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Indian Creek

^ Entardecer em Indian Creek.

Em mais de vinte anos de “vida montanhística” fiz muitas trips de escalada por esse mundão, mas duas em particular foram especiais para mim: a primeira foi em 2000 quando fui para Serra do Cipó (MG) com o escalador Antônio Nery e descobri que “a escalada é maior que o meu quarto”. Já a segunda foi em 2013, quando fui com o escalador ítalo-gaúcho, Roni Andres, para Céüse na França. Aquela trip foi a realização de um sonho de adolescência e significou para mim o final de um ciclo de escalada.

E agora, após passar quase três semanas escalando em Indian Creek, nos Estados Unidos, tenho a plena consciência de que essa trip foi especial e será lembrada por muito tempo.

A ideia de ir escalar em Indian Creek nasceu no final do ano passado, quando o escalador capixaba radicado no Rio de Janeiro, Rodrigo Guizzardi me falou que tinha interesse em fazer uma viagem para lá. A princípio estava buscando alguém para ir a Smith Rock (EUA), mas como não rolou nada, achei interessante a ideia de conhecer as famosas fendas infinitas de arenito do deserto.

Em meados deste ano, o projeto começou a ganhar força quando iniciamos o chatíssimo processo de pesquisar passagem barata para os Estados Unidos. Num belo dia apareceu uma passagem para Denver (Colorado) por R$ 2000,00!!! Uma pechincha! Mas achamos que conseguiríamos algo melhor e deixamos passar. Uma semana depois, a mesma promoção voltou a se repetir. Ai, não tivemos dúvida, “cavalo selado não passa duas vezes” (no nosso caso, três). Compramos a passagem e garantimos a trip. A “pegadinha” dessa passagem foi que o voo era pela Aero México, com uma escala na capital mexicana, antes de pousar em Denver. Em uma rápida pesquisada pela internet sobre esse voo descobrimos algumas coisas desanimadoras: avião ruim, comissários grosseiros, atrasos, processo migratório no México… Era o preço da passagem barata. Para ser sincero, a nossa viagem, tanto da ida, quando da volta, foi super tranquila e não foi nada do que estava escrito na internet, muito pelo contrário, recomendo sem hesitação esse voo.

Partindo

Embarcamos rumo a capital do Colorado no dia 30 de setembro e após uma conexão na Cidade do México, entramos no Estados Unidos no dia seguinte. Como tudo na terra do Tio Sam funciona a base de carro, tivemos que alugar um no aeroporto de Denver para fazer o translado até Indian Creek (660km), assim como para ir de um setor de escalada ao outro.

Depois da passagem aérea, o nosso segundo maior gasto seria o aluguel do carro, por isso, assim que comprarmos as passagens, tivemos que dar uma boa pesquisada nos valores dos carros. Após muita busca achamos um carro por U$ 500,00 para as 3 semanas! Uma verdadeira pechincha! Mas é claro que ali tinha uma pegadinha e nós sabíamos qual era. Esse valor era referente à locação sem os seguros que as locadoras te vendem, pois com o seguro o valor subiria para U$ 800,00.

Para tentar contornar esse gasto extra, resolvi usar o seguro do meu cartão de crédito, mas sabia que isso seria difícil, pois em geral, as locadoras não gostam de fazer isso, já que deixariam de faturar uma boa grana com o seguro.

Chegamos no balcão da locadora após uma noite mal dormida dentro do avião e enquanto esperávamos a nossa vez, ficava olhando para as atendentes e pensando: se a gente cair naquela senhorinha estamos ralados, pois ela deve trabalhar com isso há anos… Dito e feito, fomos atendidos pela simpática senhora de cabelos brancos e não teve outra. Tentamos em vão alugar o carro usando o seguro do cartão de crédito sem sucesso. O pior é que fica difícil subir o tom de voz diante de uma senhora de idade toda simpática querendo ser agradável. No fim, como ela viu que nós não gostamos muito desse “atrolho” de seguro, ela ainda fez uma “ceninha” chamando a gente para um canto e falando:

-Oh, fica só entre nós, não deixa o meu gerente ver, mas eu vou te arrumar um carro especial para vocês! Pega aquele carro que está na vaga 35!

Chegando na vaga, a senhora simpática tinha separado um SUV completinho pelo preço do popular. Quando vimos aquele carro (tracionado) não tivemos dúvida, e na hora pensamos a mesma coisa: Bridger Jack Campground!!!!

