Aderência e “agarrências”

Esses dias, num grupo de conversa, surgiu o assunto sobre diferença entre os conceitos de escalada em “aderência” e “agarrência”. Achei o tema interessante e resolvi fazer um post.

Em termos de conceito, literalmente, no Brasil, “escalada de aderência” é aquela escalada onde a pessoa sobe usando basicamente a aderência da sapatilha e as mãos só servem para o apoio. No entanto, por sorte, na maioria das vezes sempre tem uma laca ou um cristal salvador, então surgiu o termo “agarrência” que seria uma escalada que mistura agarra com a-aderência, reservando o termo aderência, somente para vias onde não há agarras.

João Vitor escalando uma via que mescla agarrência com aderência.

Fora do Brasil, o povo chama isso de slab climbing em inglês. Na definição deles seria qualquer escalada com inclinação positiva. Em espanhol usa o termo “escalada de aderência”, mas o conceito é o mesmo do inglês e não depende da presença de agarra como no Brasil.

Esticão final da Pedra Azul, uma exemplo de escalada quase toda em aderência.

Em 2014 escrevi um post sobre dicas e truques para escalada em aderência ou agarrência, tanto faz.

Pedra São Luis, Castelo. Escalada em agarrência, ou cata milho, como gosto de brincar.

Há escalada em aderência em qualquer tipo de rocha. Não existe uma relação estilo versus rocha, embora haja certo predomínio. No arenito, em geral, as aderências são bem servidas de agarras, devido à natureza da rocha, então seria mais agarrência. No calcário, as aderências são piores do que no granito porque a rocha tem pouca textura e depende muito de condição climática. Uma vez fui fazer boulder no verão em Arco (IT) e simplesmente não conseguia sair do chão devido à umidade. Já no granito há bastante escalada neste estilo, sendo o Rio de Janeiro o epicentro da escalada em aderência no Brasil. Eu acho que a variação “agarrência” deve ter nascido lá. No início do montanhismo brasileiro, as pessoas buscavam as chaminés que eram os sistemas mais óbvios para alcançar os cumes. Depois, com a chegada das sapatilhas de borracha, a geração seguinte buscou as conquistas por fora das chaminés, nascendo assim a escalada em face e consequentemente a escalada em agarrência.

Embora a aderência no granito seja boa, em alguns locais, onde a rocha esteve em contato com geleiras da última era do gelo, ela fica super polida de é puro desespero. Um bom exemplo são algumas vias no Parque Nacional de Yosemite, nos Estados Unidos.

Outra forma de deixar o granito polido é pela ação da água. Linhas de via que transcorrem em calhas d’água efêmeras também costumam ser bem polidas. Por exemplo, via Mona Lisa que transcorre ao lado de uma queda d’água.

Via Mona Lisa. Foto: Caio Afeto

Aqui no Espírito Santo, existe uma regra bem interessante para quem tem alguma noção básica de geologia para saber onde estão os temidos granitos de aderência. Basta abrir o mapa geológico do Estado e procurar onde estão os granitos que os geólogos chamam de “intrusões graníticas pós-tectônicas” ou “intrusões graníticas pós-colisionais”. Ou ainda “granitos tardios”. Em geral, nos mapas, tem formas arredondadas e com um pouco de esforça dá para reconhecer com certa facilidade nas imagens de satélite. In loco, os granitos lisos não apresentem muita vegetação e a rocha tem uma textura bem fina. Como a rocha é lisa, não há acúmulo de terra para servir de base para uma planta crescer. Outra característica são as calhas d’água. Onde tem muitas calhas verticais, pode ser um indicativo. Embora não seja diagnóstico.

Mapa geológico simplificado do ES. As áreas em círculos são os “granitos de aderência”.
Agarrência em calha d’água. Castelo.

Fiz uma relação das principais vias do Estado onde predominam os longos lances de aderência, embora não seja aderência stricto sensu. Também não escalei todas as vias do Estado para saber se tem mais do que essas vias. Mas aí vai à sugestão para quem busca ou foge!

  • Lídio Alvarenga, Guarapari;
  • Jardim Labirinto, Guarapari;
  • Normal da Pedra Azul;
  • Normal da Pedra do Garrafão em Santa Maria do Jetibá;
  • Mona Lisa, Alfredo Chaves;
  • Batata Quente, Castelo;
  • A última cartada, Castelo.
Normal da Pedra do Garrafão em Santa Maria do Jetibá.

Comentários

2 respostas em “Aderência e “agarrências””

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