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Despedida de Solteiro, 1a repetição

A história dessa via tem quase 10 anos! Em 2014, repeti a via “Nada é o que parece ser” na Pedra Paulista em Itaguaçu, com o DuNada e o Graveto. Durante a descida, descemos caminhando, visualizei uma linha na imponente face norte da pedra. Como descemos no escuro ficou difícil entender bem a linha, mas a ideia ficou na mente.

Em 2017, Eric, Cosme e eu iniciamos a conquista justamente naquele vulto de pedra. Naquele ano, realizamos duas investidas e fomos até a oitava enfiada.

Em 2020, voltei novamente, dessa vez com Tesourinho e o Eric para finalizar a conquista. Após dois dias, com direito a bivaque na P6, batemos no cume.

A via estava pronta, mas ainda estava faltando um detalhe: liberar duas enfiadas, as mais difíceis, a nona e a 1oa.

A ideia de voltar a via foi se procrastinando, mas no último final de semana, fui com Chuck resolver essa pendência para, finalmente, conseguir dormir em paz!

Sabia que a via era exigente, não só pelas enfiadas crux, mas pela obra como um todo. Todas as enfiadas são bem exigentes, hora fisicamente, hora psicologicamente. Além disso, a via fica com a face voltada para norte, com Sol o dia inteiro, então é preciso entrar num dia nublado de inverno, de preferência com vento, para levar menos água e os pés aguentarem as longas enfiadas em agarrência.

Também não sabia se era possível repetir a via em apenas um dia de escalada, principalmente por causa do cansaço acumulado ao longo das enfiadas. Daria para escalar em um dia, mas seria bem puxado, talvez chegasse sem energia e pés para aguentar o crux…

Muitas dúvidas, mas apenas uma certeza, tínhamos que voltar lá para saber.

Partimos no esquema padrão bate volta. Escolhemos o domingo porque a meteorologia estava mais favorável e também queria dar um tempo a mais para rocha secar, pois a semana foi bem chuvosa na região.

Partimos de Vitória às 4h15 e chegamos na base da via às 8h. E as 8h15 eu já estava puxando a primeira enfiada com a segue o Chuck.

Separando os equipos .
Aproximação.
Início da via.

Logo na saída, senti um certo desespero por encontrar a via úmida. Parece que tinha chovido, garoado, ou era a simples umidade do ar, mas confesso que fiquei bem apreensivo, pois a via exige muito atrito e a rocha não estava boa.

O Chuck pegou a 2a enfiada e logo já foi entendo onde estava se metendo. Ele ficava repetindo: Vovó Rodrigo que é um sábio em não ter aceitado esse convite! 

Chuck na 2a enfiada.

A 3a enfiada é a enfiada psicológica da via com longos estições em rocha sempre muito duvidosa. Para mim é a pior de todas!

Chuck na 3a enfiada.

Na 4a enfiada voltei a ponta da corda novamente. Seria muito injusto deixar a enfiada mais dura para o Chuck. Não é a mais cansativa, mas tem um boulder emocionante na saída.

Chegamos no platô da P4 por volta das 10h50. Segundo nosso hero plan, teríamos que escalar cada enfiada em 30 minutos para conseguir descer com luz. Logo estávamos atrasados em quase 1h. Mas estávamos dentro do nosso planejamento mais realista.

A partir da 5a enfiada, a via dá uma merecida trégua para os pés e segue por mais três enfiadas em chaminé média a estreita. Na verdade, você troca seis por meia dúzia, pois o sofrimento segue.

O Chuck pegou a 5a enfiada, a primeira das três chaminés. No croqui está escrito 40m, mas descobrimos que tem 55m. 15m a mais em chaminé é um mundo. Chuck sobreviveu, mas chegou com a pressão baixa na parada.

Início da chaminé

Subi com a mochila de segundo. Não sei o que é pior, guiar ou ir de segundo com uma mochila entre as pernas. Para otimizar a escalada subimos com apenas uma mochila de 22L, então ela estava um chumbo.