Na área de Indian Creek há 4 opções de camping, sendo 2 pagas e 2 free. Se estivéssemos alugado um carro comum, teríamos que ficar num dos campings pagos, pois para acessar os outros dois 0800, tinha que ser com carro 4×4. Mas como a senhorinha nos deu esse “upgrade”, poderíamos acampar num dos camping free e poupar alguns Camalots dólares. Assim, acabamos escolhendo nosso campo base o Bridger Jack Campground por ser um local mais central e longe da muvuca.

De Denver até Indian Creek são mais 660km pela rodovia interestadual I70, mas no dia que chegamos em Denver, uma frente fria estava varrendo a região e logo ficamos sabendo que a rodovia estava fechada por tempo indeterminado devido à neve nas partes mais altas… Assim, no dia seguinte, tivemos que pegar um pequeno “desvio” para contornar a serra e chegar a Indian Creek. Com isso, a viagem ficou com 850km por uma estrada mais simples, o que aumentou o tempo de viagem em 4h. Por causa disso, nós não conseguimos chegar em Indian Creek no mesmo dia e tivemos que acampar no Fisher Tower, perto da cidade de Moab, faltando uns 130km até Indian Creek.

Já que estávamos na base do Fisher Tower, logo revisamos os planos e decidimos que no dia seguinte tentaríamos escalar uma via clássica da região, a Ancient Tower! Aquela  torre estranha de arenito que todo mundo sobe para tirar uma foto e colocar no Insta!

Fisher Tower ao amanhecer.

No dia seguinte acordamos sem muita pressa, já que estávamos praticamente na base da via. Quando colocamos as mochilas nas costas e iniciamos a caminhada ouvimos alguém falar:

-Está tudo molhado!

Nos viramos e um casal prosseguiu:

-A via está totalmente encharcada por causa da chuva, sem chance de escalada hoje.

Na verdade, eu sabia que isso poderia acontecer, pois no dia anterior, viajamos praticamente o dia inteiro na chuva, e à noite, quando estávamos chegando na região, dava para ver que tinha chovido bem na região.

Agradecemos a informação e perguntamos para o casal se tinha alguma opção interessante na região e nos sugeriu um setor chamado “Wall Street”, distante a apenas 45km dali.

Como o próprio nome sugere, Wall Street é um setor de escalada que fica na beira da estrada, perto da cidade de Moab e junto ao Rio Colorado. Esse é um setor bastante conhecido e frequentado pelos iniciantes devido à facilidade de acesso e às vias fáceis.

Escalamos três vias para matar aquela vontade que escalar qualquer coisa o quanto antes, afinal de contas estávamos viajando há 3 dias “na secura”. Desfeito a vontade inicial, pegamos a estrada novamente e finalmente chegamos a Indian Creek na 3a feira à noite.

Sobre Wall Street pelo pouco que escalei é um lugar OK. Vale a visita pela comodidade e facilidade. As vias são OK também, mas não chegam aos pés de Indian Creek, embora qualquer uma daquelas fendas seja melhor do que muitas vias em móvel daqui (Espírito Santo). Diria que se fosse no Brasil seria um baita lugar, mas para os padrões de lá é apenas “legal”.

Escolhendo uma via em Wall Street. Basta estacionar, pegar os equipos e escalar, simples assim.
Escalador desconhecido em Wall Street.

Indian Creek

Chegando em Indian Creek! Detalhe para neve no chão.

Como estávamos de “carrão” fomos direto para o Bridger Jack Campground, onde montamos a nossa casa aos pés da formação rochosa homônima. Comparando com as outras áreas de camping, essa tem a vantagem de ser mais reservada e com pouco movimento devido à dificuldade de acesso, o que foi muito legal para nós. A desvantagem era, naturalmente, o acesso que é bem precário, demandando bastante tempo e paciência ao volante.

Acampamento base aos pés da Bridger Jack Mesa.
Amanhecer em Indian Creek visto do acampamento Bridger Jack. Ao fundo as famosas fendas de Indian Creek.
Prato da noite: steak com cogumelos! Fome não passamos!
Auto retrato com a Via Láctea ao fundo.

No nosso primeiro dia de “escalada de verdade” resolvemos começar pelo setor mais popular, o Setor Supercrack! O setor é tão popular que é o único que tem estacionamento asfaltado com faixa demarcada, além de banheiro químico! Mega-Nutela! Além disso, tem uma aproximação mais tranquila.

