Processo 2

No último post comentei que comecei a trabalhar uma nova via no Calogi. Pois bem, no sábado agora, voltei lá novamente para resolver a pendência. Não ia escrever de novo sobre “o processo”, mas tive um feedback legal de algumas pessoas sobre o post “Processo”, (também foi o mais lido do mês), então resolvi compartilhar mais esse no intuito de ajudar a galera que também está em algum “processo”.

Durante a semana, já iniciei os “preparativos” para entrar novamente no “Expresso de Shangai”. Teoricamente, não teria pressa para mandar essa via, uma vez que fica no “meu quintal de casa”, mas eu gosto de “aproveitar o embalo” para resolver logo as pendências. Eu também acho que o foco é um fator preponderante no sucesso. Além disso, se eu não mandasse nesse final de semana, por causa da agenda, corria o risco de voltar para via somente no ano que vem.

Durante os treinos da semana, foquei no treino de finger para ganhar uma pressão extra. É claro que ninguém fica forte em uma semana, mas melhor do que não fazer nada. Já no treino da 5a feira, “tirei um pouco o pé” e peguei leve nos boulders para poupar a pele. Como já tinha dito anteriormente, essa via exige um pouco de pele, então é importante fazer “uma manutenção especial” para sentir menos dor na via. Basicamente lixava a ponta dos dedos para não criar um calo muito grosso e tirava toda pele que ficava em excesso durante o treino. Além disso, antes de dormir sempre “untava” a ponta dos dedos com uma pomada reparadora (eu uso uma da Metolius).

No sábado, repeti o mesmo processo da semana anterior, entrei pela via “Trem Comprido (8a) para aquecer e sacar as costuras de cima, já que a via fica ao lado e compartilha a mesma parada. Aproveitei o rapel para relembrar alguns detalhes importantes e escovar as agarras chaves. Por sorte não choveu durante a semana e o magnésio não saiu das agarras marcadas, o que foi um adianto importante, já que a rocha, quando lavada, esconde as agarras.

No primeiro pegue do dia, já entrei com o objetivo de mandar a via, embora soubesse que não seria a melhor entrada, mas gosto de pensar que toda entrada é uma oportunidade. Cai na 4a ou 5a costura porque uma das agarras de mão explodiu e infelizmente acabei caindo de bunda numa árvore que fica logo atrás. Eu já sabia desse potencial e tratei de fazer uma poda na semana anterior, mas mesmo assim acabei batendo na árvore. Para minimizar o risco, resolvi “estaiar” a árvore com uma corda para melhorar o “pscico”, embora na prática não tenha mudado muita coisa.

Quando se escala uma via onde tudo parece quebrar, e quebra mesmo, o “pscico” acaba ficando abalado. E era justamente o que mais temia que acontecesse durante o processo, pois quando uma agarra que você julga firme quebra, o mental “vai para cucuia”, você acaba fazendo muito over grip e gasta força em agarras desnecessária só porque acha que poderá quebrar.

Na segunda entrada do dia, eu sabia que já teria mais chances, pois já tinha “quebrado o gelo”. Embora eu não tivesse ido até o final na primeira entrada para relembrar todos os movimentos estava confiante. Na primeira entrada, acabei não indo até o final para poupar pele e também porque estava um pouco abalado com a queda e achei que seria um desgaste desnecessário. Escalei melhor a primeira parte porque peguei mais alguns betas, mas quando estava saindo o trecho mais duro e indo buscar o primeiro descanso “meia boca” outra agarra quebrou parcialmente e cai novamente.

Foi difícil aceitar que aquilo fazia parte do processo, pois na minha mente aquilo não era justo. Ainda mais ali, quase chegando no descanso. Encarei o fracasso como uma nova oportunidade para isolar mais alguns lances, mesmo sabendo que isso consumiria pele. 

Segunda entrada, segunda queda. Foto: Yasmin.

Feito isso, desci para um descanso mais longo, pois eu sabia que se não mandasse na 3a entrada, as chances de mandar a via no dia diminuiriam drasticamente por causa da pele.

Nesse meio tempo, o tempo que já estava ruim, degradou mais ainda e começou a chover. Achamos que iria passar, mas custou a passar. A chuva ficou persistente e incessante. A medida que o tempo ia passando, a minha mente começou a entrar num turbilhão de dúvidas. Será que consigo mandar hoje? Será que a chuva vai passar? Vai molhar a via? Será que dá para escalar úmido? Nesse momento usei a estratégia do “cadena extremo” para me motivar. Cadena extremo é aquela entrada derradeira que você dá sob condições adversas. Muita gente não curte escalar sob essas condições, mas eu gosto de encarrar esse tipo de “pressão extra” como uma motivação para entrar mais focado e tirar proveito da situação.

Esperei o máximo que considerei aceitável e entrei na via ainda com uma leve garoa. Não sei por quê entrei naquele momento. Foi muito mais uma coisa de “sentimento” do que “razão”. Parecia que aquele momento seria “a hora”! Difícil explicar.

Como eu sabia que seria a minha última entrada, botei para jogo, principalmente em relação às agarras quebradiças. Aceitei que as agarras poderiam quebrar, mas não foquei nisso, com isso consegui escalar mais leve, sem fazer nenhum over grip. Passei o primeiro trecho relativamente bem e consegui administrar a parte final que é mais tranquila usando a experiência. Tentei manter a confiança na minha escalada e expulsar todo tipo de pensamento negativo que às vezes rondar em volta, principalmente nos descansos. 

Enfim, o texto ficou um pouco longo, mas o processo foi esse. Espero que eu tenha ajudado alguém a gerenciar esse tipo de situação que é bastante comum quando estamos trabalhando um projeto. E se alguém tiver alguma dica boa, deixe nos comentários.

Além da minha cadena, nesse dia o Poul mandou a via “Agulha” (8a) sacando; o Sertã, a variante do “Trem da Alegria” (8b) e o Lissandro e a Yasmin mandaram a Trem Ardido (7b) e a Linha 50 (VI SUP), cadena dupla em família.

Yasmin na via Trem Ardido (7b).

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