logo@2x
Pesquisar
Close this search box.

Aos velhos tempos

Em geral, não dou muita bola para cume de montanha. Acho legal e tal, mas não é o que me atrai. Não escalo montanha para chegar no cume, sou mais fã do processo que leva ao topo da montanha. É claro que quando o cume é bonito ou virgem, é um atrativo a mais, sem dúvida. Mas estranhamente dessa vez estava feliz! Feliz de estar pisando no cume do Pontão Rachado nos Cinco Pontões de Itaguaçu/Laranja da Terra. Enquanto esperava sozinho o Afeto subir até o cume fiquei tostando ao Sol e pensando que, talvez essa escalada fosse o fim de um capítulo. Acho que por isso estava feliz. Enquanto conquistava a última enfiada da via “Raiz Forte”, em direção ao cume, estava anormalmente ansioso, não sei se era por causa do calor ou por causa dessa felicidade estranha. Tive paciência até a metade da enfiada, mas depois toquei sem proteger porque queria chegar logo no cume. E o pior que tenho certeza de que no futuro irei me arrepender disso…

A história da via “Raiz Forte” está neste link. De forma bem resumida, essa linha transcorre a face norte do Pontão Rachado, pela face mais íngreme da base até o cume, por um sistema único de fenda/chaminé e mato por quase 430m. Em 2019, Afeto, Zudivan e eu fizemos uma investida de 2 dias para tentar abrir uma via ali, mas acabamos sucumbindo a 120m do cume pelo cansaço. Embora a via transcorra sempre pela fenda, nos metros finais, a fenda some e é preciso sair pela face da pedra dominando várias ondinhas para atingir o cume.

Descer a 120m do cume foi um golpe duro. Ainda lembro daquele dia como se fosse ontem. Tinha ido até o final da fenda que termina num pequeno totem e subi na ponta do pé para bater uma chapa e dali fiquei olhando para cima desolado. O cume estava ali, mas não tinha mais força, nem condições emocionais para encarar aquele “cata milho” desgraçado.

No mês passado, novas perspectivas trouxeram mudanças nos planos pessoas e Afeto e eu vimos que, talvez, se não fosse agora, não teríamos mais como concluir a via nos próximos meses, ou até mesmo anos. Isso trouxe uma certa urgência, pois deixar uma via desse porte, depois de investir tanto suor e esforço seria um grande desperdício.

Janeiro está longe de ser a melhor época do ano para escalar, ou pior, conquistar uma “tradi”. E pior ainda se for pelos lados dos Cinco Pontões que tem fama de derreter sapatilha. Mas “condições extremas, exigem atitudes extremas” não é assim?

A ideia original era repetir as 8 enfiadas, subindo os 380m de via e depois seguir a conquista, mas dessa vez não tínhamos esse tempo disponível, por isso resolvemos usar uma estratégia um pouco diferente: subir a Rachada pela face oposta, descer até a P8 e voltar conquistando o trecho final. Não é o melhor estilo, admito, mas era isso ou a via ficaria inacabada por anos a fio. Pelo menos para tentar manter um grau de dignidade, resolvemos subir conquistando, em vez de equipar o trecho final.

Para dar um “plus a mais” tínhamos apenas um dia para essa investida. Originalmente tentaríamos fazer isso em 2 dias, mas mais uma vez, as condições não permitiram e tivemos que fazer à moda antiga, ou como nos velhos tempos! Quando saímos de madrugada e voltávamos tarde da noite. 

Acordei às 4h de domingo e às 4h30 já estava pegando o Afeto em Vila Velha. Às 7h30 estávamos com as pesadas mochila nas costas para 1a parte do processo, chegar no cume do Pontão Rachado pela via “Águas Passadas”. Estávamos levando todo material de conquista, incluíndo 35 chapeletas e furadeira. Além de 200m de corda, entre corda de trabalho, corda guia e retinida. O Afeto ainda estava subindo com o paraquedas para “descer mais rápido” ao final da conquista. Ou seja, estávamos pesados!