Para começar os trabalhos escolhemos uma via chamada “3 AM Crack”, graduada em 5.10 (5º grau). A via é basicamente um diedrão vertical de uns 30m toda em móvel (Camalot #3). A primeira vista parecia bem inofensivo. Como o Rodrigo foi o mentor da viagem, passei a oportunidade para “abrir os trabalhos”. Ele subiu uns 10m e pediu para segurar! Pensei: bom, deve ser o jet lag. Subiu mais um pouco e mais uma pausa. Pensei: deve estar cansado mesmo. E assim ele foi, de metro em metro até a parada. Entrei na via e no segundo lance, senti um cansaço excessivo e percebi que a minha respiração estava fora de compasso. Lutei com todas as forças para não cair, afinal de contas era um 5º grau! Mas não teve jeito, no meio da via estava totalmente exausto e para piorar, já tinha gasto todas as peças-chaves para o crux final. Não teve jeito, tive que pedir para segurar. Desci para catar as peças e com muito esforço cheguei na parada e desci totalmente desmoralizado. A vontade que eu tive foi de pegar o primeiro avião de volta para o Brasil tamanha a surra. Eu sabia que Indian era assim, que eu precisaria descer do pedestal e reaprender a escalar do zero, mas tinha um pingo de esperança de que a surra seria menor, pois eu tinha passado as últimas três férias escalando em móvel, mas Indian fez pouco caso com o meu currículo. O “problema” de Indian Creek é que lá não tem muitas vias fáceis, são poucas as vias de 5.9 (4º grau) e as que têm são mais ou menos… A maioria das vias começam com 5.10 e as melhores são 5.11.

Depois da surra, passamos quase 2h tentando nos recuperarmos física e mentalmente até conseguirmos entrar numa outra surra.

Escaladora desconhecida na via clássica via “Supercrack”, 25m de fenda toda protegida em Camalot #2 e #3.
Separando o rack para entrar na Supercrack.
Outono em Indian Creek.
Petroglífos em parede Newspaper.

Nos dias seguintes fomos conhecer outros setores da região e aos poucos fomos pegando o jeito da coisa e começamos a tomar menos pau das vias. No terceiro dia, já estávamos mandando 5.10- à vista e no quarto 5.10+. Logo, percebemos que o estilo das vias tem relação com a graduação. Em geral, fendas de mão que cabem Camalot #2 a #3 são graduadas em 5.10. Se a via for um pouco mais curta, tipo 15m, um 5.9. Já as fendas de mais estreitas, menor que #1, 5.10+ a 5.11. Assim, se quiséssemos escalar vias mais duras, teríamos que encarar fendas mais estreitas (fenda de ponta de dedo).

No quarto dia, entramos pela primeira vez num 5.11. Era um diedro de dedo com um crux no final protegido em #0.3. É claro que não mandei à vista, mas o Rodrigo mandou bem demais a via em top rope, o que acendeu uma boa esperança em nós.

Entardecer na área de Indian Creek.
As paredes vermelhas de arenito ao entardecer.
Cores e texturas da rocha.

A princípio, a nossa ideia era escalar 3 dias e descansar 1, mas após o primeiro ciclo, descobrimos que não teria como seguir nesse ritmo, pois vimos que cada escalada era extremamente desgastante, aquecer num 5.10 era quase um “projeto de vida”. Assim, tivemos que rever os nossos planos e mudamos os ciclos para 2 dias de escalada para 1 de descanso. Além disso, nós tínhamos outro problema logístico, a água. Como na área do camping não há água, precisávamos levar toda água de Moab em galões. Basicamente levávamos uns 40L d’água por vez para passar 3 dias e sempre ao final do 2º dia a água ficava escassa e tínhamos que ir até a cidade para reabastecer (100km).

Vista panorâmica da região.

No quinto dia de escalada, o Rodrigo foi mais ousado e resolveu provar de top um 5.12, mas infelizmente num movimento estranho acabou machucando o pulso, que o levou a ficar 2 dias off. Aquela lesão não esperada causou uma certa dúvida sobre a continuidade da trip, mas após 2 dias de descanso e muita arnica, o pulso melhorou e tudo voltou à normalidade.

