Na geografia e geologia, o termo “morro testemunho” é utilizado para designar uma elevação topográfica que se destaca sob um relevo mais baixo e aplainado, sendo ele, uma feição residual não aplainado.
No Rio Grande do Sul, ao longo da base da Serra Gaúcha, conhecida como Depressão Central, ocorre uma extensa faixa sedimentar onde afloram, entre outros, os famosos arenitos, de origem eólica, da Formação Botucatu. E junto a essa faixa, que começa próximo ao litoral gaúcho e segue até a fronteira com o Uruguai, é bastante comum encontrar os tais morros testemunhos.
Alguns exemplos famosos desses morros testemunhos são: o Morro do Itacolomi, Morro do Sapucaia, Pudim, Itacolomi do Passo do Sobrado, Cerro Itaquatiá, Cerro de Palomas, Yeye entre outros.
Por ser um morro residual resistato, é comum aflorar paredes escarpadas ao redor do morro, com grande potencial para a prática da escalada. Aliás, a história do montanhismo gaúcho começou justamente num desses morros testemunhos, com a conquista do Morro do Itacolomi em 1952. Logo, devido ao potencial dessas paredes, inúmeros morros testemunhos foram sendo explorados pelos pioneiros. Atualmente, praticamente todos os morros testemunhos do Rio Grande do Sul são áreas consagradas de escalada.
O estilo de escalada nesses morros testemunhos é bem peculiar por apresentar diversas características únicas, independentemente do morro que for escalar.
Em todos eles, há uma aproximação com bom ganho de elevação e é bem comum, no trecho final, fazer algum trepa-pedra; já os setores de escalada são pequenos com menos de meia dúzia de via por setor, exigindo constante migração de setor ao longo do dia; as tais mudanças de setor são sempre por trilhas íngremes que por vezes exigem lances de escalaminhada e até mesmo pequenos rapéis numa vegetação bem característica de altitude.
Outro elemento comum nesse tipo de ambiente são as abelhas e marimbondos, que compartilham o mesmo espaço com os escaladores. Por isso, é bastante comum ocorrer encontros infortúnios onde sempre acabamos tomando algumas picadas, seja no meio da escalada e/ou na trilha.
As escaladas em si também são bem peculiares em termos de estilo. As vias são, em geral, vias mais curtas, aproximadamente 15m de extensão, prevalecendo uma escalada mais técnica num arenito super compacto.
Foi também nesses morros testemunhos que surgiu o que chamamos de “estilo gaúcho” de escalada, sendo justamente essas vias curtas e bem bolderísticas, por vezes com movimentações muito específicas, um verdadeiro pesadelo para escalada à vista.
Há também vias em paredes mais esburacadas que sempre atraem os nossos olhares e desafiam a imaginação, mas, em geral, essas paredes esburacadas pela ação dos ventos e água são os locais preferidos dos marimbondos que gostam de pegar os escaladores mais desavisados.
Lembrei de tudo isso porque no último final de semana, entre o Natal e o Ano Novo, estive com Tiagão e Andrew pelo Morro Yeye em Montenegro.
Embora o berço da minha escalada esteja intrinsecamente ligado ao Behne, nos meus primórdios da escalada vagamos bastante por esses morros testemunhos, principalmente o Itacolomi e o Pudim.
Pelo fato de o Yeye também ser um morro testemunho, o estilo de escalada é muito parecido com o Itacolomi e o Pudim. Por isso, a escalada do final de semana resgatou um pouco as memórias dessa época, quando acordávamos cedo, pegávamos 3 ônibus e passávamos o dia escalando pelos setores, tomando picada de marimbondo e espanco das vias “estilo gaúcho”. Desde então, o tempo passou, mas algumas coisas seguem imutáveis como as ardidas picadas de marimbondo, as intermináveis caminhadas e o espanco das vias!
Já escalei por vários picos de escalada do Brasil e exterior e posso garantir que a escalada nos morros testemunhos do Rio Grande do Sul é única e genuinamente gaúcha. Recomendo fortemente aos novos escaladores e visitantes que conheçam um pouco desse patrimônio que ultimamente anda um pouco esquecido.
Behne e Noel
Aproveitando a visita ao Rio Grande do Sul, atualizei a parte gráfica do croqui do Behne, refiz os desenhos e fiz algumas correções. Para ver o croqui atualizado, clique aqui!
Já em Noel Rocks, inclui algumas vias novas do Setor Psicodélico. Para acessar, clique aqui!
Uma resposta em “Escalada Testemunho”
Bem legal o post! Contextualizou nosso dia de sensações e perrengues num contexto histórico e geológico!