Na semana passada, emendando férias mais feriado, Yasmin, Lissandro e eu fomos para região da Serra do Cipó, Lapa do Seu Antão e Baú de Minas em Minas Gerais. Passamos uma semana na região, sendo dois para descolamento (ida e volta) e cinco para escalada (5 on, 0 off).
O convite para essa trip partiu do Lissandro e eu acabei aceitando porque fazia tempo que não dava as caras pelo Cipó. A última vez foi em 2017. Assim que comecei a me preparar para viagem, a estudar os croquis e as minhas planilhas, vi que a primeira vez que estive no Cipó foi a exatos 20 anos atrás. Pronto! Se estava procurando um bom motivo para voltar esse ano, eu já tinha desculpa perfeita. Rocktrip de 20 anos!
Resolvi não fazer “um relato da viagem”, mas sim, transcrever algumas anotações que fiz durante a viagem.
Serra do Cipó, 04 de Setembro de 2020
A brisa do Cipó
No conforto da hospedagem, fecho os olhos para uma noite de descanso. Lá fora, consigo ouvir um som familiar do vento. Rajadas cíclicas de vento que chacoalham as copas das árvores e fazem um barulho que, se estivessem qualquer outro lugar, era o prenúncio de uma tempestade a caminho. Mas estou na Serra do Cipó (MG) e já sei que isso é comum por aqui nessa época do ano.
Engraçado que foi só quando ouvi esse som, finalmente tive a sensação de que realmente estava na Serra do Cipó que eu conheci pela primeira vez em 2000.
Em junho de 2000, juntei um punhado de troco, me joguei dentro de um ônibus em Porto Alegre e após 2 dias de viagem, Antônio Nery e eu chegávamos para conhecer esse lugar incrível de escalada. Naquela época, havia menos vias de escalada. Eram tão poucas que dividíamos o Cipó em Gupo 1 a 3, sem subdivisões. Havia menos escaladores, e todos nós nos conhecíamos. A vila era muito simples. Sem mercados, apenas 2 restaurantes, um orelhão e nada mais. Turistas? Talvez somente nós mesmos.
Embora ainda jovem e com poucos recursos, foi uma viagem marcante, uma divisor de águas que me fez ampliar os horizontes da escalada. Passamos apenas 2 semanas, mas levei muitas lições de vida que uso até hoje, fora e dentro da escalada. Neste link falo um pouco mais sobre essa trip.
Depois disso, voltei ao Cipó no ano seguinte e mais algumas vezes ao longo dos últimos anos, mas aí, o Cipó já não era mais o mesmo. A vila não era mais a mesma. O G3 não era mais aquele G3. Não reclamo das mudanças, acho importante, faz parte da evolução. Não reclamo das novas vias, muito pelo contrário, elas deram uma nova vida a um Cipó mais moderno. Apenas sinto saudade daqueles dias.
Por tudo isso, sempre que voltava ao Cipó, parecia que não estava retornando ao Cipó que conheci a 20 anos atrás. Vinha para o Cipó, mas parecia que estava num outro lugar, porém ontem a noite, quando fechei os olhos e ouvi aquele barulho do vento, tive, pela primeira vez, a certeza de que estava de volta ao Cipó de sempre! Agora me sinto em casa novamente!
Serra do Cipó, 05 de Setembro de 2020
Escalada à vista
Se existe um estilo de escalada que eu aprecio é a escalada à vista! Eu sempre advogo que “você é o que você escala à vista”. Tem um post aqui que eu falo um pouco sobre isso. Por isso, sempre que posso, gosto de aproveitar e investir esforço nesse tipo de ascensão, a final de contas, você só tem um chance por via!
Tão legal quanto escalar à vista é ver outras pessoas escalando nesse estilo, pois é nessa hora que conseguimos ver a tenacidade, a técnica, a criatividade e a capacidade de gerenciar uma situação diante do desconhecido.
Nessa trip fiz várias escaladas à vistas, assim como vi outras tantas, mas uma em particular me marcou bastante. No primeiro dia de escalada em Cipó, a Yasmin mandou a via Flash Back (7a) à vista sacando. Para quem não conhece, essa via fica no Vale Zen e transcorre por uma extensa aresta que no final fica negativa. Deve ter uns 25m de extensão e conta com 9 proteções mais a parada.
Não é uma via difícil, mas é bem imponente o que dá uma sensação de apreensão, sem contar que as chapas são levemente espaçadas nos trechos finais. Confesso que fiquei apreensivo em relação a Ya entrar na via. Até porque o grau máximo trabalhado dela é um 7b. E sem contar que eu não tinha muito como ajudá-la na escalada porque tinha entrado na via a mais de três anos e não lembrava de nada.