No sétimo dia de escalada, na volta do Rodrigo à ativa, colocamos como meta mandar um 5.11 “colocando peça”! Sabíamos que o grau não estava longe, bastava uma trabalhada que iria sair. Escolhemos uma via bem simpática chamada “Puma”, graduada em 5.11+ no Setor Cat Wall. A via é uma fissura frontal perfeita com um crux delicado de #0.3 no final. Malhamos a via algumas vezes e na 4ª entrada (3ª do Rodrigo), mandamos o nosso 1º 5.11 da trip. Aquilo foi uma injeção de ânimo nas nossas veias e ajudou a elevar muito o nosso auto estima já bastante ferida.

Escalador desconhecido na via Puma (5.11+), Setor Cat Wall.
Esparadrapo depois de um dia de escalada.
Descansando após um dia de escalada.

Depois de mandar o primeiro 5.11, a meta seguinte foi mandar um 5.11 à vista. Passamos os dias subsequentes escalando em outros setores. E no oitavo dia de escalada mandei o meu primeiro 5.11 à vista na última escalada do dia e o Rodrigo mandou à vista a clássica Scarface (5.11-) no décimo dia de escalada.

Escalador desconhecido trabalhando a via “Scarface” (5.11-).

Com isso, pelo menos batemos as nossas metas em Indian Creek e resolvemos direcionar os nossos esforços para segunda meta: as vias de várias enfiadas em móvel.

As paredes de Indian Creek.

King of Pain

Tempo em constante mudança. Frio à vista!

Nós tínhamos algumas vias longas em mente, a começar por alguma via no Bridger Jack Mesa. Como estávamos acampados na base dessa formação, sempre ficávamos namorando aquelas agulhas e pensando nas vias. Olhando os croquis sabíamos que as vias não eram fáceis. Todas eram acima de 5.10 e sempre desafiadoras. No fim, o Rodrigo escolheu uma via chamada “Vision Quest” que fica numa agulha com o sugestivo nome de “King of Pain”!

Uma das vantagens de escalar com gente mais nova é eles têm mais ambição e são mais ousados. Quando a gente vai ficando mais velho, a gente vai ficando mais acomodado e menos ousado.

O desafio estava lançado e no 11º dia de escalada resolvemos entrar na parede. Segundo o guia de escalada, a via era “burly” (dura) com todas as 4 enfiadas graduadas em 5.10 ou mais. Já na 1ª enfiada o Rodrigo tomou um soco no rim. Como eu cheguei destruído na P1 de segundo, para ganhar tempo, o Rodrigo pegou a segunda enfiada (ufa!). Essa vez o soco não foi no rim, mas uma fritadinha no cérebro num offwith cabeludo. Dali para cima, o Rodrigo só entregou as peças e disse:

-Divirta-se!

Na 3ª enfiada, outro 5.10. E quem disse que era fácil. Tomei um voo num #2 e só consegui passar o lance roubando. Já a última enfiada. Ah, sempre a última… Escalada fácil, mas exposta e mal protegida. Pelo visto em Indian, se você não frita o ante-braço, frita o cérebro.

Rodrigo na enfiada crux da via.
Parada típica da região. Detalhe para o piton do meio batido no buraco como um grampo.
Tradicional foto no cume.
Noite de Lua nova no acampamento.

Castle Valley

Castle Valley é um vale que fica na região leste da cidade de Moab, distante a 120km de Indian Creek. E é lá que fica uma das agulhas de arenito mais icônicas do montanhismo americano, a Castleton Tower.

The Rectory e Castleton Tower visito do acampamento.

Como as nossas agendas não estavam fechando para última semana tivemos que fazer um plano mais ousado (mais cansativo). Assim, na última semana fizemos dois ciclos de 3 para 1, ou seja, em uma semana escalamos 6 dias e descansamos 1.

Por isso, quando chegamos em Castle Valley estávamos na “capa da gaita”. Para nos poupar resolvemos escalar primeiro The Rectory pela via “Fine Jade” (5.11) que teoricamente era a via mais dura e deixamos a Castleton Tower para o último dia.

O primeiro desafio para escalar qualquer uma dessas agulhas é a aproximação que é mais longa em relação as vias de Indian Creek, uma hora de caminhada com 400m de desnível até a base da via.

