“Fora de Foco” e “Onde os amigos têm vez”

“Fora de Foco”

Em abril, quando dei um rolé pelo norte do Estado, uma pedra em particular chamou a minha atenção. Na verdade, essa pedra, chamada de Pedra Torta, chama a atenção de qualquer pessoa que passa em frente a ela. Primeiro, porque é a primeira pedra que você vê quando está chegando em Águia Branca e aquilo causa um grande impacto visual que choca até mesmo quem não escala. Mas a pedra que chamou a minha atenção nem foi a Pedra Torta em si, mas uma pedra que fica ao lado.

Com um olhar mais apurado dá para ver claramente nessa pedra um sistema de diedros e arcos que vai da base até o cume da pedra.

Pedra Torta e a pedra anexa em Águia Branca.

No último final de semana, resolvi voltar à pedra e dar uma olhada mais de perto com o Rodrigo. Como ele queria conhecer um pouco mais a região norte do Estado e na hora lembrei dessa pedra,  fiz aquela programada: pedra virgem, fendas eternas, pouca vegetação, aproximação rápida, face sul… Caiu direitinho.

Em algum lugar a caminho de Águia Branca.

Para ganhar tempo, saímos na 6a feira a tarde de Vitória e fomos direto para o Camping Cantinho do Céu em Pancas para passar a noite. Tirando a noite barulhenta de uma galera que ficou até altas horas da noite no nosso ouvido, acordamos relativamente descansados no sábado e dali tocamos mais 60km até a Pedra Torta para conferir a tal fenda.

Estudando a via.

Pedimos autorização numa casa que fica na base da pedra e tocamos até a pedra. Até ali nada demais. Conseguimos abrir uma boa trilha que nos levou diretamente até a base da via e logo descobrimos o início do grande diedro que na verdade era um grande totem na parte inicial. No lado esquerdo deste totem vimos um belo diedro vertical com uma fenda cega que poderia ser uma opção mais hard e quando fomos ver o lado direito do diedro descobrimos isso:

Improvisação (das boas) para ganhar o primeiro lance.

Um sistema de cordas e bambu para vencer o lance inicial e ganhar a grande chaminé do totem. Na hora fiquei sem entender se aquilo era coisa de um escalador ou algum caçador da região. Concluímos que pelo tipo de nó, não era obra de um escalador. Mais tarde descobrimos que, um dia, um morador da região viu uma luz azul a noite na base dessa pedra e no dia seguinte resolveu ir conferir o que era, pois achou que fosse algum tesouro…

Como a “via” já estava iniciada, achamos por bem usar a outra saída e deixar essa para “o caçador de tesouro”, vai que ele queira abrir uma via no futuro…

Começamos a via pelo diedro da esquerda. Como vi que o negócio ia ser root, passei a ponta para o Rodrigo, mas espertamente ele repassou a ponta e tive que assumir o serviço sujo. Da base vi que teria muita oportunidade para micro-friend (Aliens e C3), mas logo descobri que a fenda era cega e que não cabia nada, nem o dedo. Além disso, calculei mal a inclinação da pedra e constatei que era mais vertical do que o esperado. Ou seja, o que achei que ia resolver em meia hora se arrastou por quase 2h para conquistar os primeiros 40m da via até ganhar o cume do totem.

Do totem para cima parecia que a coisa ia fluir melhor. Chamei o Rodrigo e passei a ponta para ele. Mas antes ensinei rapidamente como funciona uma furadeira, já que ele nunca conquistou um via com uma furadeira. Belo começo…

Rodrigo no início da segunda enfiada.

O Rodrigo pegou a furadeira e uma meia dúzia de peças e sumiu mato à dentro. Depois de tocar uns 10m, enquanto lutava para se desvencilhar de alguns espinhos, coisa pouca, ele solta essa:

–  Cara, tu não vai acreditar! A minha lente de contato caiu ao bater num galho!

Oi? K.O? Sério?

Beleza, tem dois olhos pra quê?

Toca o resto caolho, caraio!

Mas não teve jeito, 3 graus de miopia realmente incomoda e ele teve que baixar. A aquela altura, depois de conquistar a 1a enfiada eu estava um trapo. Na verdade estava mais abalado emocionalmente do que fisicamente, pois estava esperando uma escalada tranquila e despretenciosa, mas aquilo não tinha nada de tranquilo. Parecia perrengue atrás de perrengue! Sem muita escolha, peguei a ponta novamente e fui até ganhar o último mato. Olhei para cima e vi um tufo de cactus que me pareceu intransponível. Se eu já estava abalado, aquilo foi a gota d’água. Ainda tentei, em vão, sair pela esquerda para tentar caçar uma segunda fenda, mas acabei sucumbindo num trecho muito vertical e liso. Como eu queríamos abrir a via totalmente em livre, desistimos desse lado e resolvemos baixar para voltar num outro dia com a cabeça mais no lugar.

Como ainda tinha bastante tempo, passamos um bom tempo na casa do proprietário das terras jogando conversa fiada e bebendo água de coco que troquei por um pedaço de corda velha. Eu sempre levo um pedaço de corda velha para dar de presente. As pessoas ficam amarradão! #ficaadica!

Água de coco e prosa para recuperar as energias.

Voltamos novamente ao Cantinho de Céu em Pancas e decidimos que no dia seguinte tentaríamos uma coisa mais light, menos “perrengosa”. Escolhemos a via “Onde os amigos têm vez” na Pedra do Córrego, uma via que conquistei em solitária no início do ano que ainda não tinha sido totalmente liberada.

Entardecer em Pancas.
Uma pequena coruja.
Eu e a minha paixão pelas nuvens!
Nublado entre árvores!
Amanhecer em Pancas.
Selfie ou auto-retrato?

 

Onde os amigos têm vez

No domingo, acordamos sem muita pressa, mas também sem perder a disciplina e partimos para repetir a via. Às 8h30 em ponto, o Rodrigo começou a via guiando a primeira enfiada. E assim fomos, até a 3a enfiada, sempre alternando a ponta da corda.

Rodrigo na primeira enfiada da “Onde os amigos têm vez”.
Terceira enfiada.

A quarta enfiada era a única que ainda não tinha sido liberada. Juntei todos os meus “amigos” e parti à luta. O objetivo era juntar a 4a e a 5a enfiada num único esticão para totalizar uma enfiada de 40m em travessia por baixo do teto. Tirando um trecho que estava um pouco molhado e que deu mais trabalho, o resto foi uma escalada de desfrute com um pouco de pressão, mas no fim deu tudo certo e a enfiada ficou linda de morrer!

Quarta enfiada + quinta, a grande travessia do arco.

A última enfiada foi só uma burocracia, então foi bem tranquila e por volta de meio-dia e meio já estávamos no cume assinado o livro e uma hora depois no carro para pegar a estrada de volta até Vitória.

Última enfiada.

 

Cume!
Assinando o livro de cume pela terceira vez esse ano…

Não foi um final de semana de “muita glória”, mas valeu demais pela repetição da via. Foi muito gratificante voltar à via com uma pessoa e escala-la dividindo a cordada, pois mesmo sendo a mesma via é um mundo totalmente diferente de escalar sozinho.

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