No primeiro rampão, antes de chegar na Rachada, já senti como seria o dia. Lá pela metade comecei a ficar preocupado se realmente conseguiríamos dar conta do recado, mas aos poucos fomos ganhando terreno. Mesmo com “o guia local”, tivemos certa dificuldade para chegar na base da Rachada, mas após 1h de caminhada chegamos ensopados no início da via. Para ganhar tempo, resolvemos solar a via, já que o Afeto falava que era um 3o grau de 350m… De fato, a escalada fluiu de boa. Contornamos alguns lances mais expostos por fora da via e em 1h estávamos no cume da Rachada.

Primeiro rampão do dia!
Subindo a rachada com o material de conquista.
No cume da Rachada com Pontão Gêmeo, Casagrande e o 17 de Julho ao fundo.

A essa altura, as nossas canelas estavam “bambinhas da Silva”. A receita costão mais mochila pesada estava cobrando seu preço. Por um momento fiquei um pouco apreensivo em relação a conquistar naquelas condições, pois sabia que o trecho final seria ao melhor estilo “cata milho”.

Descemos 120m pelas cordas fixas até chegar na P8 da via. É claro que aproveitamos a “carona” e demos uma olhada no melhor traçado, mas não sei se foi melhor ou pior, porque não nos pareceu muito amigável.

Foi muito estranho cair de paraquedas na P8. Enquanto me arrumava para continuar a conquista no mesmo mosquetão que eu tinha deixado para trás em 2019, aflorava todo aquele sentimento da última investida. Naquela investida, depois de bater a última chapa, ainda tentei progredir, mas achei difícil, fiquei com medo dos cristais quebradiços e desisti. Na verdade estava me cagando de medo. A parede era imponente e eu me sentia “um nada” no meio de tudo aquilo. Dessa vez, coloquei na cabeça que nenhum cristal iria quebrar comigo e fui subindo acreditando nessa teoria infundada. Bati mais 6 chapas e em 1h finalizei a enfiada com 40m até um platô relativamente confortável.

Conquistando a nona enfiada.

O Afeto assumiu a ponta da corda no pior horário do dia. Era por volta do meio-dia quando ele começou a sair catando milho. Aquela altura, mesmo com algumas nuvens e vento, o Sol estava nos castigando sutilmente. Para poupar peso, acabamos levando pouca água, 2L por pessoa, então tivemos que ficar racionando para dar conta.

Após dominar uma lance mais vertical e tocar um esticão que ele vai se arrepender no futuro, bateu a P10 após esticar 40m de corda.

Afeto conquistando a última enfiada.

A partir dali eu sabia que o cume estava a menos de 60m. Num misto de sair logo do calor e terminar o projeto conquistei a última esticada de corda tocado e às 14h estávamos de volta ao cume com a missão cumprida.

Preparando o rack para tocar a próxima enfiada.
Conquistando a última enfiada.
Cume!!!
Reposição de energia!
Assinando o livro de cume.
Cume da Rachada. Ao fundo, os Três Pontões de Afonso Cláudio.

Ainda faltava a descida que era uma parte crucial do processo. O Afeto encheu o haul bag com alguns “equipos” e do cume da Rachada saltou de paraquedas, para em menos de 10 segundos, tocar no chão e pegar uma água gelada no carro. A mim, restou rapelar 350m mais uma caminhada na mata, mais 120m de rapel. É claro que no meio da caminhada o Afeto me encontrou e terminamos de descer a montanha com segurança.

Paraquedas substitui o freio 8.

Minha eterna gratidão ao Afeto e Zudi por terem me aplicado nessa incrível roubada. Com certeza já entrou para o hall das conquistas mais épicas da minha vida. Agora é vida que segue e aos poucos ir aceitando a ideia de voltar à via para fazer a ascensão integral em livre.

Croqui da via
Vida que segue na comunidade aos pés da montanha.

Em breve deve sair o vídeo da conquista final.

Done!

Comentários

Uma resposta em “Aos velhos tempos”

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.