Dessa vez eu comecei os trabalhos na Fine Jade e logo na saída encarei o crux físico da via, um lance estranho de 5.10+ que só consegui passar roubando. Mais acima, o Rodrigo pegou o segundo crux, um 5.11 de dedo que ele passou com bastante maestria. Depois foi só alegria até o cume. Chegamos no cume felizão, pois sabíamos que mandamos a via mais dura (entre as duas) em um tempo bom. Na descida, escondemos os equipos na base da outra agulha e retornamos para o acampamento “cantando vitória”… Belo engano.

Rodrigo na 2a enfiada da via Fine Jade.
De olho na montanha do dia seguinte. Foto: Rodrigo.
Um descanso antes da descida.

No dia seguinte, último dia de escalada, eu parecia um Robocop tentando sair da barraca. Os dias de escalada em Indian aliado a idade avançado do titio estavam cobrando seu preço. Só de ver a caminhada que teríamos que refazer novamente me deixava cansado.

Sem muita pressa, tomamos um café e refizemos a caminhada até a base da agulha. Quando chegamos na base não havia nenhuma cordada na nossa via, a Webster Variation. Descobrimos que a grande maioria das pessoas escalava por uma outra via mais fácil, a Chaminé Norte ou pela Korn Kel e rapelava pela Webster Variation. Aquilo já me soou estranho. Por que ninguém escala a via que vamos escalar? Por que vamos escalar pela via de rapel?

Como a ideia foi novamente do Rodrigo deixei para ele a primeira enfiada, um longo diedro de mão apertado com um teto e crux no fim, antes da parada. Conforme a recomendação do guia de escalada levamos todas as peças até o Camalot #3, mas pelo visto o guia estava errado, ou o cara era muito corajoso, porque escalar o primeiro trecho com apenas 5 Camalot #3 parecia sinistro demais. Com muito esforço, o Rodrigo chegou na P1 e disse mais uma vez:

-Daqui para cima é tudo contigo, estou morto!

Toquei sem muito problema até a P2. Agora estava faltando só mais uma enfiada para terminar a via, bater no cume e fechar a trip com chave de ouro. Olhei para cima, olhei para o meu rack e ficou claro que as peças que eu carregava não tinham muita serventia. Maldito guia mal escrito! Precisava de Camalot #4, #5, #6, #7, #8, #9! Qualquer coisa para proteger aquela fenda larga… Peguei os 5 camalot #3 me enchi de coragem e fui à luta. Logo nos primeiros metros gastei todos os #3 no crux e fiquei só com as peças pequenas. Sem muita escolha fui esticando sem olhar muito para baixo até onde a minha coragem me permitia. Lembro que numa certa altura queria colocar uma proteção para me sentir mais “seguro”. Achei um pequeno estreitamento onde porcamente acomodei um #.4. Assim que passei da peça, ao simples toque da corda, a peça desarmou. Não tive dúvida, desescalei e coloque a peça no lugar e subi novamente sem fazer muito alarde com a corda. Pronto! Estava “seguro”. Mais acima a pedra deu uma trégua e finalmente bati no cume. Assim que fiz a virada do cume, vi 3 escaladores Holandeses que ficaram olhando para mim com uma cara de: o que esse oriental está fazendo ali? Confesso que cheguei no cume com as pupilas dilatadas! Trocamos uma rápida saudação e chamei o Rodrigo, finalmente estávamos no cume do Castleton Tower! Comemoramos muito a conquista, pois sabíamos que não foi nada fácil.

No fim acho que valeu cada gota de suor, pois foi sem sombra de dúvida, uma forma incrível de fechar uma tríp tão incrível como essa.

Rodrigo no trecho final da via.
Assinando o livro de cume que fica guardado numa caixa de munição!
No cume do Castleton Tower.
Vista do cume com The Rectory à direita.
Captura noturna da Via Láctea em Castleton Tower.

Normalmente quando volto de uma viagem, deixo o local com a satisfação do dever cumprido, mas essa, pela primeira vez, tive a impressão de “ainda preciso voltar lá”, pois ainda há muito que aprender com aquelas fendas. Em 12 dias de escalada escalamos mais de 25 vias, mas a impressão que tive foi de que não escalei nada em Indian Creek. Com certeza saí de lá com gosto de “quero mais”!

Entardecer em Indian Creek.

