O impossível é uma questão de tempo

Na última 6a feira, dia 8 de setembro, (feriado em Vitória) Eric Penedo, Thadeu Bastos e eu concluímos dois antigos projetos na Parede dos Sonhos em Itarana.

Esses projetos não estavam dentro dos nossos planos do dia, na verdade, o nosso plano original era bem longe dali: averiguar uma fenda em Águia Branca, mas acabamos caindo em Itarana… Como?

Tudo começou com o Eric querendo conferir uma pedra em Águia Branca, mas as condições meteorológicas, mais uma vez, não estavam favoráveis, mesmo assim resolvemos arriscar um tiro de quase 200km.

De última hora, o Thadeu, escalador carioca residente em Vitória, entrou na barca e assim tínhamos a barca da Independência.

Saímos de Vitória às 4h30 e logo na Serra começamos a pegar chuva. A chuva foi nos acompanhando até Colatina e assim que chegamos no contorno de Colatina, onde é possível ter uma ampla visão da região norte do Estado, vimos que o tempo seguia fechado com muitas nuvens para o Norte. Assim, resolvemos abortar a missão e partir para um plano B, pois sabíamos que nessas condições a melhor opção seria ir mais para leste, em alguma montanha que não fosse a primeira barreira de nuvem.

De Colatina, fomos por dentro até Itaimbé, Palmeiras, até sair em Itaguaçu. Para o Thadeu que nunca havia rodado por aqueles lados, foi um verdadeiro tour pelas montanhas capixabas para conhecer, nem que seja de dentro do carro, as principais montanhas da região.

Montanhas da região de Itaimbé.

Já em Itaguaçu, a tempo estava mais firme, parecia que não tinha chovido nos últimos dias. Assim, resolvemos ir até Itarana, onde no dia anterior cogitamos ir à Parede dos Sonhos para tentar livrar um teto.

O teto da Parede dos Sonhos é um projeto antigo. Desde a primeira vez que estivemos na pedra em 2014, sempre ficávamos namorando a fenda em oposição de uns 5m que corta por baixo do teto da esquerda.

Em 2016, fui atrás dessa fenda com o Gillan, mas quando cheguei na base, achei que não teria como passar em livre e resolvi sair pela direita, abrindo assim a via Boa Noite Cinderela.

No mesmo ano, juntamente com o Gillan e o Eric, iniciamos a Bom dia Cinderela, passando à esquerda do teto. Com isso, o trecho do teto ficou isolado entre duas vias e se criou a lenda de que a fenda era impossível de passar em livre. Poderíamos ter passado a fenda em artificial móvel, mas ninguém estava buscando esse tipo de escalada na época e o projeto ficou de molho.

Acredito muito na teoria de que as coisas não acontecem ao acaso. Se em 2016 dei meia volta, tinha alguma razão. Talvez eu não estivesse preparado, talvez não fosse a hora certa. Também não sabia se iria conseguir passar em livro agora, mas sempre penso que o tempo é a melhor arma para o amadurecimento, tanto técnico quanto psicológico.

Devido a todo esse role que demos, mais de 200km, acabamos entrando na parede somente as 10h50, quando o Thadeu pegou a ponta da corda para iniciar a primeira enfiada da via Xixi na Cama.

Chegando na P1 da Xixi na Cama.

Na P1 da Xixi na Cama, emendamos na Boa noite Cinderela passando pelo crux de 7a até a base do famigerado teto. A ideia era tocar tudo num único tiro, mas acabei consumindo muitas peças e o atrito estava difícil de gerenciar após puxar quase 50m de corda. Com isso, resolvi estabelecer uma parada mista bem na base do teto.

Acessando a base do teto. Foto: Eric.

Como o platô é desconfortável, apenas o Eric subiu para fazer a minha segurança e o Thadeu ficou no conforto do platô da P1.

Eric chegando na base do teto.

A visão do teto era intimidador, mas diferentemente de 2017, vi que seria possível passar em livre. Também vi que havia boas colocações que permitiria me arriscar mais. Foquei em tentar passar de primeira: First ascent à vista.

O famoso teto da Parede dos Sonhos.

A fenda tem uns 5m de extensão, na sessão inicial consegui me encaixar nos entalamentos e garanti boas colocações. Já na parte final, onde achei que fosse mais de boa, constatei que a rocha era duvidosa, tanto para entalar quanto para proteger. Consegui uma peça mais ou menos e fui para o tudo ou nada e logo consegui virar o teto e chegar na parada da Boa noite Cinderela.

Chamei o Eric enquanto o Thadeu acordava do sono profundo e subia pela corda fixa. Com a primeira missão concluída, partimos para segunda missão da tarde: terminar a via Boa dia Cinderela.

Eric limpando o teto enquanto Thadeu vem pela fixa.
Eric na teto da Parede dos Sonhos.

Em 2016, Eric, Guillan e eu iniciamos essa variante, mas ela ficou inacabada, faltando apenas uns metros para linkar na P5 da Sonho Molhado.

Da P1 da Bom dia Cinderela, tocamos mais uma enfiada até o high point da conquista (P2). Dali, toquei pela direita protegendo em móvel até ganhar uma face. Bati uma chapeleta e logo em seguida cheguei na P5 da Sonho Molhado. Pronto, era só isso que estava faltando!

Eric na 2a enfiada da Bom dia Cinderela.
Conquistando o trecho final da Bom dia Cinderela. Foto: Eric.
Conquistando a 3a enfiada.
Croqui atualizado com todas as vias da Parede dos Sonhos.

Devido ao horário avançado, resolvemos descer dali mesmo e adiantar a volta, pois estávamos na estrada desde às 4h e ainda tínhamos um longo retorno.

A volta não foi fácil, infelizmente pegamos um acidente na Serra que bloqueou a pista desde o final da tarde. Ficamos mofando no engarrafamento umas duas horas. Resultado, levamos quase 4h para cobrir 100km.

Entardecer em Itarana

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