^ Afeto no lance da 4a enfiada da via.
Diálogo entre minha esposa e eu durante um engarrafamento de sexta-feira em Vitória:
– Veio (ela me chama assim), vai escalar amanhã?
– Vou!
– Vai para onde?
– Para Itarana.
– Mas “tu não falou” que lá era longe que ia dar muito trabalho?
– Sim, mas mudei de ideia.
– E quem vai contigo?
– O Afeto!
– Ah, só podia ser ele! Só ele para te acompanhar nessas indiadas!
O sinal abriu, engatei a 1a e o assunto morreu. E eu fiquei pensando, que injustiça, nem é verdade… (mentira)
Sábado, 4h20 da manhã. Afeto, eu e os bêbados na rua. E pé na estrada para Itarana!
Em Vitória tinha chovido de leve. Coisa comum por aqui. Sempre chove rápido pela manhã, mas não é comum nessa época do ano. Acontece mais no verão. Passamos por Santa Teresa e fizemos aquela parada estratégica para um café. O tempo estava fechado, com névoa e um pouco de chuvisco, mas nada demais, porque aquela região fica num lugar alto e chove mais do que a média.
Já se preparando para a escalada, o Afeto comprou um energético para começar a dar o gás. Bebeu meio-litro de sei lá o que no carro.
Seguimos a viagem. E o tempo continuou fechado… Estranho… Quando chegamos num ponto onde a “chuva deveria” parar, em vez de parar, piorou mais ainda! Mas ainda tínhamos uma esperança. Quando chegamos na Serra do Limoeiro não deveria estar chovendo, mas estava… Ficamos chocados com aquela chuva. Nenhuma previsão do tempo havia previsto chuva para o sábado. Os ventos estavam, literalmente, à nosso favor, pois o vento nordeste estava bem forte. Normalmente, as chuvas vêm quando entra o vento sul. Embora o vento nordeste seja sinal de tempo bom, não é necessariamente verdade. Às vezes, acontece algum fenômeno no sul da Bahia e o vento nordeste traz chuva. Isso aconteceu muito em 2014, quando o vento nordeste trazia chuva e quando o sul entrava, também chovia. Lembro que aquela temporada foi um desastre, pois só chovia…
Chegamos em Praça Oito só para ter certeza de que estava chovendo de verdade. O Afeto estava com os olhos esbugalhados de tanto energético. Ele estava pronto para escalar! Sqn!
Pensamos em algumas alternativas e resolvemos voltar até Calogi para continuar um projeto que tinha começado com o Gillan duas semanas atrás. Como ele cedeu gentilmente a continuidade da conquista, achamos que seria uma boa alternativa para uma plano B.
Assim, após 2h e mais 100km, demos meia volta e tocamos até Calogi. Chegamos no estacionamento de Calogi às 9h. Nunca demorei tanto para chegar em Calogi… Sai de casa às 4h20 e cheguei no Calogi às 9h… (Normalmente leva 1h).
Conforme as fofocas do dia anterior, o Calogi estava cheio, muito cheio… Tinha pelo menos 7 carros no estacionamento. Normalmente tem 1 carro, só o meu…
Separamos os equipos, botei o haulbag nas costas e pé na trilha. No caminho senti que o haulbag estava mais pesado que a média e a trilha parecia mais inclinada. Cheguei pobre na base da via. Ai, lembrei que na noite anterior, tinha comido alguma coisa estranha e passei a noite visitando o banheiro. E eu ainda não estava 100%. Aliando a isso, tinha o fato de ter acordado às 4h e ter rodado uns 150km.
Deixei as desculpas de lado e iniciamos a escalada. Como eu já conhecia a via, deixei o Afeto “pontear” as duas primeiras enfiadas, até porque ele ainda estava sob efeito do energético. Assim que ele chegou na P1, subi de segundo. Quando subi uns 5m, ainda estava me sentido fraco, mas pensei comigo mesmo: pelo menos não estou escalando de mochila, então acho que vou subir de boa! Nessa hora me lembrei que tinha esquecido a mochila na base!!!! Era para eu subir com a mochila de conquista nas costas!!! Desescalei os 5m, peguei a mochila pesada e subi… Agora estava “perfeito”: fraco e com mochila nas costas….
Para ganhar tempo, o Afeto emendou a 2a e a 3a enfiada. A partir dali, assumi a ponta da corda e segui a conquista. Embora o sol estivesse forte, o mesmo vento nordeste que nos mandou embora de Itarana, estava soprando forte e ajudou a minimizar o calor. Toquei mais uns 25m por uma trecho vertical com vários lances técnicos até chegar num platô confortável. Ali bati a P4 e chamei o Afeto. Dali para cima o cume estava muito próximo. No olhômetro parecia ter uns 20m. A essa altura, o efeito do energético já tinha passado e o Afeto começou a ter caibras nos braços, mas mesmo assim pegou a furadeira e assumiu o “sharp end”. Após uma saída estética em móvel, ele bateu mais 3 chapas em cliff e chegou no topo do totem por volta das 16h. A combinação, comida estragada, acordar cedo e sol no lombo estava cobrando o seu preço. Eu estava podre, mas como a via acabava ali, tive que subir para cumprir o protocolo. Reuni os resto das minhas forças e escalei a última enfiada até o cume o totem. Missão cumprida!
O nome da via ficou “Força Aérea Urubu”, pois durante a conquista, tanto na 1a investida, quanto nesta, fomos agraciados pelos inúmeros urubus que ficavam dando rasantes perto de nós.
Para ler a descrição das enfiadas, clique aqui!
2 respostas em “Força Aérea Urubu”
Parabéns pela via!!! Estava curiosa para ver esse relato e o croqui. Vou treinar bastante la no calogi para poder fazer essa via! Abraços.
Fico feliz que tenha gostado da via. Ela é incrível! Parece uma via esportiva com uma pitada de tradicional!