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Pedra da Alvina

Cada conquistador possui um estilo de conquista que acaba se tornando uma espécie de marca registrada da pessoa. Logo, numa mesma pedra pode ter vias com estilos diferentes (se conquistada por pessoas diferentes) que entregam experiências distintas aos repetidores porque cada um tem um estilo.

Pancas é uma espécie de profusão de estilos, pois muitos escaladores com diferentes bagagens conquistaram vias por lá. Logo, há muitas vias com estilos bem distintos. Cada um com sua assinatura. 

Gosto dessa variação de estilos. Gosto de provar vias com estilos diferentes. Por isso, um dos fatores que considero na hora de escolher uma via para repetir é saber quem são os conquistadores. Dentre as várias vias de Pancas, um casal sempre chamou a minha atenção. Alex e Cris Ribeiro. É uma dupla do Rio de Janeiro que andou bastante por aqueles lados e conquistou várias vias pela região, mas estranhamente não havia repetido nenhuma via deles.

Dentre as conquistas do casal, uma em particular sempre atiçou o meu imaginário, a via La Belle de Jour na Pedra da Alvina. É uma via relativamente fácil, 4o com IV SUP, mas bastante extensa, com 620m, a 5a maior via de Pancas. Clique aqui para ler o relato da conquista.

Sempre que estudava essa via, também almejava escalá-la em solitária por apresentar algumas peculiaridades que a tornam perfeita para esse estilo de escalada, mas tinha vários poréns…. Clique aqui para ver o croqui original.

A primeira delas era a graduação. Um IV grau capixaba é um pouco diferente do IV grau carioca. Em geral, o IV carioca é sempre mais difícil. Também sei da fama dos IV de Petrópolis, a cidade de origem do casal.

Outra questão era a localização da pedra. A Pedra da Alvina fica nos confins das montanhas de Pancas. Talvez umas das montanhas mais remotas com acesso bastante complicado. Sabia de história de gente que não conseguiu nem chegar na montanha. Uma rápida estudada no Google Maps já dava uma ideia da complexidade para chegar lá.

Mais uma vez, na semana que andei trabalhando nos croquis de Pancas, essa via caiu no meu colo e o antigo projeto veio à tona novamente. Dessa vez resolvi estudar a fundo. Contactei o conquistador, falei com Fabinho e estudei o croqui em detalhe.

Assim que entrou outra frente fria no final de semana, não pensei duas vezes e tratei de colocar o plano em prática.

A previsão mostrava que no domingo teríamos uma boa janela, sem possibilidade de chuva. Então resolvi ir a Pancas no final do dia de sábado porque estava bem receoso com a aproximação e queria ter uma boa margem de tempo para achar o melhor acesso.

O Google me deu três opções quando coloquei a montanha a partir do camping do Fabinho. A mais rápida já sabia que era furada porque passa por uma estrada que tem uma porteira fechada. A segunda seria por Lajinha, mas por lá, o Fabinho disse que seria furada, só com 4×4 e dos bons! A terceira opção era por Paranazinho. Ainda tinha uma quarta opção, também por Paranazinho, mas essa o Google nem mostrou.

Considerei a 3a opção razoável e escolhi essa. Acordei no domingo às 4h30 e às 5h30 sai do Fabinho rumo a pedra, via Paranazinho. Tudo ia bem até chegar numa descida de um vale. Gradualmente, a estrada foi perdendo qualidade e logo só tinha uma passagem para moto. A certa altura, a estrada embocou num vale mais estreito e comecei a não gostar, mas se eu conseguisse passar, sabia que à frente ficaria melhor. Num certo momento, após a curva, a estrada estava em um quarto de pista. Só moto passava ali. O resto da estrada, a chuva levou e deixou uma cratera. Nem se eu estivesse de Jimmy que é mais estreito conseguiria passar. Por sorte, muita sorte mesmo, 5m antes tinha um recuo suficiente para dar meia volta e sair dali quanto antes.

A essa altura minha adrenalina já estava a mil. Quase que fico na estrada.

Resolvi voltar para 4a opção que o Google não mostrava. A estrada parecia boa, mas quando ela me jogou para um lajeado de pedra seguido de uma travessia de rio fiquei bem preocupado novamente. Logo a frente, milagrosamente, a estrada voltou a ficar boa. Vi que a estrada fora acertada recentemente.

Segui pela estrada e me perdi. Não preciso nem dizer que no meio de tantas montanhas, não tem sinal de celular, logo não tem internet.

Voltei e acertei o caminho. Passei uma porteira e vi um senhor. Sempre que vamos para montanhas, desejamos não ver gente, mas ali, naquela situação, ver aquele senhor de camiseta surrada com um galho de café na mão me deu um conforto no coração. Apresentei me e expliquei minhas intenções. Perguntei como estava a estrada para frente e ele confirmou que a máquina havia passado recentemente. Aquilo foi música para os meus ouvidos. Agradeci pela informação e segui tranquilo até a ver a pedra pela primeira vez.