Como estávamos com tempo apertado, toquei na cola a próxima enfiada. Foi horrível! Dessa vez eu cheguei com a pressão baixa na parada. Naquele momento tive sérias dúvidas se iríamos concluir a escalada. Fizemos uma longa pausa para nos restabelecer no platô do bivaque e seguimos!

A bateria do Chuck já tinha arriado ali, então a partir dali fui tocando na frente.

Chegamos na nona enfiada com as melhores condições climáticas! Vento gelado, nublado com cara de chuva e rocha seca e crocante! Condição perfeita que não poderia ser desperdiçada.

A nona enfiada tem quase 60m e a escalada segue em agarrência constante. O segredo para mandar essa enfiada, e as outras, é pensar pouco a agir muito, pois se ficar testando cada mão, cada cristal suspeito, os pés não aguentam o tiro de 60m. Falar assim é fácil, mas é difícil agir rápido diante de um cristal estranho com a chapa longe. Tentei escalar o mais rápido que pude, tentei pensar o menos que pude, apenas ia subindo e contando as costuras. Deu certo!

Minutos depois, a nona enfiada estava liberada, mas o problema estava na 10 enfiada que é mais vertical e com um crux bem no final, nos últimos metros.

9a enfiada.

A essa altura eu já estava mais confortável com o terreno. Então a escalada saiu mais fluida. O difícil foi gerenciar o cansaço acumulado e o peso da corda. Já o crux final foi mais na querência e na “acreditância”.

Sempre que me sentia fraco, desmotivado ou cansado, ficava lembrando do filme Swissway to Heaven, onde o escalador Cedric Lachat despacha numa única temporada as tradis mais duras do país, uma atrás da outra. E ficava pensando: se ele consegue eu também consigo!

A partir da dali sabíamos que a via estava na mão, pois as últimas enfiadas são mais fácies. Tão fácil que de repente, quando olho para cima, vejo dois cachorros perdidos de um lado ao outro, se aproximando de mim. Fiquei em choque! Estávamos a uns 200m do cume e abaixo de nós um precipício de uns 400m. Se fosse um cabrito ok, mas eram dois cachorros bobões! 

Cachorros que escalam III grau…

Tentei não chamar a atenção porque não queria que viessem até nós. Após zanzarem mais um pouco perigosamente na rocha nua, eles sumiram e não vimos mais.

Tocamos as últimas enfiadas em modo flash, até porque até cachorro sobe por ali, e chegamos no cume às 17h 15, após 9h de escalada! 

Cume!
Última enfiada.
Livro de cume.

Agradecemos ao São Pedro pelo clima perfeito, bebemos o restante da água (levamos 2L cada) e iniciamos a longa descida pela via: 13 rapéis!

Após dois rapéis, a noite caiu e descemos o resto somente com as luzes da lanterna. Não foi uma descida fácil, mas chegamos no chão após 2h. Depois dali, uma breve caminhada nos levou ao carro e mais 3h até Vitória, com direito a um podrão em Santa Teresa para repor as energias!

Pausa na P6.

Valeu demais Chuck! Obrigado por ter topado essa!

Dicas para repetição

  • Face Norte, Sol o dia inteiro. Melhores condições: inverno, dia nublado e com vento;
  • Corda dupla ajuda nas enfiadas mais longas, mas não é mandatório;
  • Uma joelheira para 6a enfiada pode ser providencial;
  • Levar 3 cordeletes para abandono caso rapele pela via;
  • Repetimos a via em 9h. Uma cordada que não conhece a via levará mais tempo.

Comentários

2 respostas em “Despedida de Solteiro, 1a repetição”

Muito obrigado Japa pela oportunidade de escalar com vc nessa temporada.
Confesso que não tem sido fácil.
O corpo e a mente estão sofrendo, mas está valendo a pena cada montanha. Kkkkkkkk
Porém, sorte tem o vovô que sabe negar essas roubadas! Kkkkk

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