Na semana passada, eu assisti um vídeo muito massa sobre a conquista do pico Gave Ding (6571m) no Nepal pelos escaladores britânicos Mick Fowler e Paul Ramsden. De quebra, os caras ainda levaram o (terceiro!) Piolet D’Or 2015 pela ascensão! Enquanto ficava nauseado só em ver o tamanho da muralha de rocha e gelo que eles escalaram, fiquei pensando uma coisa: O que aconteceria se eles deixassem cair algum equipamento durante a escalada, visto que o rack deles era bem enxuto?!
O fato é que, no último final de semana, eu mesmo tive o desprazer de sentir na pele o que é deixar cair um equipamento essencial e ter que continuar a escalada sem ele.
No sábado, após o desfalque do Gillan que tomou um knockdown da gripe, eu e o Graveto fomos para Parede dos Sonhos em Itarana para repetir a clássica via “Xixi Molhado”.
Como o Graveto ainda não sabe guiar em móvel, ele ficou com as enfiadas fixas e eu com as móveis. Ou seja, ele ficou com a enfiada crux da via… Quem mandou não estudar…
Na P2, antes de o Graveto entrar na enfiada crux, eu estava manuseando os equipamentos para ele guiar e num momento de descuido deixei cair o freio!!!! É claro que, ao contrário do meu amigo Eupídio que leva 4 freios para parede, eu não tinha um segundo freio comigo.
O Graveto, aterrorizado ao ver aquela cena só disse:
– Ainda bem que não fui eu…
Poderíamos descer 2 enfiadas (60m) até a base para procurar o freio, ou poderíamos seguir a escalada, mais 5 enfiadas, sem freio usando UIAA.
E foi assim que fizemos. Como estávamos guiando com corda dupla, revezamos o único freio. Segue de baixo com freio e segue de cima com UIAA.
Certifiquei com o Graveto se ele sabia usar a volta corretamente e seguimos a escalada até o fim sem maiores problemas.
Após cinco longas horas, finalmente batemos no cume da pedra sob um sol castigante. Descansamos um pouco sob a sombra de um arbusto e iniciamos o longo caminho de volta. Rapelar quase 300m sem freio!
O UIAA é um excelente freio, mas tem a desvantagem de torcer demais a corda. E rapelar 7 enfiadas com ele seria problema na certa. A corda vai torcendo e na hora de recolhe-la, ela se enrola e fica quase impossível de puxar. Na hora, veio à cabeça o Magnone, um freio improvisado usando 5 mosquetões. A vantagem desse método é que ele não torce a corda. A desvantagem é que dá um certo trabalho montar o sistema e exige um pouco de prática.
Resolvido o problema, nos lançamos no longo caminho de volta até a base da via.
Ao final do dia, conclui que os britânicos não eram tapados como eu para deixar cair o freio, talvez por isso eles tenham levado 3 Piolet D’Or e eu nenhum…
No dia seguinte, voltamos novamente à Parede dos Sonhos, mas dessa vez para conquistar mais uma via.
Toda vez que descia da Parede dos Sonhos ficava namorando uma possível via na linha do rapel. Durante o rapel ficava claro que a linha tinha muitas agarras e que ali daria uma boa escalada.
Assim, no domingo, decidimos abrir uma via exatamente nesta linha. A linha fica entre as vias Xixi na Cama e Xixi Molhado, seguindo reto para cima em direção ao principal platô da pedra. Vide croqui no final da postagem.
Tocamos sem grandes problemas até o platô após conquistarmos duas enfiadas de 40m e 30m respectivamente. Como era de se esperar, as duas enfiadas ficaram incríveis. Rocha boa, firme e cheia de agarras garantiram uma enfiada de 4o e uma de Vo, segundo o Graveto que repetiu as enfiadas de segundo.
Do platô para cima, já fora da linha de rapel, eu tinha namorado uma outra linha. À direita da parede há uma grande unha destacada na aresta que forma uma espécie de agulha que chama muito a atenção. E sempre que escalávamos, olhávamos para aquela agulha e ficávamos imaginando alguém em pé naquela laca fina prestes a cair.
Mirei para agulha e toquei para cima. Aproveitei uma fissura frontal paralela à fenda frontal da “Xixi na Cama” para ganhar altura (poupar chapa) e fui tocando para cima por aquela rocha totalmente diferente da seção inferior. Por alguns instantes estava me sentindo o Alex Huber escalando o trecho do granito negro do El Capitan da via El Ninõ. Alias, o nome da via “Vivendo um Sonho” vem dai!
Respeitando as devidas proporções, a escalada ficou muito gostosa e agradável até chegar no crux da enfiada, onde tudo ficou diferente. Como a linha seguiu em diagonal à direita, em direção à aresta da pedra, uma hora tive que encarar a aresta. E logo, nessa transição, a rocha ficou bem vertical e mais exposta.
A travessia do crux para aresta ficou um brinco! Só escalando para entender aquela explosão de sensações.
Bati a parada bem na aresta da parede, sob uma laca muito estranha, num lugar exposto, porém muito “ventilado”.
Chamei o Graveto, olhei para cima e vi que a coisa ia ficar preta (literalmente). Logo de cara a aresta ficou muito vertical com poucas agarras. Conquistei esse trecho em A0, mas com certeza é passível de ser liberado (7o?). Após 2 lances em A0, dominei um platô descaído para ganhar a base da “unha”. A sensação de chegar na base de uma laca descolada é no mínimo adrenante, a sensação é de que aquele negócio vai se soltar e cair com tudo.
Olhei a laca pela direita e pela esquerda e resolvi subir pela esquerda, pelo lado mais exposto, por uma pequena chaminé de meio corpo. Como não poderia proteger na laca sob o risco dela cair, tive que bater uma chapa na base e parti pela fenda torcendo para que ela não caísse com o meu peso. A sensação que eu tive ao subir abraçado (literalmente) naquela unha era de estar abraçando o capeta. Para piorar, assim que cheguei no final da laca, para o meu desespero, descobri que eu ia precisar ficar em pé sob a agulha para continuar a escalada.
Com a adrenalina à mil, subi na agulha e realizei o sonho de ficar em pé naquele unha que sempre víamos de longe. Na mesma velocidade que subi, desci e segui a escalada pela face.
A essa altura, após conquistar 4 enfiadas, eu já estava bem cansando. E quando vi uma parede lisa e cheia de cristais, veio a desmotivação, pois sabia que ia passar muito trabalho para vencer aquele trecho liso. Olhei bem para linha e vi uma pequena fissura nascendo logo acima. Aquilo seria a salvação da via, mas para isso tinha que chegar lá. Decidi que iria até a fissura e lá bateria a parada para deixar a via engatilhada para uma próxima investida. Escalei os metros finais me arrastando e o último lance, antes da parada, não teve jeito, tive que roubar usando furo de cliff para ganhar o lance.
Chamei o Graveto que subiu igualmente adrenado, mesmo com a corda de cima e demos meia volta dali mesmo.
Após um rapel curto, voltamos à P3 e dali mesmo conseguimos uma linha de rapel de 60m cravado até a base.
Tocamos no chão por volta das 15h. Juntamos os equipos e iniciamos o longo caminho de volta até Vitória.