Não tem como não reconhecer a Pedra da Alvina. Ela é ímpar e imponente na paisagem. Fiquei muito feliz em vê-la pela primeira vez, mas, ao mesmo tempo, fiquei em dúvida se conseguiria subir aquele imenso monolito.

Pedra da Alvina

Vencida a primeira etapa, a próxima seria achar a base. Nas fotos parecia fácil, mas olhando para aquele mar de granito, não me pareceu tão trivial. Também descobri in loco que teria que subir um grande pasto até chegar na base da pedra. Pelas fotos parecia que era só descer do carro e dar dois passos para chegar na base.

Estudei a foto, mas não cheguei a uma conclusão. Nessa hora invoquei a mente do conquistador, fui para onde eu iria se tivesse que conquistar a montanha.

Subi até o ponto mais alto onde o pasto encosta na pedra e comecei a procurar os grampos. Achar um pedaço de ferro de 3/8 naquele mar de pedra parecia impossível.

Onde estão os grampos?

Pela foto parecia que a via estava mais à direita. Então resolvi fazer uma travessia pelo costão na esperança de tropeçar num grampo.

Após uns 60m, vi um grampo branco abaixo de mim, uns 10m. Achei a via! Mas eu já estava no meio da primeira enfiada. Alinhei com a via e segui assim até a P3, de mochila e tudo. Na P3 resolvi me encordar porque o croqui dizia que um IV grau me esperava. Encordei me, mas ainda segui de approach shoes para ganhar tempo.

Escalando a 4a enfiada.

Em 40 minutos já estava na P5, bem na base do trecho mais vertical da pedra. Fiz um descanso mais demorado, bebi uma água, comi alguma coisa e me preparei para o encarar a enfiada de IV grau.

uma pausa na P5.
Início da 6a enfiada.
Guiando a 6a enfiada.

Já havia notado que a graduação estava parecida com o padrão local e a via estava bem protegida, então fiquei bem mais aliviando nesse quesito.

A próxima enfiada, a 7a, era a continuação do trecho mais inclinado da pedra, também um IV. Se eu estivesse na conquista, tocaria pela esquerda para evitar o trecho mais inclinado, mas os grampos me jogavam para o pior lado. Logo descobri que a enfiada é cheia de agarras e batentes, um verdadeiro deleite de escalada. Sem dúvida a melhor enfiada da via!

7a enfiada.

Dali para cima a pedra voltou perder inclinação e segui até a 9a enfiada tentando escalar eficientemente.

A décima e a décima primeira enfiada eram uma incógnita. Durante os estudos não consegui visualizar a escalada, mas ao vivo, ficou bem óbvio, até porque a via segue o caminho mais natural, contornando a pedra pela esquerda para fugir do headwall negativo.

Por volta das 11h45 bati no cume, após 4h de escalada. Como o dia estava relativamente fresco, mesmo com sol, a escalada rendeu bem, mas acho que se fosse num dia normal, não sei se teria conseguido, pois estava com pouca água. A via fica sempre ao sol até a 10 enfiada. No final aparece umas árvores que trazem um pouco de sombra.

Pedra da Alvina

Uma vez no cume comecei a saga para achar os grampos da descida que são independentes até a P9. Fiquei um bom tempo procurando os grampos do rapel sem sucesso. No fim, acabei laçando uma árvore e logo em seguida encontrei a segunda parada. Dali para baixo, desci otimizando vários rapéis e em 50 minutos já estava no chão novamente!

Na hora de ir embora, tive uma ideia de girico e resolvi sair por Lajinha, em vez de dar meia volta! Nossa, que arrependimento! A estrada é bonita, ok! Mas passa por cada lugar… Adrenei mais na volta do que solando aquelas enfiadas de approach shoes! Se eu tivesse vindo por Lajinha não teria chegado até a pedra! Só consegui passar porque estava indo montanha abaixo!

Mesmo com todos esses percalços, posso garantir que a escalada vale muito a pena. Diria que é um prato cheio para quem gosta de escaladas longas ao melhor estilo Expresso Lunar. Aliás, se você já fez a Expresso Lunar, vai tirar essa de letra. Sem contar a vista que se tem do alto para toda região. Para mim, é a vista que melhor representa a região de Pancas e Águia Branca.

Por fim, meus agradecimentos, ao Alex Ribeiro pelas dicas e ao Fabinho pelo apoio logístico de sempre.

Segue o croqui atualizado sobre o original.

Comentários

2 respostas em “Pedra da Alvina”

Sugiro Canaleta Joinville em “solo” e também já fica o convite para escalar a nossa via na pedra Mula. Vc já esteve naquele platô ?

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