Casotti, novo pico de escalada

Eu tenho a seguinte teoria sobre a evolução da escalada no Espírito Santo:

O esporte só irá crescer de fato quando a escalada do interior ganhar força. Não que a galera da capital seja incompetente, mas é porque as montanhas estão no interior do Estado.

Um exemplo clássico: Pancas! Tem a maior densidade de montanhas, atrai escaladores até de fora do Estado, mas não tem um escalador ativo! É quase um paradoxo! Isso acaba refletindo no desenvolvimento da escalada na região que fica dependente dos escaladores da capital ou fora do Estado. Consequentemente, acaba comprometendo o desenvolvimento do esporte naquele região. Se deslocar 3h, no caso de Pancas, desembolsar um tanque, material de conquista e ainda ter tempo para abrir uma via nova não é fácil para ninguém e não está ao alcance de qualquer um.

Agora, uma vez que se tem uma comunidade de escalada estabelecida na região, tudo acaba ficando menos oneroso e mais rápido. Escaladores locais tem mais tempo para desbravar a região em busca de novos picos, pois não precisam se deslocar tanto, conhecem melhor a região e tem mais tempo disponível para abrir novas vias.

Um exemplo clássico foi quando o DuNada se mudou para região de Castelo, logo que ele chegou, surgiu uma nova safra de escaladores locais e várias vias novas na região.

Outro exemplo mais recente é Colatina. Embora a cidade já tivesse uma história, no momento que o Iury começou a agitar a galera, criando o Colaboulder e a desbravar o interior em busca de novas áreas de escalada, o esporte deu um boom na região. Em pouco tempo surgiram dois picos de escalada esportiva (Polese e Cabeça de Elefante) que estavam na cara do gol, mas que faltava alguém da região com “o espírito do facão”!

Casotti

No último feriado (01/05) fomos, Felipe Alves e eu, conferir mais uma pedra que os “desbravadores” de Colatina acharam na região de Povoação de Baunilha.

Essa é uma parede bem pequena quando comparada com as pedras que tem na região. É uma legítima parede que jamais iríamos checar (eu pelo menos) porque é pequena, longe da estrada e somente alguém da região com disposição para fazer esse trabalho inicial. Trabalho esse que ainda inclui procurar o dono das terras e explicar as intenções.

Com tudo isso feito, o Iury me bombardeou com mensagens de texto, video e áudio na intenção de me baratinar fazendo mil propagandas do local. E para garantir o efeito, mandou as mensagens para o Felipe Alves também! Assim a pressão seria dupla!

Sou galo velho nessas coisas. Quando queremos convencer as pessoas, só falamos das partes boas e sempre omitimos as partes ruins, como, por exemplo, a aproximação de 25 minutos com ganhos de elevação de uns 200m por um pasto limpo sem sombra.

Saímos de Vitória às 6h30 e às 8h30 nos encontramos com o pessoal de Colatina na entrada da propriedade. Primeiro caó do dia: Iury tinha falado que iria ter 4 carregadores para levar o material de conquista, mas na hora tinha só um, o Luca!

Como os meninos já tinham feito a primeira conversa com os donos das terras parecíamos que éramos da casa. Sempre é importante registrar a hospitalidade do povo do interior que nos recebe de braços abertos, mesmo por vezes, sem entender bem o que vão fazer naquelas pedras.

Aproximação pela propriedade da família Casotti.

A aproximação foi um pouco sofrida. A mochila pesada, o calor e a apreensão incomodaram, mas chegamos na base.

A parede é realmente pequena, me venderam como 40m, mas tinha a metade, tudo bem. A rocha parecia ser o clássico granada ganisse do Complexo Nova Venécia, igual que tem em Viana, Amarelos, Calogi e por aí. O diferencial dali é que o bandamento é subvertical, bem incomum. Outro aspecto que chamou a atenção foi a orientação da parede com face voltada para sul, garantindo sombra na maior parte do ano. Eu tenho uma teoria de que as melhores paredes esportivas têm a face voltada para sul e essa poderia ser um exemplo.