Ela entrou na via com a devida confiança e foi tocando de costura em costura, de movimento em movimento. O Vale Zen estava como diz o nome, Zen, em silêncio, do jeito que ela gosta de escalar. O único casal de carioca que estava conosco ficou em silêncio e ficou acompanhado a movimentação. Faltando uma costura para bater na parada, os braços tijolados estavam cobrando seu preço. De repente, a Ya pediu para travar levando a mão em direção à costura. Nessa hora, o silêncio do vale foi quebrado por um grito de motivação, até os cariocas que estavam em silêncio mandaram a vibe e ela deu um gás final em direção a parada. E o resto foi só comemoração! A viagem já estava ganha!
Pedro Leopoldo, 06 de Setembro de 2020
Lapa do Seu Antão
Eu acho que, de todos os setores de escalada do Brasil, a Lapa do Seu Antão seja o mais organizado e com a melhor interação com o comunidade local, graças aos trabalhos dos “Guardiões da Lapa”. Como conquistador e desenvolvedor de novas áreas de escalada, tenho a plena noção das dificuldades e desafios envolvidos para manter um trabalho do nível como vemos lá. Por isso é sempre uma satisfação voltar aquela lapa para passar uns dias escalando e desfrutando de todas as “amenidades” que o pico oferece.
Sobre as escaladas, aproveitei a ida para resolver uma pendência de 2011 na via Gravidade Zero que não tinha mandando na minha tentativa à vista. Na época, o beta do crux envolvia um calcanhar maroto que não consegui me encaixar. Recentemente, vi no You Tube outro beta que parecia muito mais fácil e me pilhei a tentar um second go! De fato, o beta do bico com a mão cruzada ficou muito mais fácil e consegui mandar a via mais clássica da Lapa!
Pedro Leopoldo, 07 de Setembro de 2020
Baú 20 anos depois
Escalei apenas uma vez no Baú de Minas, em 2000, quando visitei a Lapinha e o Rod depois de passar uma semana no Cipó. Na ocasião fomos direto para “Onda de Calcário” escalar as vias clássicas do setor.
Por isso, sempre quis voltar ao Baú novamente para conhecer os outros setores e provar mais algumas vias famosas.
É claro que de 20 anos para cá muitas coisas mudaram no Baú. O pico já abriu e fechou inúmeras vezes, mas parece que agora o situação está contornada. Inclusive, o pico recebeu um acesso novo e banheiro. Por outro lado, não surgiram muitas novas vias e as antigas proteções continuam originais, dando um aspecto, por vezes sombrio e/ou old school. Confesso que precisei escalar umas duas vias para me sentir à vontade com aqueles grampos velhos, mas depois que “virei a chave”, a escalada voltou a fluir.
Entramos em algumas vias clássicas no Setor da Entrada. De todas que provei, uma em particular chamou a minha atenção: a via “Céu em Chama”, 7b de pura resistência que transcorre pela aresta e finaliza na face até o fim da parede. Já sabia que a via era um clássico, pois é a via com mais ascensão neste grau no 8a.nu, mas não imaginava que fosse tão legal. A via é tão desfrute que nem sei onde fica o crux, talvez na resistência, mas pouco importa, só lembro que curti cada passada, cada agarra dominada e desejei que a parada nunca aparecesse.
Sem dúvida foi a via mais bonita que escalei nessa trip e ouso dizer que está entre as melhores que provei ao longo desses anos.
Serra do Cipó, 08 de Setembro de 2020
“Os Capixabas”
Ao longo da nossa estadia e nas semanas anteriores, vários escaladores do Espírito Santo andaram pela região e, cada um a sua maneira, anotaram várias escaladas importantes para o caderninho. Na semana anterior, a Riva, Yasmin (sim, ela foi 2 vezes) e “Chuck” estiveram na região e mandaram várias vias, com destaque para ascensão flash do Chuck na via “Sr. Miyagi” (8a). Já a Jana e o Felipe que ficaram de anfitrião da galera e também aproveitaram a viagem para mandar várias vias clássicas, com destaque para o Felipera que mandou a Poltergaist (10b) e a Jana a “Vibe Verde” (8a) na Lapa. Também para minha surpresa, encontrei o Iury, escalador de Colatina que recentemente andou conquistando umas vias comigo na região de João Neiva. Acho que foi um grande aprendizado para ele ampliar os horizontes da escalada. Já o Lissandro, mesmo com uma lesão no dedo, mandou vários 7a’s à vista. Ele na via era garantia de “peleia” bonita à vista!
No mais, lembranças e agradecimentos a todos os (as) escaladores (as) que conhecemos ao longo desses dias e aos velhos amigos que encontramos na trilha, no açaí, na base das vias e nas “trombadas”…
3 respostas em “20 anos depois”
Lugar mágico praticamente sem palavras pra descrever a viagem, aprendi muito e já quero voltar.
Essa trip foi sensacional! Valeu demais mestreee! Obrigada por todo o apoio e por toda vibe!!
Foi uma trip muito bacana mesmo! Foi muito divertido!