali ficamos esperando o tempo passar. A medida que as horas passavam, mais e mais gente chegava para fazer a famosa foto, a ponto de uma hora, a quantidade de fotógrafos virar atração. Mas no fim, ou melhor por volta das 19h, tudo foi recompensado. O sol se pôs atrás de nós e iluminou a paisagem magnificamente para o deleite de todos. Garantimos a foto e fomos embora “bebemorar” o sucesso da última empreitada.
Campo de lava com musgo.
No dia seguinte, o décimo primeiro e último dia, só nos restou rodar até a capital para fechar a famosa volta da ilha, mas sem antes passar por mais algumas atrações da região oeste. Infelizmente, ou felizmente, o tempo neste dia estava terrível. Um clima típico da Islândia. Se por um lado sofremos com o mal tempo, por outro, garantimos belíssimas fotos que expressam bem clima típico da ilha.
Kirkjufellsfoss, cartão-postal da Islândia ao entardecer.
Em nem tão curtas palavras, Islândia é isso, um belo país com muita paisagem de tirar o fôlego, salpicado por um clima, por vezes, nada muito amistoso, mas ao mesmo tempo aconchegante. Espero que o país saiba administrar bem essa fase de invasão turística para que a verdadeira Islândia seja preservada e perpetuada para gerações futuras!
Charmosa igreja de Búðakirkja. Ao fundo, um dia típico na Islândia.
Uma resposta em “Férias na Disney, na Disney dos geólogos: Islândia!”
Top hein Naná!