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“Tempestade Solar”, investida final

No início de agosto comecei uma via na face norte da Pedra do Pontal na localidade de Santa Joana em Itaguaçu. Na ocasião, aguentei conquistar 6 enfiadas até ser expulso pelo forte calor característico da face norte.

Enquanto batia em retirada pensava comigo mesmo: preciso voltar à via o quanto antes, antes que eu me esqueça de todos os detalhes das enfiadas chaves e de preferência num dia bem nublado.

Na quinta-feira passada, entrou uma frente fria atípica de inverno trazendo muita nebulosidade para o Estado, era o sinal que eu estava esperando!

No domingo, após um sábado bem chuvoso, parti naquele horário clássico de 4h45 da matina rumo ao norte do Estado. De Vitória até Baunilha a estrada estava toda molhada devido à chuva, mas foi bater em Colatina que tudo estava seco, conforme os dados do Cemadem.

Uma densa névoa cobria os vales da região, indicando o dia seria muito quente. Como se diz lá no Sul, “cerração que baixa, sol que racha”. Tanto é que errei duas vezes a entrada da pedra devido à cerração que fez a pedra “sumir do mapa”.

Cheguei no estacionamento por volta das 7h45, troquei uma ideia com dono das terras e às 8h30 já estava na base da via. Como ainda estava com a memória fresca, tratei de repetir o mais rápido possível as 6 enfiadas para garantir o máximo de tempo disponível para dar sequência à conquista.

Depois da névoa, neve, cerração, lubrina… o Sol!
Um auto retrato que não deu certo…

Cheguei na enfiada crux, 6ª enfiada, por volta de meio-dia, ou seja, na pior hora do dia para encarar a enfiada mais dura. Aquela história de tempo nublado devido à frente fria não se confirmou, e àquela altura, o Sol estava só esquentando a chapa.

Se eu quisesse encadenar a enfiada era preciso subir rápido, antes que o inchaço do pé por conta do calor me deixasse impossibilitado, mas subir rápido uma enfiada de 60m de aderência é quase uma contradição. Por sorte ainda estava com todos os movimentos frescos na cabeça e consegui escalar de forma bem eficiente e fechar a enfiada mais bonita da via.

Sexta enfiada da P6.
P6.

Cheguei na P6 meio-dia e meia. Logo, eu tinha a tarde inteira para completar a via. O próximo lance parecia ser o crux isolado da via, uma parede mais vertical e depois um rampão fácil. Catei um punhado de chapa, me enchi de coragem e fui à luta. A viradinha foi emocionante. O segredo é não ficar olhando para parada! Já no rampão, foi só alegria. Estiquei sem grandes dificuldades 60m de corda até chegar na faixa horizontal de pedra clara que é bem visível de longe. Como geólogo e escalador aquela faixa sempre foi bem enigmática para mim, pois nunca havia visto uma feição dessas antes. De longe parecia uma fenda, o dono das terras disse ser um platô onde as cabras andavam, não acreditei, mas no fim, o dono estava certo. Era um grande platô cheio de cocô de cabra. Já a coloração alaranjada era devido à diferença da composição do granito que ali era mais “cracochenta”.

A P7 me deixou na base de um grande headwall, mas a àquela altura do campeonato não estava disposto a encarar uma muralha vertical. A minha água (2L) já estava na reserva e eu tinha apenas 16 chapeletas para terminar a via.

Por sorte, à tarde, a nebulosidade e o vento aumentaram e o clima ficou mais agradável.

A 8ª enfiada foi um solo de III grau fazendo um grande balão à direita para ganhar a base de um grande platô. Dali já dava para sentir o cheiro do cume. Era mais uma “subidinha”, uma “viradinha” e cume!

Dito e feito, a nona enfiada foi mais um trepa pedra dominando uma série de platôs estranhos até ganhar o rampão final do cume. Como não achei nada que pudesse servir de parada final, tive que bater mais duas chapas para fazer a parada final da via. Dali até o cume, mais uma escalaminhada e lá estava eu na base das antenas!

P9 pronta, mochila arrumada, hora de descer!
As antenas da Pedra do Pontal.
Fiz um esforço para fazer uma selfie, mas não deu para esconder a cara de cansado.

Cheguei tão exausto no cume que nem consegui curtir muito. Eu já estava sem água e ainda precisava descer toda montanha. Da parte que consegui curtir, consegui ver desde os Três Pontões de Águia Branca até os Três Pontões de Afonso Cláudio. Talvez essa seja um dos poucos lugares do Estado onde é possível ver toda cadeia de montanhas do norte e do sul de um único lugar.

Eu tinha a opção de descer rapelando pela via ou voltar caminhando contornando a pedra. Descartei a possibilidade de descer pela via devido ao meu cansaço. Rapelar 9 enfiadas requer muita atenção aos procedimentos para não fazer cagada. E como eu sabia que tanto o tempo de caminhada quanto de rapel era o mesmo, achei mais seguro descer a pé. A caminhada é bem tranquila, sempre para baixo, por estrada e trilha bem demarcada, mas quando se tem um haul bag de 30kg, tudo fica mais dramático. Ainda mais se está sem água. Prevendo todos esses perrengues, na 1ª investida perguntei sobre a trilha com o dono das terras e ele me deu dicas preciosas. Além disso, perguntei sobre a qualidade da água naquela região. Em geral, evito ao máximo pegar água de córrego aqui no Espírito Santo, pois a terra é muito contaminada com agrotóxicos usados no cultivo do café. Mas dessa vez o senhor disso que essa água era limpa e era usada para o consumo local. Por sorte, na descida consegui achar a nascente do córrego e pude me “esbaldar” com água.

Namorando as montanhas do entorno.
Não aguentei descer num “tirão” a descida. Quando ví o vale e o lugar onde estava o carro, joguei a toalha, ou melhor o haulbag.

Para ler mais sobre a via, clique aqui!

Quando vou para o lado norte do Estado, tem uma coisa que nunca abro mão. Parar no Paradouro Califórnia em Ibiraçu para tomar um caldo de cana e comer um pastel de queijo com palmito. Essa paradinha é muito clássica. E para dar mais dramaticidade, gosto de chegar sempre na “seca”, no limite, pois quando mais baixa a taxa glicémica, mais gostoso é o caldo.

Naturalmente, tomei o meu caldo e o pastel e pé na estrada novamente para encarar mais 80km até Vitória. Quando sai do paradouro, uma senhora de idade me ofereceu doce de polvilho. Sempre a vejo quando paro ali. Cordialmente declinei a oferta e fui para o carro. Quando entrei no carro, a senhora perguntou se eu não poderia dar uma carona até Nova Carapina. Em geral, não dou carona devido aos perigos associados, mas aquela senhora de idade estava longe de me oferecer perigo.

A volta foi bem agradável na companhia da senhorinha. Eu nunca tive avó por perto na minha infância, pois os meus avós viviam no Japão, então, nem que seja por algumas horas, foi bem divertido conversar com ela. E avó é tudo igual, ela me deu várias “dicas de avó”, como não usar talher enquanto estiver relampeando na rua ou virar o espelho para não atrair raio.

Deixei a senhorinha a parada de ônibus e segui o resto da viagem até Vitória e por volta das 19h30 já estava em casa, morto!

Comentários

Uma resposta em ““Tempestade Solar”, investida final”

Que isso japonês, sinistro demais em 480m solo já pode encarar o ironman, parabéns pela conquista!

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