Vista geral da parede.

A primeira vista achamos a parede ok. Pareceu uma parede tímida que conseguiríamos entender seu verdadeiro potencial a medida que fôssemos esmiuçando a pedra, assim como acontece nas Paredes Verticais de Soído em Domingos Martins.

Resolvemos iniciar os trabalhos pela fissura mais óbvia que corta a parede de uns 15m que acaba num buraco. 

O Iury e Luca fizeram o trabalho sujo de dar a volta e fixar a corda. Em seguida fui pela corda fixa conferir a fenda, mas logo descobri que seria possível abriu uma via incrível à esquerda. A medida que ia subindo, ia surgindo cada vez mais agarras e aquilo foi nos empolgando, pois vimos que a parede tinha agarras.

Bati um top na esquerda, já no final da parede e desci marcando para o Luca subir furando, enquanto isso fui estudar a fenda da direita, onde bati um top no último buraco.

Em pouco tempo já tínhamos duas vias na parede.

Iniciamos os trabalhos na fissura que subi com as peças pré colocadas e desci satisfeito com a via. Não é todo dia que achamos uma fissura de dedo de 15m que acaba num buraco. O Felipe repetiu a via e depois o Perna, Luca e Iury mandaram de top. A via, batizada de “Trabalho Forçado” ficou graduada em V e requer um jogo de móveis do micro ao #1 (#.5-#.75 repetido) mais um jogo de nut pequeno. Embora o grau seja baixo, não considero uma via para quem está começando nas peças, pois exige colocações estratégicas e precisas, já que a fenda não é contínua.

Luca equipando a via Trabalho Infantil.

Em seguida provamos o projeto do lado, batizado de “Trabalho Infantil”, em homenagem ao Luca, o equipador. Entrei isolando as passadas e depois o Felipe Alves fez o FA em flash da via. Depois entrei novamente e fiz a primeira repetição. Chegamos num consenso de que a via seria um 8b com um longo crux na seção final até a virada.

Felipe Alves fazendo o FA da via Trabalho Infantil. Foto: Iury.

Essa via foi, sem dúvida, uma grata surpresa. A via é bem alta, 18m, e negativa com um crux bem diluído que vai minando até chegar num clássico “pra que isso”. Via recomendadíssima!

Depois partimos para uma terceira linha que visualizamos mais à direita. A linha segue uma fenda estranha em diagonal à esquerda e logo some.

Dessa vez o Perna e o Luca deram a volta e fixaram a corda para que eu pudesse dar uma olhada mais de perto.

A essa altura, o tempo começou a dar sinal de que iria virar e que seria apenas uma questão de tempo para o mundo cair. A medida que o tempo ia passando, tempo fechava mais ainda, dando um ar apocalíptico, por isso aproveitei que estava na corda e já fui equipando a via. Mais uma vez consegui estabelecer a parada no topo da parede, usando a extensão total da parede, uns 20m.

Batizamos esse projeto de “Livro de Excalibur”, devido a uma agarra que lembra um livro encravado na rocha.

Terminei de equipar a via já sob a luz das lanternas e assim que toquei no chão, só deu tempo para jogar tudo para dentro da mochila e sair fugido da chuva morro abaixo!

Minhas impressões finais sobre a nova parede é que não será uma parede popular, porque a galera da esportiva não curte caminhar mais do que 5 minutos para chegar no setor, esse tem 20-30min. Além disso, as vias que estão saindo e as que virão, não serão tão fáceis. Por outro lado, a parede fica na sombra o dia inteiro o que é muito interessante! Na minha opinião, as duas vias que tem até agora valem a viagem!

Esse é um grande dilema que até conversei um pouco com o Felipe nesse dia, sobre abrir vias que não são repetidas ou frequentadas. Até que ponto isso é válido e benéfico para o crescimento do esporte. Antigamente achava que as vias eram para geração do futuro, mas hoje vejo que o futuro chegou e as vias seguem lá sem repetição. No fim, chego a conclusão de que abrimos as vias para a gente escalar e pronto!

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