Betas de equipo

  • Nós levamos 6 jogos de Camalot do #.3 ao #4 mais dois #5 e um #6. Diria que foi um jogo bom. Talvez o #6 fosse dispensável. O que ficou claro que quanto mais Camalot do #1-#3, melhor;
  • Não sei por que dispensamos os nuts, mas é uma boa ideia levar um jogo, principalmente para fazer as tradicionais. Além disso é uma opção barata para abandonar uma via pela metade;
  • É altamente recomendável levar uma sapatilha “pantufa” para entalar nas fendas. Sapatilhas apertadas não têm muita serventia. A sapatilha “oficial” de Indian Creek é a 5.10 Moccasym ou similar, folgada, claro. Nós levamos a sapatilha mais folgada, mas mesmo assim foi muito sofrido e no 3o dia de escalada tivemos que arrumar uma sapatilha mais folgada;
  • Levamos uma corda de 70m e foi suficiente para maioria das vias. Algumas precisam de uma segunda corda para descer, mesma nas vias de 1 enfiada. Para as vias de várias enfiadas, em todas, descemos com 1 corda de 70m;
  • Há poucas vias com proteção fixa, mas sempre é bom ter umas costuras extras.

Beta de escalada

  • Para as fendas de mão, as luvas de esparadrapos são essenciais. Esparadrapos são essenciais! Tenha uma boa reserva! Um rolo de esparadrapo Metolius dá para três pares de luva;
  • Fitas longas são dispensáveis nas vias de 1 enfiada; já nas tradicionais são indispensáveis;
  • Há um Guia de Escalada um pouco desatualizado nas principais lojas de escalada (A Climbing Guide by David Bloom). Vale a pena complementar com os betas do site Mountain Project;
  • Grosseiramente, vias de fenda de mão (Camalot #2 a #3) são graduadas em 5.10. Fenda de dedo (#.5-#1) 5.10+ – 5.11. Já as fendas de ponta de dedo 5.11+ a 5.12; Por isso a graduação das vias é bem subjetiva, pois vai depender um pouco do tamanho da mão. O segredo é saber qual é a fenda perfeita para sua mão!
  • Setor com a face voltada para Norte fica sempre na sombra, ideal para dia quente. Já a face Sul fica exposta ao sol o dia todo. Lembrando que a maioria dos setores ficam com a face voltada para sul; por isso o ideal é escalar na região no outono com temperatura entre 5 e 10 graus ao sol;
  • Falando em temperatura, o clima do deserto é feito de extremos: calor de dia e frio a noite.

Beta de logística

  • De Moab até Indian Creek são aproximadamente 100km, o que dá uma hora de carro, em média;
  • Em Moab há pelo menos 2 lojas de equipo grande. Sendo que na Gearhead (fica na avenida principal) há a opção de pegar água potável de graça para encher os galões. Basta levar o recipiente;
  • Não há ponto de água potável em Indian Creek! É preciso levar toda água em recipiente;
  • Na cidade há pelo menos dois mercados grandes. Um no centro da cidade e outro na saída para Indian Creek. Na 100 N há um excelente mercado de produtos naturais (Moonflower).
  • Na saída de Moab para Indian Creek, há um hostel barato (Lazy Lizard) que oferece banho avulso por U$ 3,00 (sem tempo);
  • Ao lado da loja de escalada Gearhead há uma lavanderia self-service 24h;
  • A maioria dos restaurantes têm wifi free com senha. No mercado Moonflower e na lavanderia a internet é free;
  • O camping Bridger Jack não oferece banheiro, nem mesa. O banheiro mais perto fica no entroncamento com a rodovia. Há ainda outro banheiro no estacionamento do setor Supercrack;
  • É altamente recomendável não fazer as necessidades no deserto. A recomendação em caso de emergência é fazer longe dos leitos de rio seco a uma profundidade de 20cm e recolher o papel higiênico;
  • Nos outros campings (pagos) há banheiro e mesa;
  • É comum ventar bastante na região e é comum a areia fina entrar na barraca, por isso é bom sempre deixar tudo guardado, principalmente os eletrônicos;
  • O mesmo vale para as comidas, caso contrário os ratos fazem a festa!
  • Sobre o lixo, não há lixeira em toda região. Todo lixo produzido precisa voltar até a cidade;
  • Para escalar em Fisher Tower e Castle Valley há um camping na base da montanha, junto ao estacionamento. Em ambos os casos funcionam no serviço “first come, first serve” em área demarcada com pagamento voluntário.
As cores do outono em Moab.

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